O que precisa ser dito

A loucura de Trump: uma falácia bem exitosa

  • 11/03/2025
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Jorio Dauster, colaborador especial

A enxurrada de declarações estapafúrdias e fantasiosas que flui diariamente da Casa Branca, bem como as reviravoltas frequentes nas questões tarifárias, têm levado muitas pessoas a dizer, perplexas: “Esse Trump é doido de pedra!” Doce e ledo engano, estão sendo induzidas a confundir astúcia com demência.

Não há dúvida de que o presidente dos Estados Unidos revela traços de personalidade perturbadores que são objeto de especulação por psiquiatras de todo o mundo. A opinião geral dos especialistas é de que ele apresenta diversos sintomas do transtorno de personalidade narcisista, uma conhecida condição psiquiátrica que se caracteriza pela arrogância, falta de empatia e necessidade de admiração, combinada em seu caso com um espírito vingativo dirigido a todos que supostamente o perseguem. Mas daí à loucura existe uma larga faixa em que Trump vem operando com sucesso há décadas.

Vejamos de início a questão dos pronunciamentos sensacionalistas e carregados de fake news. Com sua experiência de showman na televisão, Trump passou a utilizar as redes sociais em 2009, tendo tuitado cerca de 57 mil vezes nos doze anos seguintes! Desse total assombroso de mensagens, muitas delas de caráter racista e homofóbico ou propagando teorias conspiratórias, aproximadamente oito mil foram postadas durante sua campanha para a presidência nas eleições de 2016 e mais de 25 mil durante os quatro anos de seu primeiro mandato, quando foram suspensas as entrevistas diárias da porta-voz de imprensa da Casa Branca e os tuítes passaram a ser declarados como manifestações oficiais. Não é de admirar que, no momento em que o Twitter (pré-Musk) suspendeu Trump da plataforma em 8 de janeiro de 2021 na esteira do ataque ao Capitólio, ele tinha aproximadamente 90 milhões de seguidores.

A maestria de Trump na manipulação das redes sociais voltou a ficar evidente na campanha em que derrotou uma adversária mais chegada às formas tradicionais de fazer política, sobretudo mediante o uso da televisão. Para dar apenas um exemplo, a narrativa fictícia de que imigrantes haitianos comiam os cachorros e gatos de estimação na cidade de Springfield, Ohio, embora desmentida de forma cabal e reiterada, se transformou numa das principais bandeiras trumpianas na cruzada para deportar os “malignos invasores” do país. Não surpreende, pois, que ele continue a se valer de um recurso valiosíssimo desde que voltou ao poder ao declarar recentemente, por exemplo, que Musk havia descoberto haver “milhões e milhões de pessoas com mais de 100 anos recebendo benefícios previdenciários”.

Mas, para nós brasileiros, o mais interessante, por assim dizer, é que seus métodos foram obedientemente copiados aqui por Jair Bolsonaro e seu gabinete do ódio. conquistando um domínio valiosíssimo das redes sociais. Como toque pessoal, Bolsonaro substituiu as conferências de imprensa pelas comunicações diretas com seus eleitores no famoso “cercadinho” situado em frente ao Palácio da Alvorada. Além das extravagâncias e invencionices proclamadas a cada manhã, o ex-presidente também aproveitava aquelas ocasiões para hostilizar os representantes da imprensa escrita, falada e televisiva que eram contrários a seu governo, tornando o local perigoso para os profissionais que precisavam se misturar aos apoiadores inflamados que compareciam para festejar um mito.

Donald Trump deverá continuar a utilizar uma ferramenta que pode fazê-lo parecer louco, mas que serve de fato a propósitos políticos friamente ponderados e testados ao longo do tempo. O objetivo consiste em criar uma cortina de fumaça, sustentada paradoxalmente pela própria mídia que se vê obrigada a comentar o conceito estrambótico do dia e verificar sua autenticidade, deixando assim de analisar com a devida profundidade as ações e omissões efetivas do governo. E a patuleia que o idolatra acreditará em suas palavras como se tivessem origem divina sem conhecer os questionamentos e desmentidos posteriores.

Já as cambalhotas na área do comércio internacional, parte integral do que chamo de diplomacia da chantagem, são mais fáceis de entender embora também possam parecer tresloucadas à primeira vista. Seu propósito é desequilibrar o “inimigo”, colocando-o numa situação de total incerteza porque se mantém erguida sobre sua cabeça a espada de Dâmocles da aplicação efetiva das tarifas punitivas. Assim, Trump espera obter concessões adicionais ao se aproximar cada data fatal, buscando humilhar os líderes com os quais se defronta quando eles demonstram publicamente o desejo de buscar soluções amigáveis. Esses gestos de “rendição”, por sua vez, minariam o apoio interno de que os chefes de Estado visados necessitam para reagir à altura com medidas retaliatórias.

Há, portanto, uma lógica perversa e poderosa na aparente loucura, mas às vezes o feitiço vira contra o feiticeiro: Pierre Trudeau (que estava nas cordas) e Claudia Sheinbaum, com suas firmes respostas às ameaças de Trump, foram capazes de mostrar que estão prontos a atender a certas exigências do parceiro agressivo sem, contudo, comprometer a soberania de suas nações e sem abandonar a possibilidade de aplicar tarifas retaliatórias. E nunca alcançaram níveis tão altos de popularidade.

#Donald Trump #Estados Unidos

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