O que precisa ser dito

Estados Unidos ou Lojas Americanas?

  • 6/03/2025
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Jorio Dauster, colaborador especial

Muitos acadêmicos e comentaristas buscam encontrar paralelos históricos ou enquadramentos doutrinários a fim de explicar as ações de Donald Trump no seu primeiro mês e meio na Casa Branca. Mas um bom número deles já entendeu que a explicação básica é surpreendentemente comezinha: Mr. Donald age como o gerente de uma cadeia de lojas que, a seu ver, encontrou o negócio em situação pré-falimentar devido aos erros do antecessor e deve, por isso, executar as medidas de recuperação que se encontram em qualquer manual para empresários encrencados: cortar gastos fechando lojas menos eficientes e/ou despedindo parte significativa da força de trabalho; renegociar aluguéis e o custo dos serviços; obrigar os grandes fornecedores a baixar o preço de seus produtos ou oferecer maiores prazos de pagamento – e por aí vai.

E ele entende bem disso. Embora nunca tenha pedido falência pessoal, Trump recorreu à recuperação judicial (o chamado Chapter 11 nos Estados Unidos) para quatro de seus negócios: Taj Mahal, em 1991; Trump Plaza Hotel, em 1992; Trump Hotels and Casinos Resorts, em 2004; e Trump Entertainment Resorts, em 2009 – sem dúvida, deixando uma legião de credores e investidores bem infelizes. Nesses casos, as empresas – essencialmente cassinos em Atlantic City – se mantêm vivas, mas a participação de Trump passou a ser irrelevante.

No entanto, uma tentativa fracassada de recuperação judicial leva a empresa à falência por várias razões: falta de planejamento competente para lidar com a crise, dispensa de funcionários estratégicos, reação dos supridores às exigências agressivas em matéria de preços, escolha errada das lojas a permanecerem abertas etc. – fatores que, na ponta, se refletem na deterioração da qualidade do serviço oferecido aos fregueses.

Acontece que um país – sobretudo a maior potência mundial nos últimos cem anos – não pode ser administrado como um simples negócio. Ao longo dos últimos séculos foi sendo construída a chamada “ordem internacional”, um complexo conjunto de regras, instituições e acordos capazes de disciplinar as interações entre nações soberanas cujo objetivo final consiste em evitar conflitos e proteger os direitos humanos. Significativamente, parte importante dessa estrutura foi criada desde a Segunda Grande Guerra por inspiração dos Estados Unidos para garantir sua posição hegemônica no mundo. E essas conquistas da humanidade, que ultrapassam de muito o horizonte de um gerente de lojas, estão sendo hoje desprezadas por Trump, como demonstrado pela retirada do país da OMS e do Acordo de Paris.

Na área do comércio internacional, relevante elemento da ordem global, a diplomacia da chantagem instituída por Trump escolheu como arma predileta a imposição de tarifas. Ignora, assim, que dois séculos e meio atrás o próprio Adam Smith já caracterizava essas tentativas de substituir a demanda de importações pelo aumento da produção interna como uma forma de “beggar thy neighbor” (ou, em tradução vulgar, “que se dane meu vizinho”). Como esses vizinhos não estão dispostos a serem empobrecidos em favor do parceiro agressivo, a tendência é que se trave uma guerra tarifária como aquela vista com trágicos resultados durante a Grande Depressão da década de 1930. E, em última instância, semelhantemente ao que acontece com os fregueses numa cadeia de lojas mal administrada, são os cidadãos do país que terminarão pagando mais caro por produtos essenciais de consumo.

Como já vimos que reina o caos na mente e na administração de Trump, com mudanças de postura a cada 24 horas, devemos aguardar para ver o que, de toda a algaravia produzida na Casa Branca, é mera bazófia ou se reflete em medidas concretas. Até lá, a única certeza é que nos meios políticos e econômicos mundiais já se instalou um clima de grande incerteza, senão de pânico, que afeta negativamente todas as decisões públicas e privadas. Para os amantes da distopia, é recomendável a leitura (ou releitura) de “Admirável mundo novo”, de Aldous Huxley, “1984”, de George Orwell, e “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury.

 

#Donald Trump #Estados Unidos

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