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Política
“É preciso rediscutir o papel eleitoral do PT”. Lula não dá ponto sem nó. A declaração dada pelo presidente da República na semana passada deve ser lida como um pequeno spoiler da lavagem de roupa suja que começa a ser feita dentro do partido. A frase de Lula dialoga, sobretudo, com o pensamento de José Dirceu, responsável por puxar a tal rediscussão do “papel eleitoral do PT”. Dirceu jamais dirá em público, mas, intramuros, tem repetido que o resultado do primeiro turno das eleições municipais foi arrasador para o partido e a esquerda como um todo. É preciso interpretar a voz das urnas. O ex-ministro prega, desde já, a necessidade de uma guinada estratégica, sob risco de uma derrota ainda mais devastadora em 2026. Às favas com veleidades e purismos ideológicos. No entendimento de Dirceu, a esquerda terá, pragmaticamente, de caminhar junto com o centro e a centro-direita civilizada.
Neste momento, estes são os dois campos com força política suficiente para promover avanços sociais. Ambos topam discutir propostas para o desenvolvimento nacional. São, digamos assim, conservadores esclarecidos. E têm um ponto nevrálgico em comum com a esquerda: também não querem o avanço da extrema direita, seja por divergência de valores, seja pelo instinto de preservação do seu próprio território político. Ao mesmo tempo que avançam sobre a esquerda, os radicais de direita também mordem pelas beiradas um espaço que sempre pertenceu ao centro e à centro-direita. Portanto, nada mais natural que os espectros mais distantes dos extremos da régua se unam. É a velha e surrada máxima de Deng Xiaoping: “Não importa a cor do gato, desde que ele cace os ratos”. Mas que não se enxergue nessa aproximação com o centro e a centro-direita uma capitulação da esquerda. José Dirceu não escreve por linhas retas. O movimento está mais para um processo schumpeteriano de destruição criativa, ou seja, uma forma de a esquerda desmontar por dentro o que, a julgar pelo pleito municipal, parece ser uma crescente hegemonia eleitoral do centro e da centro-direita.
O adversário está dentro. As ideias que José Dirceu tem colocado sobre a mesa são um duro recado para o PT e a esquerda, que hoje rodam em círculo ao redor das mesmas pautas – bandeiras identitárias, questões ambientais, avanço dos diretos civis etc. São todas causas essenciais. Mas, a interlocutores, Dirceu tem ressaltado que a esquerda não consegue ampliar o arco de discussões para temas que conversem com um raio maior do eleitorado. Ela perdeu a capacidade de interpretar os anseios e pretensões da sociedade e de dar respostas. É uma pregação para convertidos. O ex-ministro da Casa Civil bate na tecla de que a direita capturou até mesmo os programas sociais, algo que o PT, mais especificamente, sempre tratou como um patrimônio privado. Hoje, é também a direita quem mais consegue psicografar a classe média baixa, um estrato significativo da população que ascendeu graças às políticas assistencialistas dos governos do PT, mas hoje quer mais. Apenas a título de exemplo dessa dissintonia alertada por José Dirceu, a esquerda ainda acena com o sonho da carteira de trabalho àqueles que não querem mais trabalhar para ninguém, mas, sim, empreender. “Empreender”, por sinal, é um “palavrão”, sinônimo de “alienação” para uma ala mais ideológica e anacrônica da esquerda, a mesma que cunhou e repete o mantra “Como pode ter pobre de direita?”. É como um humorista ruim, que conta uma piada ruim e culpa a plateia por não dar risada. Para a esquerda, parafraseando Sartre, o inferno são os eleitores.
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