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A cada dia que passa, mais se consolida a ideia de que a Braskem é uma empresa praticamente inalienável. Na semana passada, surgiu mais um óbice para a venda da companhia. Segundo o RR apurou, na última sexta-feira, dia 6, a 2ª Turma do TST (Tribunal Superior do Trabalho) firmou entendimento de que a Braskem pode ser responsabilizada pelas obrigações trabalhistas de empresas que tiveram de interromper suas atividades ou mesmo faliram em decorrência do desastre socioambiental em sua mina de sal-gema em Maceió.
A decisão abre caminho para que os trabalhadores que perderam seus empregos e não receberam suas verbas indenizatórias acionem a empresa na Justiça. Por ora, o tamanho dessa bola de neve ainda é desconhecido, mas o risco de uma avalanche cair sobre a Braskem na Justiça do Trabalho é alto. Estima-se que mais de seis mil empresas, a maior parte lojas comerciais, tiveram de dispensar funcionários como consequência do afundamento da mina da companhia, notadamente nos bairros de Pinheiro, Mutange, Bebedouro e Bom Parto.
Consultada pelo RR, a Braskem disse apenas que “se manifestará nos autos do processo.”
A decisão do TST chegou quando os acionistas da Braskem – Novonor (antiga Odebrecht) e Petrobras – ainda tentavam assimilar outra derrota judicial relacionada à tragédia de Maceió.
No fim de julho, o Tribunal de Primeira Instância de Roterdã, na Holanda, decidiu que a companhia, cuja operação europeia está baseada naquela cidade, é responsável pelos danos causados pelo afundamento na mina de sal-gema – entre os quais, rachaduras em ruas, casas e prédios residenciais e comerciais e abertura de crateras.
No colo de quem essa sucessão de passivos vai cair? Da Novonor, acionista controladora? Pouco provável. A empresa está no meio de uma complexa recuperação judicial, com dívidas declaradas em torno de R$ 100 bilhões. De um novo acionista, tão ou mais improvável ainda. Até agora, todas as tentativas de venda da Braskem deram com os burros n’água.
Os últimos a baterem em retirada foram o fundo norte-americano Apollo e a Adnoc, estatal de Abu Dhabi. Tudo leva a crer que, mais dia, menos dia, essa bomba vai estourar na mão da Petrobras e, ainda que indiretamente, do Tesouro brasileiro. Uma bomba, diga-se de passagem, carregadíssima de pólvora.
A Braskem hoje é um grande mico. Seu atual valor de mercado é de R$ 14,5 bilhões. É menos da metade do que a empresa valia em 2021, quando a Novonor retomou o processo de venda. Essa cifra, ressalte-se, não paga sequer o montante das dívidas bancárias da holding dos Odebrecht que têm como garantia exatamente as ações da Braskem, algo em torno de R$ 15 bilhões.
A negligência ambiental já pode ser considerada um dos principais fatores de depreciação da Braskem. A fatura não para de crescer. Como se não bastasse a indenização aos moradores atingidos pelo afundamento da mina – a Defensoria Pública do Estado de Alagoas (DPE-AL) cobra o pagamento de R$ 5 bilhões -, a decisão do TST da última sexta-feira tem o potencial de impor um elevado passivo adicional à empresa.
O Tribunal não admitiu um Recurso de Revista (RR-603-48.2022.5.19.0002) movido pela própria companhia sob a alegação de que a matéria em questão não poderia ser tratada no âmbito da Justiça do Trabalho. A Corte não apenas determinou que o caso é, sim, da competência da Justiça trabalhista como praticamente colou na Braskem a culpabilidade pelas demissões realizadas sem que as empresas locais tenham conseguido arcar com as indenizações trabalhistas.
Em seu acórdão, ao qual o RR teve acesso, o TST cita, por analogia, a Teoria do Fato do Príncipe, conceitualmente utilizada quando um ato da administração pública gera consequências para particulares. No Direito do Trabalho, mais especificamente, a figura se aplica a situações em que uma empresa é forçada a encerrar suas atividades ou reduzir significativamente seu quadro de funcionários devido a uma medida do Estado imprevisível e inevitável.
“Ainda que a Reclamada Braskem S.A. não se caracterize como ente público, sua atuação e as consequências de sua atividade econômica, no caso dos autos, encontram semelhanças a partir da identidade com os elementos exigidos pela Teoria do Fato do Príncipe, atraindo, assim, a competência desta Justiça Especializada”.
O TST também enquadra o caso da Braskem no princípio do poluidor-pagador, que se baseia no Artigo 225, parágrafo 3º, da Constituição: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”.
Segundo o acórdão do TST, “Os dispositivos determinam que o causador de dano ambiental será responsabilizado em várias esferas sociais, tanto quanto suas ações ou omissões alcançarem. Assim, a degradação ambiental causada pela Braskem S.A. merece reparo nas diversas esferas em que foram violadas, sendo uma delas a garantia dos direitos trabalhistas da reclamante.”.
A Suprema Corte do Trabalho evoca também a Teoria da Asserção em relação ao pedido de pagamento de verbas trabalhistas. De acordo com a decisão, “a competência para o julgamento da demanda só pode ser desta Justiça Especializada, ainda que os pedidos possam ser julgados improcedentes.” Mais uma vez, a relação entre o crime ambiental cometido pela Braskem e suas consequências negativas sobre os trabalhadores da área é explicitamente asseverada pelo TST: “A causa de pedir é o inadimplemento das verbas trabalhistas da reclamante, decorrente em última instância do dano material causado pela exploração ambiental realizada pela Reclamada Braskem S.A.
O fato jurídico que deu causa à presente reclamação trabalhista foi ausência de pagamento das verbas trabalhistas após o encerramento da relação de trabalho entre a reclamante e a primeira reclamada, que aconteceu em razão dos impactos do dano causado pela segunda reclamada.” Trocando o “juridiquês” em miúdos: é mais um dos tantos passivos que fazem a venda da Braskem ser um negócio quase inviável.
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