Economia

Prazo da reforma tributária segue uma estratégia política

  • 7/03/2023
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Devagar, devagarinho, como diria Martinho da Vila, o governo vai revelando o que pode se esperar da reforma tributária, seu timing e a disposição de criar “impostos pontes” para que a negociação das medidas estruturais no Congresso ocorra com menos pressão e, ao mesmo tempo, sem deixar o caixa da União muito à descoberto. A priori não parece ser algo que surpreenda positivamente o mercado. Pelo contrário. Mas Lula marcou um tento quando, após sua diatribe contra as taxas de juros e condenado por nove entre dez analistas de instituições financeiras, acordou hoje com o “tal mercado” colocando a redução da Selic no radar. Na reforma tributária e no constructo fiscal, pode acontecer algo menos na base do acerto teórico do que na sugestão do presidente. Mas isso é um pensar desejante.

O surpreendente prazo de até 2025 anunciado pelo secretário especial da Reforma Tributária, Bernardo Appy,  para a regulamentação e efetivo funcionamento do novo gravame, o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), mostra que a diretriz é tocar a reforma sem pressa, inclusive porque qualquer açodamento apenas servirá para deixar o governo refém do Centrão – o presidente da Câmara e líder do bloco, Arthur Lira, já mostrou as garras, dizendo que o governo não tem maioria sequer para aprovar uma matéria simples, quanto mais uma Emenda Constitucional. Por sua vez, a reforma do Imposto de Renda, que inclui o imposto sobre dividendos e a desoneração da folha de trabalho das empresas, ficaria para o fim de 2024. Essa é agenda tributária mais sensível aos grupos de interesse. Está empurrada para além das expectativas cronológicas porque o governo acena que os acordos políticos poderão ser feitos no tempo de validação do Congresso.

Esse passo a passo mais vagaroso já estava no horizonte de alguns economistas, tais como o professor Aloísio Araujo, do IMPA e FGV. Mas as novidades dos “impostos ponte”, sobre o petróleo, e uma certa trucagem no compromisso de não aumentar a arrecadação tributária vão revelando para onde deve seguir a nova gestão da Fazenda. Os “impostos ponte” podem ser comparados a uma contribuição provisória, portanto com prazo de duração definido. A novidade é que os recursos arrecadados poderão ser devolvidos direta ou indiretamente aos contribuintes. Ou seja: mesmo provisórios, os tributos renderão durante algum tempo. Um bom exemplo é o imposto sobre exportação do petróleo. Está previsto que não durará mais de quatro meses. Mas quem disse que é assim que a bola vai rolar. Mesmo com a disposição da Fazenda de fazer uma reoneração do tributo sobre os combustíveis para o mesmo patamar deixado por Bolsonaro, o imposto sobre exportação de petróleo deve ser mantido como reforço fiscal.  

No bolso do governo também está guardada uma estratégica contribuição provisória sobre a exportação de commodities agrícolas, que pagam poucos impostos e têm proporcionalmente uma margem de lucro enorme entre todos os setores da economia brasileira. Mas nada que signifique enfiar a enxada no lucro dos “campeões nacionais”. São medidas que ajudarão a cobrir o buraco fiscal enquanto a reforma tributária não mostrar ao que veio. Quanto à renúncia de maior arrecadação tributária, regulamentada por instrumento legislativo normativo, não consta que nenhum governo desde a abertura democrática tenha se comprometido com algo similar. A arrecadação cresce por motivos variados, alguns deles de caráter inteiramente exógeno.  

O que o governo pretende é adotar uma política anticíclica de devolução do acréscimo de receita e partir de determinado montante projetado no PLOA, que poderá também ser diferido no tempo. Ou não, e servir para o cashback e outras fórmulas de devolução de recursos. É como se o governo pagasse um dividendo ao contribuinte quando houver êxito nas suas contas fiscais. Toda essa arquitetura conversará com o novo arcabouço fiscal, é claro, que também vem no bojo de uma política anticíclica, não necessariamente ampla, nem geral, nem irrestrita. Tudo arrumadinho, devagar, devagarinho, conforme os versos da canção do Martinho.  

Resta a ver se esse plano cabe na realidade política do país, cada vez mais avessa à tramitação tranquila de qualquer projeto de interesse nacional, mesmo que a postergação ou os passos de cágado sejam, eventualmente, uma boa estratégia. Por enquanto, sobram a confusão, os desencontros do PT com o governo e um certo talento de Lula para o logro e a prestidigitação. O presidente está atirando para todos os lados, sendo hiperbólico na quantidade de elementos que pretende tratar de uma só vez. Fala de juros, meta, BC autônomo, etc. E, by the way, de reforma tributária. Essa sua excessiva e diversionista interferência em uma imensidão de assuntos nos quais ele até pode acertar no atacado, mas desconhece o varejo, causa ruídos no mercado.  

Pode dar certo, desde que o governo aloque racionalmente os parcos recursos disponíveis, gerados nos períodos de bonança, e distribua o excedente auferido em períodos de vacas gordas, acelere as fases da reforma tributária, apresente um arcabouço fiscal sólido – todos na direção da maré anticíclica – e faça uma provisão mais farta para o momento de ficar no osso. Mas, o RR, a luz dos dados disponíveis, insiste: está muito difícil arrumar a casa.

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