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Economia
A ata da última reunião do Copom – com um recado duro de que “caso julgue apropriado não hesitará em elevar a taxa de juros para assegurar a convergência da inflação à meta”, além da avaliação natural de que o cenário de risco para inflação mudou – traz interrogações sobre como será o comportamento do futuro presidente do Banco Central e a efetiva autonomia que o mandatário terá à frente da autoridade monetária. Entenda-se autonomia como a redução das pressões do partido do governo, seus satélites e do próprio presidente da República, que se dedicaram a influir na condução da política de juros atacando duramente o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto. Não resta dúvida que este último abusou da sua independência, politizando sua função e desafiando gregos e troianos em relação a sua força no cargo. Campos Neto foi sendo minado por sua arrogância e por ser considerado um resquício do “bolsonarismo” no governo. Mas ele já é uma carta fora do baralho. Todos os olhos agora miram sobre quem será o nome do futuro titular do BC, que já pode emplacar antecipadamente em setembro, caso Campos Neto decida jogar a toalha antes do prazo estipulado para o fim do seu mandato, às vésperas do Ano Novo.
O placar para o futuro sucessor de Campos Neto está em 90% a favor do atual diretor de política monetária, Gabriel Galípolo, que já posa como presidente do BC, participando de reuniões na alta cúpula do governo. Em junho, encontrou-se com Lula, Fernando Haddad e a secretária executiva do Gabinete Civil, Miriam Belchior, para uma conversa sem agenda previa. Campos Neto nunca teve essa regalia. Mas tudo isso são prolegômenos. A interrogação que se alevanta é até que ponto Galípolo será um “Henrique Meirelles” ou um “Alexandre Tombini”, o presidente frágil da gestão Dilma Rousseff. Caso venha a ter a autonomia de Meirelles, o que é difícil na versão Lula III, Galípolo receberá carta branca para exercer a autoridade monetária sem tomar pitos do chefe da Nação, e do próprio ministro da Fazenda. Verdade seja dita que Haddad reclama de Campos Netto com fala mansa, mais por estar obrigatoriamente alinhado com Lula. De qualquer forma persiste a dúvida: Galípolo terá a prerrogativa de ser um hawkish ou um dovish, com decisões mais técnicas, ou será um títere a serviço do interesse político do Planalto? O que também não é improvável.
Dos tempos de Henrique Meirelles, nos governos de Lula I e II, muita coisa mudou. A começar pela garantia de permanência de Meirelles no cargo dada junto ao governo norte-americano, conforme é público e sabido, devido às negociações em missivas trocadas entre o empresário Mário Garnero e o então vice-presidente dos EUA, Dick Cheney. A reunião articulada para que fosse escolhido um presidente do BC com a benção norte-americana foi conduzida por José Dirceu. Está tudo documentado. Desse encontro saiu confirmado o novo titular da autoridade monetária: o primeiro CEO brasileiro de uma instituição bancária dos EUA, Henrique Meirelles, então à frente do First Boston. Meirelles atravessou os dois governos Lula com liberdade para o manejo da Selic, sob o silêncio de seu chefe. Ganhou todas as paradas, a exemplo dos adversários Carlos Lessa, presidente do BNDES, Guido Mantega, ministro da Fazenda, e Dilma Rousseff, em sua passagem pela Casa Civil. É verdade que havia um risco iminente de ataque especulativo, e Meirelles serviu, no mínimo, para mitigar essa situação. Mas e Galípolo?
O candidato mais bem situado para exercer a presidência do BC, por enquanto, é uma falsa incógnita. Ele sai da cota direta de Fernando Haddad, o que já é um hedge em relação ao fogo cruzado que aos poucos foi encurralando Campos Neto. Os primeiros movimentos de Galípolo nas reuniões do Copom foram um passo para lá e dois para cá. Logo na entrada, divergiu da maioria do Colegiado e apoiou um ciclo de redução das taxas de juros. Nas duas últimas, mudou de opinião, já como virtual presidente do BC, votando com o colegiado para a suspensão desse mesmo ciclo. Lula parece ter arrefecido sabendo que as pancadas sobre Campos Neto já eram letra morta. A Selic estava de novo pronta para subir. A decisão do Colegiado é que a política monetária está há um triz de endurecer. A inflação bate na porta, e todos sabem disso. A tese que circula dentro do próprio Banco Central é que a elevação dos juros teria um impacto menor sob as eleições municipais – essa variável não dita certamente está no balanço de riscos do BC -, uma vez que o desaquecimento da economia somente se daria cerca de seis meses após o aumento da Selic. Ou seja: em 2025. Fora o fato de que a economia estar bombando com um PIB mais alto do que as previsões do mercado já estar encomendado. Até aí nada de novo.
Os analistas de mercado já esquartejaram o assunto post factum. Há um ponto que faz diferença: no próximo ano, o colegiado do BC será quase inteiramente de Lula. Portanto, as decisões de Galípolo serão ainda mais concentradas na sua pessoa. De antemão, pode-se prever que a comunicação do BC vai mudar, com empenho para que o mercado compre a meta contínua de inflação, que vigorará a partir de 2025. A medida relativiza o calendário mensal de aferição da meta de inflação. O verdadeiro índice somente será apurado em 24 meses ou 36 meses – ainda em discussão – a partir de janeiro do próximo ano. Galípolo já deu sinais de que não mexerá na meta permanente de 3% de inflação. Defendeu a medida no passado, mas as circunstâncias mudaram. Alterar a meta seria um choque de falta de credibilidade logo na partida.
Galípolo entrará no BC com muito mais facilidades do que Campos Neto desde a aurora da gestão Lula III. Mas para ser um Meirelles faltam ainda demonstrações efetivas de independência. A começar por como administrar politicamente – o BC inteiramente técnico é balela – a preferência de Lula quando o trade off de juros altos ou atividade econômica bombando for a decisão da vez. A voz rouca da ata do Copom insinua que isso pode acontecer bem mais rapidamente do que se esperava nesses últimos seis meses de Campos Neto como presidente do BC.
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