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O futebol brasileiro vai disputar sua partida mais importante. A lei 5.516/2019, que autoriza o surgimento de clubes-empresa no país por meio da criação das Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs), abre uma bifurcação sem precedentes para o saneamento dessas agremiações. De um lado, a possibilidade de captação de funding por meio do mercado de capitais; do outro, as condições para reduzir um passivo bilionário a patamares confortáveis. Entre os próprios dirigentes, há um entendimento, inclusive, de que este deverá ser o primeiro grande efeito positivo da lei: antes até mesmo de estimular uma tão aguardada onda de investimentos no futebol, a nova legislação resultará em uma temporada de pedidos de recuperação judicial, algo até então vedado a clubes de futebol.
Segundo o RR apurou, Botafogo e Cruzeiro – ambos em grave crise financeira, com dívidas próximas a R$ 1 bilhão – são os principais candidatos a puxar a fila da recuperação judicial. O clube mineiro, inclusive, já contratou a Alvarez & Marsal, consultoria especializada em RJs. Procurados, Botafogo e Cruzeiro não se manifestaram. Ressalte-se que o carry over é pesado: os 15 clubes de maior faturamento do país, por exemplo, somam uma dívida superior a R$ 14 bilhões. A lei prevê duas formas de adesão ao novo regime jurídico. A agremiação poderá se transformar integralmente em SAF. Ou, então, optar por uma separação de suas atividades: de um lado, permaneceria apenas o clube social exatamente como é hoje, ou seja, uma entidade sem fins lucrativos; do outro, surgiria a sociedade anônima, com o departamento de futebol e seus ativos (direitos econômicos de atletas, patrocínios, contratos de transmissão etc).
No segundo caso, ele terá, na partida, 100% do capital da SAF. Tanto em um cenário quanto no outro, a capitalização virá por meio da emissão de ações ou de debêntures dessa nova sociedade. Ressalte-se que não há limites ou mesmo obrigação de oferta. Se quiser, o clube pode manter 100% da SAF sob sua propriedade como também pode ofertar todas as ações em mercado. Nesse caso extremo, por exemplo, o “Flamengo social” não teria mais qualquer vínculo societário com o “Flamengo futebol”. Não deve ser este o cenário mais provável. Difícil imaginar que os cartolas aceitem abrir mão por completo do futebol. A tendência é que a maior parte dos clubes ofereça em mercado apenas um pedaço da SAF.
Simples não é. O RR conversou com alguns dirigentes. No próprio meio do futebol ainda há muita “bateção” de cabeça em relação à nova legislação. A lei 5.516/2019 carrega pontos cegos, ainda pendentes de regulação. Uma das questões mais controversas diz respeito à hipótese de cisão entre o clube social e a SAF. Nesse caso, ressalte-se, todo o passivo permanecerá com a agremiação; a SAF não herda um centavo das dívidas. Pela lei, 20% de todos os ganhos do clube provenientes da Sociedade Anônima (venda de ações ou dividendos) terão de ser obrigatoriamente revertidos para o pagamento de dívidas.
Será necessária uma fiscalização rigorosa para que um clube social eventualmente não desvie esse dinheiro para outra finalidade. Tradicionalmente dirigentes de futebol no Brasil não costumam ser tão retos na aplicação de recursos. Os agentes financeiros estão cansados de conhecer a maior ameaça desse modelo de cisão: os ativos vão para uma nova companhia e a banda podre fica dentro de uma empresa-casca, sem qualquer garantia de pagamento dessas dívidas. Outra zona cinzenta da nova lei diz respeito às regras de governança.
Pela legislação, nos casos de cisão dos ativos do futebol, a gestão da SAF será independente e desvinculada da diretoria do clube social. Será? Mais uma vez, o risco é a natureza dos cartolas e os vícios quase atávicos do futebol brasileiro. Como estabelecer essa chinese wall enquanto o clube mantiver alguma participação relevante na Sociedade Anônima? Quem garante que os investidores, mesmo detendo 51% do controle ou até mais, terão autonomia, por exemplo, para trocar um treinador ou vender um atleta sem ingerência do clube e de seus dirigentes?
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