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Governo ainda tem cartas para colocar sobre a mesa do ajuste fiscal

  • 13/06/2024
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A histeria com que o mercado financeiro vem tratando as dificuldades para o fechamento das contas públicas – com previsões de déficits primários de 0,7%, em 2024, e 0,6%, em 2025, frente às projeções de 0% do Ministério da Fazenda para os dois anos – parece despropositada. É claro que o fiscal influencia todas as principais variáveis macroeconômicas e os números das nossas contas não são nenhuma maravilha. Mas a vociferação em uníssono dos analistas está alguns tons acima do diapasão.

Segundo industriais ouvidos pelo RR, pelo menos quatro em cinco fontes – a publicação não consultou instituições financeiras porque todas já dizem o que pensam no Boletim Focus -, consideram que ainda há margem de manobra para zerar o déficit nas contas do governo. Se sair da meta, será por poucas casinhas decimais: 0,3% ou 0,4%, respectivamente em 2024 e 2025, seriam hipóteses razoáveis. Vale ressalvar que, quando se trata dos grandes números, um pequeno percentual faz diferença. Mas essa premissa, que está levando o fiscal como matriz de todos os problemas da República, é, no mínimo, exagerada.

Primeiro o PIB pode – e deve – crescer mais do que a projeção quase inercial do Boletim Focus do início da semana (2,5%, em 2024; 2%, em 2025; e os mesmos 2% em 2026), pois o deflator do Produto, mesmo que menor do que no ano passado, aumentará um pouquinho o índice. E ainda há espaço para crescimento, como mostrou a alta de 0,8% do PIB no primeiro trimestre, acima do que previa o mercado. E o aumento da renda e do consumo, que estão puxando o Produto Interno Bruto, não cai de uma hora para outra. Um PIB maior não obrigatoriamente leva a um resultado primário mais favorável. Mas é uma excelente sinalização. Há também um desdém em relação à margem de manobra dos ministros Fernando Haddad e Simone Tebet. Esta última trabalha calada, mas em pautas delicadas que poderiam levar a soluções estruturais para o desafio de reduzir os desequilíbrios fiscais recorrentes.

Haddad toca de ouvido com a ministra do Planejamento. São as seguintes as propostas de Tebet: mudança na regra do salário-mínimo; desindexar as contas públicas do salário-mínimo, notadamente as da Previdência (60% do orçamento comprometidos); e flexibilização do piso constitucional das transferências do orçamento para as áreas de saúde e educação. Mexer no cálculo de correção do mínimo em ano eleitoral parece suicídio político. Sobram as outras duas medidas, que certamente estarão na pauta do segundo semestre. Mas exigirão que se mexa em uma PEC e se aprove outra. Vai sair caro o aval do Congresso.

Outra iniciativa provável é que o governo use o contingenciamento para excluir despesas do orçamento federal. Novamente a medida colide com o ano eleitoral. Menos dinheiro para o governo investir em um calendário eleitoral crucial e reduzir a sua posição de refém político. Contudo, está dado que o corte de despesas é uma profecia autorrealizável. Existem ainda R$ 520 bilhões intactos em benefícios fiscais. Desse total, R$ 200 bilhões estão “voando”, ou seja, o fisco não sabe quais empresas foram beneficiadas. Na declaração do Imposto de Renda da pessoa jurídica deste ano, todas as empresas serão obrigadas a informar suas vantagens tributárias. O governo também teria R$ 89 bilhões em ativos imobiliários – Paulo Guedes dizia que superavam R$ 1 trilhão; vai ver colocou a Petrobras na conta. Não se sabe se as praias, que alguns parlamentares consideram privatizáveis, também estão no montante. Mas existem ainda recursos potenciais a serem levantados.

A Câmara dos Deputados aprovou há sete dias o projeto de lei complementar que regulamenta a securitização da dívida da União, estados, Distrito Federal e municípios. A securitização envolve a venda com deságio dos direitos de receber dívidas, sejam elas tributárias ou não. Entretanto, é capaz do governo, a exemplo dos benefícios fiscais, não saber bem quem são os devedores. De qualquer forma, desse montante, R$ 46 bilhões já estão previstos para reforçar o caixa da União. Os números chegam a ser extravagantes. Existem previsões que alcançam os R$ 5,7 trilhões para serem repartidos entre os entes da Federação. Um percentual de 50% do valor aferido, seja ele qual for, será destinado à Previdência, o que para a União não é parte do problema, mas da solução.

Achar que a Fazenda não tem mais cartas para trazer o déficit primário para próximo da meta, quiçá dentro dela, é subestimar em demasia a musculatura do governo quando se trata de arrecadar mais. Ou mesmo se o instinto de sobrevivência do governo o levará a fazer contingenciamento de crédito, o que era considerado um estigma no início da gestão Lula. No escurinho, no escurinho dos escritórios da Faria Lima, nem os financistas acreditam que o buraco orçamentário não pode ser tapado em 2024/25.

#Ministério da Fazenda #PIB

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