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“Pix parcelado” surge como uma trégua entre BC e equipe econômica

  • 29/06/2023
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Na geometria da política econômica, o governo Lula e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, parecem fadados a serem duas paralelas. Não se encontrarão nem no infinito. O que não quer dizer que não possam convergir em outro plano. Segundo uma fonte do próprio BC, Campos e sua equipe estão debruçados sobre um projeto feito quase que sob medida para distensionar a relação com a equipe econômica. Trata-se da criação de uma espécie de “Pix parcelado”. Essa nova função permitiria que as pessoas fizessem compras a prazo usando o próprio Pix. A equação não é simples, porque teria de tangenciar o crédito bancário. Uma das ideias é que o pagamento seja vinculado ao salário ou aposentadoria, com o desconto mensal direto em folha. Seria, portanto, uma operação de “Pix consignado”, atrelado ao consumo. Os valores das prestações desse “Pix parcelado” seriam fixos. A equipe de Campos Neto ainda está quebrando a cabeça para desenhar como seria a operacionalização desse novo meio de pagamento. Parece confuso. Um dos desafios é a nova modalidade não colidir de forma violenta com o cartão de crédito e o crédito direto ao consumidor. Seria necessária a criação de algum mecanismo garantidor do pagamento em caso de demissão ou morte.

Já está escrito que o Banco Central caminhará para expandir as funcionalidades do Pix. O próprio BC anunciou recentemente o lançamento do Pix Automático – uma modalidade similar ao débito automático em conta -, inicialmente previsto para abril de 2024. O ministro Fernando Haddad, por sua vez, exatamente no dia 30 de janeiro,  adiantou que o Pix vai se tornar um instrumento de crédito. De acordo com a fonte do RR, a intenção de Campos Neto é antecipar a implantação de todas essas operações para este ano.

Roberto Campos Neto, ao que tudo indica, está fazendo política. Além de dar continuidade à estratégia de ampliação dos serviços financeiros do Pix, a criação do “Pix parcelado”, por exemplo, é uma medida que se coaduna com o pensamento da equipe econômica. E poderia reduzir os juros ao consumidor, pouquinho que fosse. Seria, portanto, uma forma de Campos Neto abrandar as animosidades com o próprio presidente da República e com o ministro Fernando Haddad. Até porque a política monetária do BC não vai mudar tanto até o fim do seu primeiro mandato, em 2024. Vide as previsões do mercado. Em sua última edição, o Boletim Focus trouxe uma estimativa de 9,50% para a Selic no fim de 2024, com uma previsão de 3,98% para o IPCA. Ou seja: uma taxa de juros real de 5,52%, o que ainda seria uma das mais altas do mundo. De toda a maneira, a implantação do “Pix Parcelado” seria uma maneira de atenuar o impacto do mal-estar da Selic junto a Lula. A seu favor, o presidente da autoridade monetária poderia entoar o discurso de que uma iniciativa como essa só referenda a independência do Banco Central. Em tempo: no atual contexto, há outro fator capaz de reduzir a fricção entre Campos Neto e o governo. A ampliação do horizonte de cumprimento da meta de inflação, que deve ser analisada na reunião de hoje do Conselho Monetário Nacional, colabora para a melhoria do ambiente.

Tudo muito, tudo muito bem. Não se discute os efeitos positivos do “Pix parcelado. No entanto, há medicamentos cujas contraindicações superam seus efeitos curativos. Com os novos derivativos do Pix, o BC segue no seu incontido avanço mercado bancário adentro, tornando-se, em essência, um competidor das próprias instituições financeiras. Mais do que isso: o “Pix Parcelado”, a exemplo do próprio Pix, será mais uma mordida na rentabilidade dos bancos. Tudo, ressalte-se, em cima de um cenário de desequilíbrio concorrencial e profundas assimetrias. Os bancos convencionais têm uma elevada carga de custos inerente a sua operação. Impor um ambiente de competição artificial é praticamente obrigar as instituições financeiras a fechar mais agências e promover uma sangria de demissões para tentar recompor suas margens.  

Isso para não falar de uma dupla identidade que traz a reboque um inequívoco conflito de interesses: ao ser o agente responsável pela operacionalização do Pix, o órgão regulador do sistema financeiro passa a competir diretamente com as instituições que ele próprio regula. Mal comparando é como se a Anac criasse uma plataforma de e-commerce para vender passagens aéreas. 

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