Os tortuosos caminhos da paz

O que precisa ser dito

Os tortuosos caminhos da paz

  • 13/10/2025
    • Share

Hoje é certamente um dia de comemorações que todos nós esperamos não sejam apenas passageiras. Mas o grande perdedor nos embates das últimas semanas foi Benjamin Netanyahu, que, na Assembleia Geral da ONU de 2024, havia exibido arrogantemente ao mundo o mapa do Grande Israel que ia do rio Jordão ao Mediterrâneo, com a anexação definitiva de Gaza e da Cisjordânia.

Certo de contar com o apoio eterno e irrestrito dos Estados Unidos, o primeiro-ministro de Israel cometeu dois erros capitais. O primeiro consistiu em levar adiante, com renovado vigor, os processos de genocídio e domicídio (destruição da infraestrutura e de todos os imóveis) em curso desde outubro de 2023, após o bárbaro e indefensável ataque terrorista do Hamas em território israelense.

Combinado com a imagem de crianças famintas e cidades reduzidas a pó, isso fez com que a opinião pública mundial acabasse por se voltar contra Israel. E a maior prova disso foram as crescentes manifestações de apoio à criação de um Estado palestino por importantes países como França, Reino Unido, Portugal, Espanha, Canadá e Austrália, de tal modo que hoje 157 dos 193 membros das Nações Unidas tenham assumido essa postura.

O segundo erro – esse, sim, definitivo – foi o ataque aéreo realizado em 9 de setembro de 2025 que visava eliminar toda a liderança do Hamas na cidade de Doha, capital do Catar, quando ela já discutia a proposta de cessar-fogo feita pelos Estados Unidos. Entre os alvos se incluía Khalil al-Hayya, principal negociador do Hamas, mas a operação fracassou e só deixou como vítimas pessoas de menor projeção política, guarda-costas e até um agente de segurança catariano.

Há indicações de que Netanyahu comunicou previamente o ataque a Trump, pairando até hoje a dúvida se ele o autorizou ou apenas se deu por informado. O fato, contudo, é que o tiro saiu monumentalmente pela culatra: desejando interromper de imediato as tratativas de cessação das hostilidades, a aventura belicosa de Israel teve o fulminante efeito contrário de selar a aprovação do plano de pacificação norte-americano à revelia real de Netanyahu e de seus apoiadores da ultradireita política e religiosa.

Acontece que, durante a recente reunião da Assembleia Geral das Nações Unidas, enfurecidos com a agressão israelense a um país aliado que abriga a Base Aérea de Al Udeid, maior instalação militar norte-americana no Oriente Médio, os líderes de oito nações árabes e muçulmanas tiveram uma reunião pouco divulgada com Trump, onde deram um basta coletivo às ações atrabiliárias comandadas por Netanyahu.

O atual ocupante da Casa Branca, com sua esperteza em situações críticas, entendeu a mensagem definitiva e praticou mais uma de suas famosas TACOadas, levando na devida conta os fortíssimos interesses políticos e econômicos que o unem àqueles interlocutores. Cumpre não esquecer que a primeira viagem internacional de Trump neste segundo mandato foi para o Oriente Médio, visitando especificamente a Arábia Saudita, os Emirados e o injuriado Catar.

Os entendimentos, então formalizados numa proposta complexa de paz, representaram também uma significativa derrota para Trump: desapareceram, como num passe de mágica, suas reiteradas declarações anteriores de apoio à limpeza étnica da Faixa de Gaza com a expulsão dos mais de dois milhões de palestinos para a construção de imensos “resorts” turísticos.

Desfizeram-se no ar as ideias estapafúrdias de anexação de Gaza e da Cisjordânia por Israel. Surgiu até, modestamente, a possibilidade distante de criação do Estado palestino!

E, no dia 29 de setembro, Netanyahu foi convocado à Casa Branca para o “dá ou desce”, sendo obrigado a declarar formalmente seu apoio ao plano de Trump e submetido à humilhação pública de, diante das câmeras, telefonar para o primeiro-ministro do Catar, Mohammed bin Abdulrahman bin Jassim al-Thani, pedindo desculpas por haver violado a soberania de seu país e prometendo que Israel jamais voltaria a fazê-lo.

O Hamas, fragilizado e instado pelos países árabes e muçulmanos a aceitar os termos do plano ou ficar totalmente isolado, por fim concordou em entregar seu maior trunfo, que eram os reféns ainda vivos. Soube fazê-lo com a necessária circunspecção, sem os costumeiros espetáculos de poderio militar que de fato não mais possui sem o apoio material do Irã.

Recebe de volta dois mil de seus correligionários detidos em Israel, numerosos deles condenados à prisão perpétua, e viu começar a chegar a ajuda humanitária de que tanto necessitam os torturados seres humanos – crianças, mulheres e homens – que eles pretendem representar.

Na conferência de cúpula hoje realizada em Sharm El-Sheikh, os presidentes dos Estados Unidos, do Egito e da Turquia, bem como o primeiro-ministro do Catar, intermediários nos acertos entre Israel e o Hamas, assinaram o acordo de paz cuja complexíssima execução o mundo acompanhará com a respiração suspensa.

Vale notar que, convidado a participar, Netanyahu declinou na última hora invocando um feriado religioso judaico – embora seja voz corrente que o primeiro mandatário turco, Erdogan, e outros líderes não desejavam contar com sua presença.

#Israel #ONU

Leia Também

Todos os direitos reservados 1966-2025.

Rolar para cima