“Bolsonarização” das PMs é um fator a mais de tensão

  • 5/08/2020
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O ministro Gilmar Mendes chamou para si as discussões em torno de um tema delicado: o grau de politização, ou melhor, de “bolsonarização” nas Polícias Militares. Gilmar tem se ocupado da questão junto a seus próprios pares no STJ, além de juristas e ex-ministros da Defesa – no mês passado, por exemplo, abordou o assunto em uma live com Nelson Jobim, Aldo Rebelo e Raul Jungmann. Os crescentes sinais de insatisfação das Polícias Militares e a notória atração química entre o presidente Jair Bolsonaro e PMs – um dos mais fieis grupos de apoio do “bolsonarismo” -, associados ao ambiente de tensão institucional, formam uma preocupante combinação.

No atual cenário de permanente fricção e desejos de muitos de ruptura da normalidade democrática, a pulsação das tropas policiais em todo o Brasil se torna uma variável relevante. Assim como a esquerda, historicamente escoltada por movimentos sociais, sindicalistas, sem terra etc, Bolsonaro também tem sua gente nas ruas. A diferença é o que parte da sua militância carrega na cintura. Em fevereiro no Ceará, policiais militares deflagraram um motim que durou 13 dias. Agentes abandonaram postos de trabalho, quarteis foram invadidos pelos próprios PMs e viaturas, levadas. Na cidade de Sobral, os PMs chegaram a ordenar o fechamento do comércio. Em São Paulo, os registros de violência policial contra a população se repetem ad nauseam, a ponto de soldados, cabos e sargentos serem convocados para uma reciclagem.

Ao mesmo tempo, há uma insatisfação latente da PM em relação ao governador João Doria. Esta sequência de fatos suscita reflexões nas mais diversas instâncias, de cientistas políticos aos militares. Segundo informações filtradas pelo boletim Insight Prospectiva, entre influentes oficiais das Forças Armadas há vozes que defendem um redesenho do aparelho de segurança pública no Brasil, com uma possível ascendência direta do próprio Exército sobre as PMs. Está longe de ser um movimento simples, até porque equivaleria a tirar dos governos estaduais parte do poder sobre a segurança. Ressalte-se, no entanto, que a Constituição já estabelece uma ponte entre as polícias miliares e as Forças Armadas.

As PMs são constitucionalmente consideradas “forças auxiliares e reserva do Exército”. Ou seja: na eventualidade de uma quebra de normalidade da ordem pública, elas passam automaticamente ao comando do Exército Brasileiro. Foi assim na intervenção federal no Rio de Janeiro, no governo Temer. Durante o regime especial, a Polícia Militar do estado respondeu ao interventor, general Braga Netto, e, em última instância, ao então Comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. No que depender da anuência do STF a uma mudança nesta direção, esta seria uma arquitetura que contaria com o apoio de Gilmar Mendes dentro da Corte. Tão ou mais preocupante do que a “politização” é a “milicialização” das PMs.

O termo tem sido usado pelo próprio Gilmar Mendes junto a interlocutores. A vinculação entre agentes da segurança pública e o tráfico de drogas é um problema antigo e comum a todos os estados.O fato mais recente são as milícias, cujo núcleo duro é reconhecidamente composto por policiais ou ex-policiais. Os milicianos são vistos também como uma base de apoio ao bolsonarismo. Mesmo porque o clã nunca escondeu a proximidade e a simpatia em relação a esses grupos armados. O próprio Bolsonaro já deu declarações em defesa da legalização das milícias. O que mais preocupa cientistas políticos e especialistas da área de segurança é o raio de ação das milícias e o desdobramento que isso poderia trazer no caso de uma convulsão social. O Rio de Janeiro é um dos principais fatores de preocupação: estima-se que dois milhões de pessoas vivem em áreas comandadas por milicianos em 11 municípios do Grande Rio.

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