Acervo RR

A homilia da Fibria e seu Deus ex-machina

  • 25/10/2012
    • Share

E, no princípio, fez-se a ousadia, e o “Deus ex machina” metamorfoseou seu indicador em serpente, que se contorceu sob a forma de um cifrão até tocar o dedo reluzente do filho pródigo Ermírio de Moraes, metáfora arquetípica de um clã paulista. E, desde então, passou a atender por BNDES, onipresente, onisciente e onicapitalizador. Pai e filho se juntaram, antes mesmo do verbo, em um espírito santificador do vil metal. E, depois, o BNDES disse “faça-se a luz, as trevas, a indústria, a infraestrutura”, lançando pequenos e médios empresários em um despenhadeiro de almas desesperadas. E escolheu filhos, primos, sobrinhos, com recomendação de que não se multiplicassem, constituindo cartéis e monopólios no firmamento. Chamou, então, seu filho pródigo, e com voz trovejante anunciou ser ele o escolhido para sentar-se a sua direita. O convite soou como ato de amor, já que Ermírio tinha buscado ser semideus com a incorporação da Aracruz Celulose, o que conspurcava a alma e o caixa da Votorantim Celulose e Papel. Fez-se mais um dia, e o BNDES soprou com seu hálito dourado, e os carcomidos derivados da Aracruz transmutaram- se na Fibria, gloriosa deusa da celulose. Eleito, o filho pródigo trabalhou durante seis dias e seis noites na criação de um dos maiores conglomerados mundiais da área de celulose. No quarto dia, Ermírio descansou e admirou a beleza de sua obra, não se sabe bem se criada a  sua imagem e semelhança ou a  do BNDES. Mais um dia, e sob a areia frutífera de um deserto de viço fulgurante, da polpa da celulose começou a escorrer o néctar da volúpia. Nem bem germinada a Fibria, era a hora de cobrar do todo poderoso que fizesse a luz sobre grandes empreendimentos, como a consolidação da Veracel e a construção da fábrica de Três Lagoas (MT). E o BNDES abençoou o seu filho, recomendando que avançasse sempre, pois limite era o paradigma dos covardes. De repente, o dia se fez noite, e a divindade pecuniária ausentou-se do próprio altar. A Fibria sentiu medo, muito medo. E vendeu ativos florestais, uma fábrica de papel em Piracicaba e sua participação na Conpacel – outra fábrica de papel e celulose. Em pânico, em meio a  fuligem da prosperidade eterna e ao restolho da fortuna prometida, procurou aos brados seu protetor. O que fazer sem aquele que, desde sempre, foi a razão da sua ascensão, que estava no princípio do princípio do princípio? Para o filho pródigo, o caminho da graça exigiria um aporte de capital na Fibria, com a ampliação da participação do BNDES. O banco já é o maior acionista, com 30,38%, a  frente dos Ermírio, dono de 29,4%. A renovação do atual acordo de acionistas permitiria a  família permanecer a  frente da gestão, com sua espada de fogo na mão, mesmo após a redução de sua fatia societária. Mesmo em expectativa ante a força do milagre, sua alma corporativa ardia em chamas, sob a forma de aumento dos prejuízos (só no primeiro semestre, as perdas foram de R$ 536 milhões), crescimento do passivo, hoje na casa dos R$ 11 bilhões. O pior dos gárgulas repetia: “Acabou, não mais a instalação de uma linha de celulose branqueada em Mato Grosso do Sul e a duplicação da Veracel, não mais”. Uma língua flamejante vociferava: queimem a Fibria em um lago de lava e enxofre. Palavras de fel para quem não tem gana, nem fé. Como se mais uma vez o filho pródigo não fosse olhar para o céu e clamar: “Pai, onde estás, me atenda.”

Leia Também

Todos os direitos reservados 1966-2024.