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A rinha entre o Judiciário e o Legislativo está transbordando para estamentos variados do aparelho de Estado. As Forças Armadas acompanham com certa apreensão a disputa entre Poderes, que se tornou ainda mais renhida nos últimos dias. O ministro da Defesa, José Múcio, tem mantido o presidente Lula informado do clima de preocupação no meio militar.
O ambiente nos Altos-Comandos é inteiramente o oposto dos tempos de Jair Bolsonaro, quando se estimulava a ação das Forças Armadas como poder moderador – a partir de uma tortuosa e conveniente reinterpretação do Artigo 142 da Constituição. Um dado curioso.
Segundo um general da ativa fonte do RR, o consenso é que somente Lula, nesse momento, poderia gravitar entre os dois lados, com seu jeito peculiar de conciliador. A perspectiva, ao contrário do passado, é que o presidente entre em campo e, nos bastidores ou mesmo publicamente, consiga distender a animosidade entre Judiciário e Legislativo. Lula tem mais trânsito entre os togados do que junto à “República de Arthur Lira”. Contudo, o presidente sabe que a seu favor conta o incômodo popular com as emendas, seus valores extremados e as justificativas dos parlamentares, mesmo que constitucionais.
Termos como “orçamento secreto” ou “emendas PIX” começam a incomodar a opinião pública. O Palácio do Planalto recebeu pesquisa que confirma esse diagnóstico. Mas, no meio do caminho, existe uma pedra, que se chama eleições municipais. Um pedra com a textura de um cristal.
Lula, líder de um partido hoje minoritário no Congresso, sabe de cor e salteado que afagos e composições serão necessários. A questão é que os outros dois Poderes não parecem querer arrefecer. De um lado, o Judiciário unido, tal qual uma infantaria espartana, está disposto a cortar regalias, o poder de imposição e a ausência de transparência nas decisões do Congresso. Do lado do Legislativo, as legiões de Arthur Lira querem se sobrepor às determinações da Corte e usar o expediente das PECs para restringir os poderes do Supremo.
É tiro de lá e tiro de cá. Na última sexta-feira, o plenário do STF referendou por unanimidade a decisão do ministro Flavio Dino, que suspendeu as emendas impositivas. Arthur Lira reagiu de imediato. No mesmo dia, encaminhou à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara duas PECs. Uma delas, já aprovada pelo Senado, limita decisões monocráticas dos ministros do Supremo.
A outra dá ao Congresso o poder de suspender decisões da Corte. Em que situações? Quando “a decisão exorbita do adequado exercício da função jurisdicional e inova o ordenamento jurídico como norma geral e abstrata”. Qualquer coisa cabe nessa afasia legislativa.
Parlamentares do próprio Centrão, menos inebriados pelas benesses distribuídas por Lira, começam a ver a necessidade de uma saída mediada do conflito. Esgarçar demasiadamente a corda está longe de ser a melhor das escolhas. O fato é que o país corre o risco de entrar em algo como um circuit breaker decisório, com os dois Poderes se travando mutuamente. Pior: em Brasília, já se fala da possibilidade dessa disputa descambar para golpes abaixo da linha de cintura, com acusações cruzadas, dossiês de um lado e do outro, vazamentos etc. Ou seja: uma espécie de “Lavajatismo infraconstitucional”, como se um certo espírito de Sergio Moro incorporasse nos congressistas e dos togados.
Na última sexta-feira, por exemplo, congressistas já falavam em vasculhar emendas do PT e “os passos de Flavio Dino” – conforme informou o jornalista Robson Bonin, da revista Veja.
Sob certo aspecto, a crise empoderou Lula. Até porque a crise não pertence ao Executivo. O próprio Arthur Lira entrou em contato com o ministro da Casa Civil, Rui Costa, pedindo que o presidente intercedesse junto a Flavio Dino. Por ora, no entanto, Lula segue com uma postura cautelosa. Na última quinta-feira, chegou a dizer que o Congresso “sequestrou” o orçamento para logo depois falar da necessidade de negociar com o Legislativo um “acordo razoável” em relação às emendas. Há método nesse morde e assopra.
Lula tem procurado driblar o assunto, valendo-se, inclusive, de manifestações diversionistas na tentativa de desviar o foco para outras questões. Foi o caso, por exemplo, da declaração de que não reconhece a vitória de Nicolás Maduro nas eleições venezuelanas. Lula tenta ganhar tempo – e poucos líderes políticos no Brasil chegam perto da sua intuição e da sua capacidade de identificar o timing certo das coisas. A ver a hora e forma como se mexerá. Bem, e os militares nessa história toda? Estão preocupados e em prudente expectativa. É natural. Desde que fiquem longe do cenário político.
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