“Diplomacia da vacina” vira álibi de Jair Bolsonaro

  • 30/04/2021
    • Share

O Palácio do Planalto começou a montar o quebra-cabeças para a defesa do presidente Jair Bolsonaro na CPI da Covid. Há uma preocupação específica em justificar a demora para a aquisição de vacinas, nem que para isso seja necessário descortinar informações delicadas, que, em circunstâncias normais, não deveriam vir à tona. Um dos argumentos centrais levantados por assessores de Bolsonaro é o fato de que a dinâmica de compra e venda de imunizantes não vem sendo guiada apenas por critérios de ordem sanitária. Há obstáculos invisíveis a olho nu. No meio do caminho, surgiram interesses geoeconômicos e comerciais que têm exercido razoável influência sobre negociações. Jair Bolsonaro errou muito, mas ninguém é bonzinho nesse script.

Com todas as sutilezas que costumam pautar discussões diplomáticas, há um jogo tácito de barganhas no mercado multilateral da vacina. Essas tratativas estão imbricadas com interesses comerciais. Uma peça central dessa engrenagem é o leilão de 5G. Há, neste momento, uma incrível interseção geoeconômica entre telefonia e vacina. A China, um dos principais fornecedores de imunizantes para o Brasil, tenta derrubar as barreiras – sobretudo ideológicas – para assegurar a participação da Huawei na licitação do 5G. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Mas, provavelmente, não vai ser satanizando a Huawei que o governo brasileiro conseguirá reduzir o atraso no envio dos insumos chineses para a produção da CoronaVac.

A diplomacia é a arte da troca. Que o diga a Suécia. A vacina, neste caso, é uma ampola cercada por interesses cruzados, que vão além da saúde e chegam às telecomunicações e à defesa. Um nome, por sinal, enfeixa esses três setores: Investor AB, maior e mais influente companhia de investimentos dos países nórdicos. Controlado pela família Wallenberg, o grupo é um importante acionista da AstraZeneca, fabricante de uma das duas únicas vacinas, ao lado da CoronaVac, autorizadas pela Anvisa para uso no Brasil. A mesma Investor AB tem participação acionária na Ericsson, que duela pela primazia de fornecer a tecnologia 5G no país. Em disputa, um pacote de investimentos da ordem de R$ 10 bilhões até 2025. Os tentáculos do polvo escandinavo alcançam também a área de Defesa. A holding dos Wallenberg é acionista relevantes da Saab, fornecedora dos novos caças da Força Aérea Brasileira, um contrato de aproximadamente US$ 5,4 bilhões.

Um personagem ainda mais poderoso neste tabuleiro de interesses inoculados no mercado mundial de vacinas são os Estados Unidos. Lá estão a Pfizer e a Moderna, com as quais o governo brasileiro já fechou contratos para a compra, respectivamente, de 100 milhões e de 13 milhões de doses. É bem verdade que a gestão Bolsonaro tem muita culpa no cartório. Em meados do ano passado, recusou uma oferta de 70 milhões de doses da própria Pfizer. Esta será uma das maiores fragilidades do presidente na CPI da Covid. Mas, talvez, o governo tenha de explicitar na CPI que há um jogo a ser jogado com Washington. Os Estados Unidos são a nação que mais pressiona o Brasil neste momento por um plano estruturado contra o desmatamento da Amazônia e a emissão de dióxido de carbono. Os norte-americanos são também fortes interessados em deslocar a Huawei do leilão de 5G no Brasil.

Um fato em especial reforça a argumentação a favor do presidente Bolsonaro: a dificuldade de estados e municípios em fechar a compra de vacinas. O mesmo se aplica a iniciativas do setor privado. Na linha de raciocínio construída pelos auxiliares de Bolsonaro, governos centrais só querem vender vacina para governos centrais. É a gestão federal que decide as grandes pautas dos interesses multilaterais. E o acordo entre o governador João Doria e a China? Esta teria sido a exceção que confirma a regra, um contrato fechado na época em que o presidente Bolsonaro desdenhava da vacina chinesa e que serviu para garantir a entrada do produto no mercado brasileiro.

#Jair Bolsonaro

Leia Também

Todos os direitos reservados 1966-2024.