Tag: Reforma Tributária

Destaque
A “Reforma do Pacto Federativo” tem mais adversários do que aliados
16/08/2024A primeira fase da reforma tributária, sobre o consumo, já são favas contadas. Ainda que mais complexa, a segunda etapa, focada na renda, virá a seguir. Mas, aos olhos da equipe econômica, ainda falta um grande projeto reestruturante do país: a reforma orçamentária, ou o novo pacto federativo. Para muitos, trata-se da mãe de todas as reformas, fundamental para a organização fiscal do Estado brasileiro.
No entanto, a iniciativa traz riscos políticos, de implementação e governança. O governo Lula terá de cumprir a missão hercúlea de costurar um amplo acórdão, envolvendo Congresso, estados e municípios e – por que não dizer? – o próprio empresariado. Não há possibilidade de se fazer uma reforma do orçamento e, consequentemente, um ajuste bem-sucedido das contas públicas fora de um grande círculo de conciliação nacional.
O desafio é ceifar os inúmeros orçamentos paralelos que existem hoje dentro do Orçamento da União. Fernando Haddad e Simone Tebet e seus respectivos assessores estão debruçados sobre estudos e simulações, com o objetivo de elaborar uma proposta a ser levada ao presidente Lula. Como a própria Tebet já disse, “Tudo está na mesa”.
E o que tem nessa mesa? Difícil acertar. Talvez a definição ironicamente esteja na chamada agenda 3D – desindexar, desvincular e desobrigar -, que Paulo Guedes prometeu implementar, porém sem êxito. Ou em outra iniciativa da era Guedes que naufragou: o Plano Mais Brasil, mais precisamente a PEC do Pacto Federativo (188/19), que acabou arquivada pelo Senado.
Para o novo pacto federativo sair do papel, o governo terá de pisar em vários campos minados. A começar pelas mudanças no Fundo de Participações dos Estados e Municípios e nas transferências obrigatórias da União para os outros dois entes federativos. Será necessário quebrar a natural resistência de governadores e prefeitos em meio à gravíssima crise fiscal que os assola. A federação está quebrada.
Somente os estados acumulam uma dívida pública de quase R$ 800 bilhões com a União. A ministra do Planejamento já deixou claro ser favorável também à desvinculação do salário-mínimo da Previdência, do seguro-desemprego, do abono salarial e do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Da mesma forma, Tebet e Fernando Haddad, que trabalham em sintonia, defendem a flexibilização do percentual mínimo fixado na Constituição para os gastos em saúde e educação, que podem aumentar indefinidamente na mesma proporção do crescimento da arrecadação.
A redução dos percentuais mínimos poderia liberar até R$ 131 bilhões para gastos em custeio e investimentos até 2033, segundo relatório divulgado pelo Tesouro Nacional. No mosaico de proposições de Tebet e Haddad, consta ainda a incorporação dos gastos do Fundeb ao piso constitucional da educação.
Propostas não faltam à equipe econômica. Difícil mesmo será juntar todos os atores políticos que seriam impactados pela reforma orçamentária.
O que pode ser apurado é que Lula, bem ao seu estilo, vai dando linha aos seus colaboradores. Mas do presidente, uma raposa política, pode se esperar todo o tipo de esquiva ou reviravolta. Vide o caso do “orçamento secreto”, que está no centro de uma grande crise interpoderes. Na mais recente reunião ministerial, o presidente abordou a questão, conforme informou Maria Cristina Fernandes, colunista do Valor Econômico, na edição da última terça-feira. Como bem colocou a jornalista, trata-se de um “vespeiro”.
Na última quarta-feira, o ministro do STF Flavio Dino suspendeu as emendas impositivas ao Orçamento da União, acirrando ainda mais as relações com o Congresso. Como fazer um pacto federativo entre instâncias que não conseguem pactuar? Na própria quarta-feira, logo após a decisão de Dino, Arthur Lira rapidamente soltou mais uma das suas: “É bom lembrar que o Orçamento não pertence apenas ao Poder Executivo”. No enunciado, foi uma direta mais do que direta contra Dino; nas entrelinhas, uma indireta nem tão indireta ao próprio Lula.
E o que fez o ciclotímico Lula? Mordeu e assoprou. Ontem, em uma mesma entrevista, citou o “sequestro” do orçamento pelo Congresso para logo depois dizer que é necessário um diálogo e um acordo com o Legislativo em relação às emendas Pix. A conhecida multipolaridade política de Lula surge como um risco aos próprios anseios reformistas de Haddad e Tebet. Hoje, o presidente pode ser a favor de uma medida; amanhã, criticá-la e desautorizá-la. Ou seja: talvez um dos maiores entraves para a dupla de ministros levar adiante o pacto federativo não esteja exatamente no Congresso, mas no próprio Planalto.
Há ainda outras questões que compõe o imbróglio orçamentário. É o caso da PEC 65/2023, em tramitação no Senado, que prevê a autonomia financeira do Banco Central. Seria mais um orçamento dentro do orçamento. A título de exemplo: entre 2018 e 2023, o BC registrou um lucro acumulado de R$ 114 bilhões com senhoriagem. Desse total, cerca de R$ 91 bilhões foram repassados ao Tesouro durante o período. Com a PEC, esse dinheiro não passaria nem perto do caixa central da União.
Ficaria retido no BC. A conclusão da reforma tributária e da reforma do pacto federativo seriam a consagração do governo Lula e do alto-comando da economia. Esse é o sentimento na Fazenda e no Planejamento. No entanto, para que isso ocorra, a equipe econômica terá de dobrar diversos grupos de interesse, públicos e privados – vide, por exemplo, as renúncias fiscais e benefícios concedidos a centenas de milhares, que totalizam R$ 650 bilhões. É o que o economista André Lara Resende denominou de “balcanização do orçamento”, que, nas suas palavras, levou o país à desordem fiscal do tempo da inflação crônica.

Economia
Haddad ainda busca um espaço para os ultraprocessados no prato da reforma tributária
24/05/2024
Economia
As contas da reforma tributária e do arcabouço fiscal não batem
30/04/2024Sondagem feita pelo RR junto a empresas de setores já pressionados pela carga tributária revela uma descrença com os números colocados à mesa pelo governo. A maior parte dos executivos consultados aposta que, com a alíquota de referência do novo sistema tributário – até prova em contrário, estimada pela Fazenda em 26,5% -, será impossível fechar a conta do arcabouço fiscal. É como se Lula estivesse jogando o Brasil em um esforço de guerra, com o discurso de que a arrecadação fiscal obtida se justificaria com a melhoria da qualidade de vida da população.

Economia
“Imposto do pecado”: governo quer mais setores pagando penitência
25/04/2024A lista dos produtos “pecaminosos” não está fechada. A relação que consta do projeto de lei complementar da reforma tributária encaminhada por Fernando Haddad ao Congresso, ontem, é apenas um ponto de partida. O governo pretende incluir o máximo possível de itens no escopo do chamado “Imposto do Pecado”. Para isso, cata caquinho em cada segmento da economia que possa ser considerado um “herege”. Mesmo porque a equipe econômica já antevê a batalha de lobbies que está por vir no Congresso para a retirada de setores desse purgatório tributário. Ou seja: é preciso criar uma folga para compensar os eventuais indultos. Neste momento, o rol de produtos a serem taxados pelo Imposto Seletivo (IS) é composto por veículos, embarcações, aeronaves, fumígenos, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas e minerais (ferro, petróleo e gás natural). Estes ainda poderão ter a companhia, por exemplo, de alimentos processados e açucarados e de outros bens obtidos do extrativismo, como o carvão. A montagem desse mosaico de novos impostos é complexa, pois alguns dos itens cogitados recebem incentivos fiscais. Na reforma tributária não faria sentido trocar um subsídio por um imposto. O cálculo, portanto, poderia ser o quanto de benefício seria retirado para que o diferencial “punisse” o setor em uma proporção maior, porém adequada ao status quo fiscal anterior.
O texto da reforma tributária afirma que os novos impostos não onerariam os itens, mas seria aplicado apenas para desestimular seu consumo e uso. Parece impossível que essa intenção seja cumprida. Até o ultraliberal ex-ministro Paulo Guedes almejava o Imposto Seletivo como uma contribuição para o equilíbrio das contas nacionais. E não faz sentido engessar novamente a Constituição com percentuais fixos de tributação, a exemplo das amarras orçamentárias nos gastos em saúde e educação, cuja regra o governo luta para mudar.
É difícil calcular o tributo que incidirá sobre todos os itens. Ao contrário dos produtos hoje gravados com impostos maiores, seu impacto negativo sobre a saúde é irrefutável e já tem longa tradição. Os novos itens citados têm um número muito maior de marcas, uma variação grande da gravidade de malefício a saúde e de volatilidade natural de preços e consumo. Ou seja: o novo imposto não deveria ignorar o mercado, definir o impacto negativo sobre a população de cada um deles e achar uma regra de não engessamento dos percentuais de cada tributo na Constituição. Há muitos bilhões em jogo. E lobbies gigantescos em ação. A BAT já colocou sua tropa no Congresso, visando, por um lado, a proibição do cigarro eletrônico pela Anvisa, já considerando que sobre o novo produto incidiria um imposto menor do que os atuais, concentrados em nicotina. Vazam da companhia informações de que ela já está pronta para ingressar imediatamente nos cigarros de cannabis, assim que eles forem liberados pelos órgãos competentes, uma tendência mundial considerada inevitável dentro da BAT. Diversos países do mundo já liberaram os “cigarrinhos”. Imaginem só o tamanho da alíquota e a contribuição tributária que essa medida traria. Afinal, o mercado sempre antecipa e se adequa. Consultada pelo RR, a BAT não se manifestou até o fechamento desta matéria. Em tempo: alguns dos produtos pecaminosos atuais e suas respectivas cargas tributárias são os seguintes: cachaça (81,9%); cerveja (42,7%); chope (62,2%); cigarro (83,3%); espumante (59,5%); vinho nacional (44,7%); vinho importado (59,7%); armas de fogo – revólver (71,6%).

Destaque
Paulo Guedes coloca algumas pitadas na reforma tributária
19/07/2023Além dos naturais representantes de setores que serão impactados pelos aumentos de impostos – como serviços, comércio, agronegócios e e-commerce – o deputado Aguinaldo Ribeiro, relator da Reforma Tributária, consultou Paulo Guedes sobre alguns pontos polêmicos do projeto. Entram nesse rol, por exemplo, os impostos seletivos e a alíquota básica. Guedes, segundo apurou o RR, defendeu uma ampliação dos tributos junto a alguns segmentos de forma a reduzir a alíquota básica, que atinge toda a economia graúda. O ex-ministro bateu em uma tecla bem conhecida, ou seja, resgatar a ideia do “sin tax”, ou imposto do pecado, que se traduz em tributar alimentos ultraprocessados e com muito teor de açúcar, entre outros que não fariam bem à saúde. O aumento do gravame nos setores de tabaco e bebida também estaria na lista de medidas sugeridas.
Perguntado se esses últimos setores já não estariam demasiadamente tributados, Guedes saiu-se com a seguinte resposta: “Vejam o balanço deles…” Para aliviar essas medidas duras e politicamente antipáticas, o ex-ministro sacou da mesma receita de sempre: que se resgate a CPMF, modulado conforme o gosto do freguês. É o Paulo Guedes de sempre. Sem o action e o espaço para provocações, tem propostas sensatas.

Economia
Prazo da reforma tributária segue uma estratégia política
7/03/2023Devagar, devagarinho, como diria Martinho da Vila, o governo vai revelando o que pode se esperar da reforma tributária, seu timing e a disposição de criar “impostos pontes” para que a negociação das medidas estruturais no Congresso ocorra com menos pressão e, ao mesmo tempo, sem deixar o caixa da União muito à descoberto. A priori não parece ser algo que surpreenda positivamente o mercado. Pelo contrário. Mas Lula marcou um tento quando, após sua diatribe contra as taxas de juros e condenado por nove entre dez analistas de instituições financeiras, acordou hoje com o “tal mercado” colocando a redução da Selic no radar. Na reforma tributária e no constructo fiscal, pode acontecer algo menos na base do acerto teórico do que na sugestão do presidente. Mas isso é um pensar desejante.
O surpreendente prazo de até 2025 anunciado pelo secretário especial da Reforma Tributária, Bernardo Appy, para a regulamentação e efetivo funcionamento do novo gravame, o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), mostra que a diretriz é tocar a reforma sem pressa, inclusive porque qualquer açodamento apenas servirá para deixar o governo refém do Centrão – o presidente da Câmara e líder do bloco, Arthur Lira, já mostrou as garras, dizendo que o governo não tem maioria sequer para aprovar uma matéria simples, quanto mais uma Emenda Constitucional. Por sua vez, a reforma do Imposto de Renda, que inclui o imposto sobre dividendos e a desoneração da folha de trabalho das empresas, ficaria para o fim de 2024. Essa é agenda tributária mais sensível aos grupos de interesse. Está empurrada para além das expectativas cronológicas porque o governo acena que os acordos políticos poderão ser feitos no tempo de validação do Congresso.
Esse passo a passo mais vagaroso já estava no horizonte de alguns economistas, tais como o professor Aloísio Araujo, do IMPA e FGV. Mas as novidades dos “impostos ponte”, sobre o petróleo, e uma certa trucagem no compromisso de não aumentar a arrecadação tributária vão revelando para onde deve seguir a nova gestão da Fazenda. Os “impostos ponte” podem ser comparados a uma contribuição provisória, portanto com prazo de duração definido. A novidade é que os recursos arrecadados poderão ser devolvidos direta ou indiretamente aos contribuintes. Ou seja: mesmo provisórios, os tributos renderão durante algum tempo. Um bom exemplo é o imposto sobre exportação do petróleo. Está previsto que não durará mais de quatro meses. Mas quem disse que é assim que a bola vai rolar. Mesmo com a disposição da Fazenda de fazer uma reoneração do tributo sobre os combustíveis para o mesmo patamar deixado por Bolsonaro, o imposto sobre exportação de petróleo deve ser mantido como reforço fiscal.
No bolso do governo também está guardada uma estratégica contribuição provisória sobre a exportação de commodities agrícolas, que pagam poucos impostos e têm proporcionalmente uma margem de lucro enorme entre todos os setores da economia brasileira. Mas nada que signifique enfiar a enxada no lucro dos “campeões nacionais”. São medidas que ajudarão a cobrir o buraco fiscal enquanto a reforma tributária não mostrar ao que veio. Quanto à renúncia de maior arrecadação tributária, regulamentada por instrumento legislativo normativo, não consta que nenhum governo desde a abertura democrática tenha se comprometido com algo similar. A arrecadação cresce por motivos variados, alguns deles de caráter inteiramente exógeno.
O que o governo pretende é adotar uma política anticíclica de devolução do acréscimo de receita e partir de determinado montante projetado no PLOA, que poderá também ser diferido no tempo. Ou não, e servir para o cashback e outras fórmulas de devolução de recursos. É como se o governo pagasse um dividendo ao contribuinte quando houver êxito nas suas contas fiscais. Toda essa arquitetura conversará com o novo arcabouço fiscal, é claro, que também vem no bojo de uma política anticíclica, não necessariamente ampla, nem geral, nem irrestrita. Tudo arrumadinho, devagar, devagarinho, conforme os versos da canção do Martinho.
Resta a ver se esse plano cabe na realidade política do país, cada vez mais avessa à tramitação tranquila de qualquer projeto de interesse nacional, mesmo que a postergação ou os passos de cágado sejam, eventualmente, uma boa estratégia. Por enquanto, sobram a confusão, os desencontros do PT com o governo e um certo talento de Lula para o logro e a prestidigitação. O presidente está atirando para todos os lados, sendo hiperbólico na quantidade de elementos que pretende tratar de uma só vez. Fala de juros, meta, BC autônomo, etc. E, by the way, de reforma tributária. Essa sua excessiva e diversionista interferência em uma imensidão de assuntos nos quais ele até pode acertar no atacado, mas desconhece o varejo, causa ruídos no mercado.
Pode dar certo, desde que o governo aloque racionalmente os parcos recursos disponíveis, gerados nos períodos de bonança, e distribua o excedente auferido em períodos de vacas gordas, acelere as fases da reforma tributária, apresente um arcabouço fiscal sólido – todos na direção da maré anticíclica – e faça uma provisão mais farta para o momento de ficar no osso. Mas, o RR, a luz dos dados disponíveis, insiste: está muito difícil arrumar a casa.

Economia
A ciranda de nomes para a Secretaria do Tesouro
19/12/2022O final de semana de Fernando Haddad foi reservado a perscrutar que pode ser o secretário do Tesouro Nacional. Não está nada fácil. A ideia inicial foi de que o Secretário da STN tocasse de ouvido com o secretário da Reforma Tributária, Bernard Appy. Haddad foi, então, convencido de que fazer uma dupla de ataque nesta área acabaria gerando mais concordância do que um frutuoso debate. O Tesouro e toda a parte tributária afunilam em algum momento. O futuro ministro não quer montar patota. Surgiu, então, o nome de Felipe Salto, atual secretário da Fazenda de São Paulo. Aliás, um nome que vai e volta. Salto é um craque, mas esbarra em alguns próceres do PT. Como alternativa, foi soprado no ouvido de Haddad o nome do economista chefe do Banco Safra, Joaquim Levy, que já pilotou a STN em governo pretérito do PT. Levy já teria, inclusive, acenado com algo mais ou menos assim: “Olha, estou aqui para colaborar em qualquer coisa”. Só que não colou. Falta empatia com Haddad. E as informações que o futuro ministro colheu são de que Levy é dificílimo de relacionamento.
Surgiu, então, o nome de Vilma Pinto, economista, mulher, negra, e uma fera em finança públicas, analista do Congresso para questões fiscais. Por pouco o ministro não bateu o martelo. No final, depois de visitas variadas na sua casa, preferiu dar um tempo e abrir novas conversas. De qualquer forma, a busca continua. Haddad prossegue, com uma lanterna na mão, como o filósofo Diógenes, procurando não somente um homem íntegro, mas que entenda profundamente das contas públicas e seja um sujeito de equipe, de bom trato e que não tenha um histórico de brigão.