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A comemoração de 100 anos do Itaú Unibanco poderia constar como um ato da peça “Così è (se vi pare)”, do dramaturgo Luigi Pirandello. O marco tem muito mais de apelo publicitário do que de rigor histórico. Afinal, quem está completando um século? Dependendo do critério adotado, são diversas as respostas possíveis. O mais coerente seria a valorização da marca Unibanco. Esta, sim, chegou aos 100 anos cravados – a Casa Bancária Moreira Salles, que deu origem ao Unibanco, foi fundada exatamente em 1924. Outro parâmetro seria levar a marca Itaú Unibanco em consideração. Nesse caso, no entanto, ainda vai demorar muito para o banco celebrar seu primeiro século. A fusão, que criou uma nova marca, um novo conglomerado financeiro e uma nova estrutura de capital, foi realizada há apenas 16 anos. Por sinal, essa combinação de nomes – Itaú Unibanco – é a apresentada na campanha publicitária como o brand centenário. Bem, entre as hipóteses existentes, sobra o Itaú isoladamente. O Banco Itaú propriamente dito foi criado em 1944 por José Balbino Siqueira, no então distrito de Itaú, pertencente ao município de Pratápolis (MG). Apenas em 1964, ele seria incorporado pelo Banco Federal de Crédito, por sua vez sucessor do Banco Central de Crédito, fundado por Alfredo Egydio de Souza Aranha em 1943 e considerado o marco zero do Itaú. Ou seja: independentemente do critério utilizado – se vale a data de surgimento do Itaú original ou do Banco Central de Crédito -, o fato é que nenhum deles completa 100 anos em 2024. Em tempo: curiosamente, o nome de Balbino Siqueira não aparece em nenhum dos materiais institucionais ou reportagens sobre o “centenário” do Itaú Unibanco.
Coincidentemente, a participação do empresário Eudoro Villela na construção do Itaú foi ofuscada na celebração. Não é a primeira vez que Villela, o grande capitalista do banco nos seus primórdios, acaba sendo colocado para escanteio. Em outros idos, o eclipse do banqueiro foi interpretado como uma forma de dissociação do Itaú com a ditadura militar. Villela, para quem não se lembra, foi presidente da Associação Nacional de Programação Econômica e Social (ANPES), o equivalente, em São Paulo, ao Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), sediado no Rio de Janeiro. As duas instituições foram importantes think tanks criados com o objetivo de elaborar projetos para a reestruturação do Estado brasileiro durante o governo militar. Em 2014, um episódio, no mínimo, constrangedor vinculou o Itaú a um tempo que o próprio banco gostaria de apagar. Naquele ano, a instituição financeira distribuiu uma agenda que, no dia 31 de março, mencionava a data como o “aniversário da revolução de 1964”. O Itaú teve de recolher o material às pressas. Os herdeiros do banco não tiveram a mesma dignidade dos irmãos Marinho, que publicaram uma carta aberta fazendo mea culpa e admitindo que o apoio ao regime de 64 foi um “erro”.
A falta desses esclarecimentos em nada afeta a competência, o tamanho e a história de sucesso do Itaú, tenha ela começado em 1924, 1943, 1944 ou 2008. Os Setúbal e os Villela construíram um gigante do setor financeiro. Isso é incontestável. O que é um eventual deslize cronológico ou um artifício publicitário comparado à trajetória do banco? Até porque, como escreveu Pirandello, “La verità? Non esiste una sola verità. Ci sono tante verità quante sono le persone.”
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