Memória

Plano Real 30 anos: Bulhões Pedreira fincou um dos pilares da nova moeda

  • 21/06/2024
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Em meio aos merecidos festejos aos “pais do Real” – Pérsio Arida, André Lara Resende, Edmar Bacha, Gustavo Franco e outros menos votados – faltaram menções ao principal responsável pela arquitetura da Unidade Real de Valor (URV), o jurista José Luiz Bulhões Pedreira. Bulhões sempre esteve nas brumas, apesar de ter sido o criador da Lei das S/A e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Antes, ele montou todo o arcabouço legal que permitiu a existência do Banco Central, do BNH, do Código Florestal, ou seja, as leis que solidificaram a ossatura do Estado brasileiro, a partir da década de 1950. A URV era um animal tão estranho na floresta do Plano Real que a sua complexidade assustava seus próprios criadores. O jornalista Guilherme Fiuza escreveu sobre alguns momentos seminais das reuniões de Gustavo Franco, no livro “3.000 dias no bunker”, cujo ápice criativo da URV está detalhado na biografia quase oculta do jurista: “A invenção do Estado moderno brasileiro” – a obra está disponível na internet (https://insightnet.com.br/Livros/BULHOES_PEDREIRA.pdf). Trata-se de um encontro entre Gustavo Franco e Bulhões com o objetivo específico de esmiuçar “as entranhas jurídicas que sustentam o símbolo do dinheiro”.
São palavras de Franco: “Quando fomos falar com ele, tínhamos uma imensa dúvida se podíamos escrever que o sistema monetário nacional era composto por duas moedas”. Precisava com urgência do indexador para resolver o imbróglio. Diz Franco: “Bulhões Pedreira ouviu, refletiu e resolveu, com raro poder de síntese. Já entendi, disse o jurista. Você quer fazer uma moeda com curso legal sem poder liberatório”. Bingo. Descobria-se assim como evitar que a inflação saltasse do fosso entre o passado e o futuro, ou seja, como impedir que a vida contada na moeda velha, quando convertida ao tal indexador (embrião da nova moeda), não o contaminasse com o entulho da correção monetária. “A URV não seria um índice, nem um indexador, mas uma moeda – sem poder liberatório (que não circula como meio de pagamento), mas com curso legal (uma moeda de verdade).”
Quando saiu da conversa, Gustavo Franco repetiu três vezes a expressão: “Moeda de curso legal sem poder liberatório, moeda de curso legal sem poder liberatório, moeda de curso legal sem poder liberatório”. Estava definida a “mais genial invenção do Plano”, segundo o ex-ministro Mario Henrique Simonsen. Na atual celebração do plano econômico que exterminou a hiperinflação é provável que não ocorra nenhuma citação a Bulhões Pedreira nos artigos, podcasts, seminários. Mas uma peça central para a criação do Plano Real foi um vetusto personagem, formulador de leis a granel, que cultivava palavras certeiras e a maior distância possível dos formadores de opinião.

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