As artimanhas fiscais do governo dentro da lei

  • 2/08/2022
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O RR decidiu fazer algumas observações sobre fatos fiscais discutíveis e, algumas vezes, oportunistas que contraditam o próprio discurso do governo. São números impressionistas, que não levam em consideração, por exemplo, a correção pela inflação. Mas trazem à tona inquietações submersas em relação ao que move determinadas decisões do governo. Vamos a elas:

  • Causa estranheza, em plena vigência do Estado de Emergência, cujo um dos motivos da sua decretação foi permitir o financiamento do Auxílio Brasil fora do teto, o governo antecipar dividendos das estatais com a mesma finalidade. Por que não fez antes? Não fez por quê?

 

  • Qual a razão da insistência de privatizar as principais estatais, que são verdadeiras vacas leiteiras do governo? Que desperdício seria vender empresas geradoras de prováveis R$ 100 bilhões em dividendos para a União neste ano?

 

  • Pode não ser uma pedalada fiscal sob uma avaliação rigorosa. Mas provoca espécie uma operação de transferência de parcela dos dividendos das grandes estatais para o BNDES, que, por sua vez, transferirá os recursos para o Tesouro com o objetivo de financiamento dos gastos de custeio do governo. Dilma Rousseff nunca teve tamanha criatividade.

 

  • Entre 2019 e 2021, a União arrecadou R$ 70,7 bilhões com dividendos de estatais. Caso a previsão de R$ 100 bilhões para este ano seja atingida, o Tesouro vai amealhar, portanto, R$ 170,7 bilhões durante o mandato de Jair Bolsonaro. No mesmo intervalo, as despesas discricionárias do governo central somaram R$ 455,7 bilhões. Em um exercício hipotético, se os dividendos com estatais entre 2019 e 2022 fossem integralmente alocados a investimentos, representariam 37,4% do total de gastos discricionários do período.

 

  • A título de curiosidade “privatológica”: somando-se a participação direta da União e as ações em poder do BNDES, o governo detém 36,5% do capital total da Petrobras. Tomando-se como base apenas o valor de mercado da estatal no fechamento de ontem, essa fatia equivale a algo como R$ 158 bilhões. Ou seja: somente os dividendos pagos à União no primeiro semestre deste ano, cerca de R$ 50 bilhões, correspondem a um terço dessa cifra. Vale mesmo vender a estatal? Uma vez privatizada, esses recursos somem.

 

  • Ainda a Petrobras: caso fossem investidos na construção de novas refinarias, os dividendos pagos pela estatal à União tornariam o país superavitário na produção de diesel – as importações respondem por 23,2% do consumo.

 

  • Para se ter uma ideia do impacto dos dividendos da estatal na produção de diesel, apenas o valor de R$ 50 bilhões antecipados pela Petrobras à União no primeiro semestre daria para “comprar” cinco vezes a Refinaria Landulpho Alves (RLAM), vendida ao Mubadala. Nem seriam necessárias as cinco. Apenas três refinarias com a capacidade da RLAM cobririam o déficit de diesel no país. Como se sabe, nenhuma empresa privada se apresentou ainda para construir qualquer refinaria.

 

  • Não custa lembrar que a comparação da antecipação de dividendos com as pedaladas fiscais de Dilma são uma “forçação” de barra. As pedaladas foram feitas ao arrepio da lei. A antecipação de dividendos “tapa teto” está dentro das regras, mas não deixa de ser uma contabilidade criativa muito heterodoxa, especialmente jeitosa para um ano eleitoral.

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