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Um comunicado à feição de Jair Bolsonaro

  • 11/11/2022
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Há uma bola dividida no que diz respeito à participação ou não do presidente Jair Bolsonaro no comunicado conjunto das Forças Armadas divulgado na manhã de hoje. O RR ouviu uma fonte da Marinha e outra do Exército. Ambas se posicionaram de forma divergente quanto à maior atuação do presidente na iniciativa. Uma das fontes afirmou que ele teve uma participação mais ativa, e, inclusive, Bolsonaro – leia-se seus generais – teria dado alguma contribuição ao texto. Outro informante, por sua vez, disse que a sua atuação foi apenas protocolar. Como comandante em chefe, ele somente teria lido o posicionamento antes da sua divulgação.  

Seja como for, o fato é que a nota não dialoga com o passado recente do estamento militar. Durante toda a campanha eleitoral e, principalmente, nos primeiros dias após a eleição, com os bloqueios de rodovias e a presença de manifestantes pró-Bolsonaro na porta dos quartéis, as Forças Armadas mantiveram uma postura exemplar. Conforme o RR noticiou, os Altos Comandos adotaram a firme posição de guardar distância dos protestos.

Hoje, no entanto, o silêncio dos competentes foi quebrado. Soou, preocupante, o ruído dos inconsequentes. Algo que parecia ter sido soterrado no final da eleição presidencial.  

A nota conjunta dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica divulgada nas primeiras horas da manhã surpreende negativamente. Como quase sempre ocorre quando os militares triscam na soleira da política, o comunicado gera tensões e confunde o ambiente institucional em um momento bastante sensível, de uma transição de governo já fora dos padrões. A nota dos três comandantes, eivada de sutilezas e subtextos, abre caminho para as mais distintas e enviesadas interpretações.   

Tão logo o comunicado começou a circular, as dubiedades contidas da nota passaram a alimentar fantasias, especialmente entre os seguidores de Jair Bolsonaro, notórios pela peculiar capacidade de reinterpretar os fatos à sua maneira. Logo no início, a posição das Três Forças de reafirmar “seu compromisso irrestrito e inabalável com o Povo Brasileiro, com a democracia e com a harmonia política e social do Brasil” é um daquelas declarações que costumam chamar a atenção justamente quando são feitas. Em uma leitura mais aberta, a referência à Lei nº 14.197 – “Não constitui crime […] a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais, por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais” – pode soar não só como um estímulo aos protestos, mas como uma provocação a quem, porventura, esteja coibindo os atos. Seria uma mensagem ao ministro Alexandre de Moraes?   

A percepção de um atiçamento contra o Judiciário é reforçada em outro trecho, quando explicitamente os comandantes militares tentam colocar o Legislativo em uma posição de proeminência e – por que não? – como um contendor contra eventuais “descaminhos autocráticos”: “Reiteramos a crença na importância da independência dos Poderes, em particular do Legislativo, Casa do Povo, destinatário natural dos anseios e pleitos da população, em nome da qual legisla e atua, sempre na busca de corrigir possíveis arbitrariedades ou descaminhos autocráticos que possam colocar em risco o bem maior de nossa sociedade, qual seja, a sua Liberdade.”   

No entanto, o ponto que talvez mereça ser mais ressaltado é a sutil intenção dos militares de vestir o figurino de Poder Moderador: “…ratificado pelos valores e pelas tradições das Forças Armadas, sempre presentes e moderadoras nos mais importantes momentos de nossa história.” A menção se encaixa sob medida a um discurso já surrado e convenientemente usado por Jair Bolsonaro ao longo de seu mandato: o de que, em caso de impasse entre os Poderes, caberia às Forças Armadas exatamente o papel de agente moderador da República. Essa visão é amparada em uma interpretação tortuosa e capciosa do Artigo 142 da Constituição, com o respaldo de alguns nomes do Direito alinhados a Bolsonaro, como Ives Gandra Martins. O tal Artigo reza que “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.  

Conforme mencionado, o posicionamento suscita as mais diversas percepções. Segundo uma fonte da área militar, as próprias Forças Armadas entendiam ser necessário responder a pressões de uma parcela da sociedade, que cobrava uma posição pública diante de recentes fatos políticos e institucionais. Nas palavras de um oficial, a nota foi uma “explosão de assuntos que estavam represados”, ao menos entre uma parcela dos Altos-Comandos. Ou o que outra fonte consultada pelo RR chamou de um “caleidoscópio de questões na esfera institucional, que não podiam ficar sem resposta”. Por uma linha de raciocínio razoavelmente difundida nos meios castrenses, o comunicado teria sido, inclusive, um raro momento de bom senso das instituições em meio a “incoerências” e “arbitrariedades”, uma crítica com endereço certo: o STF. Assim é se lhe parece. Contudo, espera-se que o silêncio dos competentes volte a se debruçar sobre o país.

 

#Forças Armadas #Jair Bolsonaro

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