Mourão-e-Bolsonaro

Um programa emergencial anti-impeachment

  • 27/01/2021
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A vacina chegou. E o “calmante” de Jair Bolsonaro, também. A súbita mudança de postura do presidente em relação à pandemia não tem se dado apenas por um componente humanístico, mas também por um razoável cálculo político. Bolsonaro foi convencido – ou se convenceu – a lançar uma espécie de “programa emergencial anti-impeachment”, leia-se uma sequência de gestos e medidas para frear o crescente risco de afastamento do cargo. A premissa é que, se Bolsonaro não alterar seu comportamento desde já, somente seus desatinos e possíveis crimes permanecerão na lembrança da população.

E, sem a pandemia e o isolamento social, vai ter o que hoje talvez seja o ingrediente que falta para um processo de impeachment: gente na rua.

A abrupta mudança em relação à China, a encampação da vacinação em massa e a defesa da sua eficácia e as conversações para que os empresários participem do esforço de imunização – conforme o RR antecipou na última segunda-feira – fazem parte desse pacote anti-impeachment. A medida principal, no entanto, ainda está por vir: a aprovação de uma nova rodada do auxílio emergencial, iniciativa que o RR crava como certa. O que força o presidente e seus acólitos a lançar o slogan “Bolsonaro paz e saúde” é a queda da sua popularidade.

Até mesmo os 30% de eleitorado orgânico começam a dissipar com o seu comportamento em relação à pandemia. Além da perda da base de apoio, Bolsonaro enfrenta a ampliação do espectro de adversários. A Câmara pode se tornar um grande partido de oposição, trazendo o Senado por gravidade. O empresariado já não está tão coeso. Uma parcela crescente admite que um impeachment pode ser algo politicamente palatável, com efeitos colaterais positivos para a economia. O primado dessa mudança de parte do PIB é a segurança sucessória que traz o general Hamilton Mourão, peçachave do impedimento presidencial.

Bolsonaro, sabe-se muito bem, também não figura entre os encantos da mídia que interessa. Não faltam ganchos para se pendurar o impeachment. Bolsonaro ofereceu a seus adversários um cardápio amplo de desvarios, episódios de quebra de decoro e, sobretudo, decisões ou mesmo omissões que podem configurar crime de responsabilidade. A pandemia é o prato mais quente sobre a mesa. Está cada vez mais evidente que uma das formas de se pegar Bolsonaro na esquina é por meio do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. O STF já abriu inquérito para apurar a conduta do ministro.

E o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que, quem quer seja o seu sucessor, a “CPI do Pazuello” sai. Nesses processos, não há Pazuello e, sim, Bolsonaro. A eventual comprovação de que o governo federal foi informado sobre a iminência da tragédia de Manaus e não tomou as medidas preventivas necessárias teria um efeito jurídico devastador para o presidente. Da mesma forma, segundo juristas ouvidos pelo RR, a recomendação de medicamentos sem eficácia comprovada ou mesmo a resistência a comprar vacinas de determinado país por critérios de ordem ideológicos poderiam ser enquadrados na Lei 1.079, que trata dos crimes de responsabilidade.

Juristas citam também a hipótese de uma queixa-crime contra Bolsonaro ser ancorada na figura do “Estado de coisas inconstitucional”. Oriunda da Corte Constitucional da Colômbia, tratase de um instituto jurídico baseado na existência de um quadro de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, causado pela inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas. O STF reconhece o “Estado de coisas inconstitucional” desde 2015, quando aplicou a teoria a violações de direitos fundamentais no sistema prisional brasileiro.

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