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Análise
Bendita a hora que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, conseguiu “mudar a meta de inflação sem mudar a meta de inflação”, com o regime de meta contínua. Caso contrário, o CMN (Conselho Monetário Nacional) já teria alterado o centro da meta de 3% para um patamar maior, com impacto sobre a credibilidade da política monetária. Há uma possibilidade de a inflação pipocar devido ao risco iminente de um choque na oferta do petróleo. De acordo com análise do Radar do Banco Itaú, se tornaram realidade “a extensão de cortes voluntários na produção de petróleo da OPEP+, além do maior prêmio de risco devido ao cenário geopolítico (na Ucrânia e em Israel), que causam temores de redução de oferta. Isso porque os ataques ucranianos nas refinarias russas reduzem a capacidade de produção de petróleo (o risco de uma escalada implicaria uma subsequente disrupção de mais refinarias). Além disso, há o risco de o Irã, que produz o equivalente a 3% da produção global, reduzir a oferta apor conta na escalada no Oriente Médio).”
Mesmo sem a batata da oferta das commodity ter assado, o petróleo atingiu o patamar mais alto desde outubro do ano passado, para cerca de US$ 90 o barril (Brent) no início deste mês. Do lado da demanda, o fortalecimento da economia global, o resiliente crescimento americano, além da recuperação em andamento na China, são fatores que jogam para cima os preços da commodity. By the way: segundo os dados do BC, o petróleo é a variável que tem mais efeito sobre a inflação no Brasil, seguido pelas commodities agrícolas. O cálculo aproximado é que um aumento de 10% no preço do barril de petróleo tem impacto de 0,66 ponto percentual no IPCA, após quatro trimestres, segundo estimativas apresentadas no último Relatório Trimestral de Inflação.
Amanhã, quando o índice de inflação for divulgado, é possível que a alta do petróleo já tenha provocado algum resíduo de aumento na medição da carestia. O resultado de abril confirmará ou não com maior consistência essa previsão, lembrando que o preço da gasolina já está com uma defasagem de 17% em relação aos valores de venda internacionais. Mas, com a santa meta contínua de inflação, o problema poderia ser mitigado e os juros prosseguirem sua marcha de queda a um patamar mais razoável em relação às taxas cobradas no exterior. Muito provavelmente, com um novo presidente do Banco Central.
O debate sobre a majoração da meta e o nível das taxas de juros necessárias para atingir o target esteve presente durante os dois últimos anos do governo Bolsonaro e parte do primeiro ano do governo Lula III. Já estava dado pelo mercado que a meta definida seria modificada. A mágica de Haddad foi a instituição da “meta contínua”. Explica-se a engenharia: na nova metodologia, o BC terá de perseguir a manutenção da inflação dentro da meta por prazos mais flexíveis e mais longos do que o calendário gregoriano. Assim o sistema de metas deixa de ter um “ano-calendário”. Mas o novo regime não é tão flexível a ponto de virar uma bagunça.
O ministro Fernando Haddad disse que o horizonte para o cumprimento da meta continua, na prática, será de 24 meses. Parece um estelionato monetário, mas é o contrário. Além do Brasil, somente Filipinas, Indonésia, Tailândia e Turquia usavam o calendário anual conforme nosso regime anterior à meta contínua. O motivo de toda essa rememoração é que, com Roberto Campos Neto na proa do BC, a promessa de baixar a Selic com mais intensidade foi contida. Ou seja: a sinalização de um ciclo maior de baixa dos juros foi suspensa. Com a meta contínua, talvez essa tenha sido uma medida demasiadamente conservadora. De qualquer forma, se o sistema de meta anual fosse mantido, Campos Neto teria acertado com o seu “devagar com o andor”, devido ao perigo de um choque do petróleo que se avizinha. A preocupação do presidente da autoridade monetária está ligada a algo a que o BC tem quase ojeriza: baixar os juros e, logo depois, precisar elevar as taxas rapidamente por razões que não estavam no script. De toda a maneira, atualmente analistas do mercado somente acreditam que a inflação ficará no centro da meta em 2025 caso a Selic saia dos atuais 10,75% e chegue a 9% no fim de 2024 e a 8,5% no ano que vem. Um cenário difícil.
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