Por que o governo resiste tanto a “sujar” o câmbio?

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Por que o governo resiste tanto a “sujar” o câmbio?

  • 13/08/2024
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É curiosa a aversão do atual governo ao uso do swap cambial. Parece até a gestão do ex-ministro Paulo Guedes, que considerava a medida como a “mãe dos iletrados em teoria econômica”. Há controvérsias. O ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira bate nessa tecla toda a hora, indo além e defendendo um câmbio fixo. O Brasil experimentou esse regime de forma duradoura. Mudou, quando o mundo mudou, e o tripé macroeconômico – superavit primário, câmbio flutuante e meta de inflação – tornou-se a essência de qualquer gestão da economia. Vale citar o ex-ministro Delfim Netto, para quem o “tripé era a Igreja de todos os carolas da ortodoxia econômica”. Mas, voltando aos dias de hoje, desde março de 2024, o dólar está acima dos R$ 5.

No governo Lula I , mesmo com toda a tensão com a posse do presidente, que chegou a desdizer seu discurso de campanha – a célebre Carta ao Povo Brasileiro) -, o dólar ficou abaixo dos R$ 3. Nem a crise do subprime, a pandemia e a desvalorização do dólar no mundo abalaram a pétrea valorização do real. Até o futuro presidente do BC, Gabriel Galípolo, de quem se esperava pelo menos algumas migalhas de heterodoxia, somou sua opinião ao pensamento manifesto do “ex-presidente do BC”, Roberto Campos Neto, de que o problema está mais do lado estrutural, primordialmente no fiscal – anteriormente o inimigo era a falta de uma política de rendas. Segundo, Galípolo, “os movimentos na cotação do dólar não se refletem, de forma mecânica, na inflação, portanto na condução da política monetária”. Pode ser que o futuro presidente do BC esteja escondendo jogo, pois o câmbio está pressionado, a inflação está mais para o sobe do que para o desce, e vem uma campanha eleitoral por aí.

Mas digamos que o câmbio fixo seja um anátema. E o flutuante seja opção dos bem pensantes. Vale ressalvar que todos os países, apesar de dizerem que adotam uma política cambial flutuante, usam de vez em quando alguma porção de “câmbio sujinho”. No linguajar econômico essa medida é chamada de câmbio híbrido. Conforme a literatura econômica, ele pode ter grande funcionalidade em momentos de transição para uma economia ajustada: evitar ataques especulativos e permitir mais suavidade na política monetária. Na atual conjuntura, parece que a experiência com o câmbio híbrido seria um risco controlado com razoáveis chances de sucesso.

Vamos aos números: o país tem reservas cambiais entre US$ 350 bilhões e US$ 370 bilhões – que poderiam chegar a US$ 400 bilhões facilmente se assim o governo quisesse; a poupança dos brasileiros depositada no exterior chega a US$ 800 bilhões; temos um saldo estrutural não inferior a US$ 40 bilhões; desde janeiro, a balança comercial acumula um saldo de US$ 50 bilhões; o subsolo brasileiro é abençoado de petróleo, ou seja, de câmbio líquido jorrando em crescente abundância; os juros estão em 10,5%, o que deveria atrair mais o capital “moteleiro” – aquele que entra e sai, segundo dizia Delfim Netto, mas que, na média, faz com que a arbitragem artificialmente aumente o valor do real. São cifras e índices que dão ao governo certa tranquilidade para conter a excessiva desvalorização do real frente ao dólar, cuja cotação sobe mais no Brasil do que no mundo. Mas o fato é que, apesar de meio universo achar que o dólar deveria estar em no máximo R$ 4,50, o bendito não cai.

O dólar alto se irradia nos preços em geral, gerando inflação, o que puxa os juros, aumenta os déficits líquido e nominal, atravanca o crescimento da economia, reduz o valor das exportações (apesar  de aumentar a sua competitividade) e eleva o salário real. Então, porque o BC não dá uma “sujada” no câmbio, conforme já fez diversas vezes, ganhando tempo para fazer um ajuste fiscal para valer, com um compromisso mais firme de que ele será realizado em tempo hábil? Ou mesmo passa essa decisão para o Congresso, usando a mesma argumentação e afirmando que as consequências dependerão da resposta dos parlamentares. Haveria uma resposta possível do BC para não usar os swaps cambiais ou mesmo alguma parcela das reservas do país: a ideia de que um movimento de redução do lastro cambial do Brasil poderia provocar uma impressão de fragilidade da política econômica e deixar o país mais sujeito a um ataque especulativo. Se for isso, e só isso, o paradoxo é que somente a inflação alta erode o dólar, cuja alta alimenta a inflação, que, por sua vez, força a elevação dos juros. E assim vamos nós.

O cenário atual combina uma economia semiestagnada, uma perspectiva de crescimento medíocre, um ajuste fiscal que não depende mais da Fazenda ou da autoridade monetária e, sim, do Centrão, um câmbio aparentemente estrutural na faixa de R$ 5 para mais e a perseguição de uma meta impossível de inflação de 3%. Em tempo: na edição de ontem, o Valor Econômico publicou uma pesquisa junto a 102 instituições financeiras e consultorias, apontando que o dólar chegará ao fim do ano negociado a R$ 5,40. O resto prevê uma queda limitada. Et ainsi de suit le Brésil priante dans la même église. 

#Banco Central #Economia

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