Política Monetária

Selic parece estar de costas para os juros do crédito

  • 3/01/2024
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A Selic, taxa básica de juros da economia brasileira, deveria ser a régua para os juros de linhas de crédito como o empréstimo pessoal e o cheque especial, entre tantos outros. O empréstimo pessoal não consignado é popularmente conhecido como CDC (Crédito Direto ao Consumidor), tipo de financiamento utilizado em compras de bens duráveis como carros, casas e eletrodomésticos, sendo ofertado por bancos, financeiras ou pelas próprias lojas, no caso de crediários. Na prática, os juros dessas linhas de crédito deveriam ser influenciados diretamente pela Selic, mas a taxa básica acaba sendo pouco decisiva para a variação do custo desses produtos financeiros. Não raras vezes, parecem até descoladas. Isso pode ser analisado a partir dos dados do Relatório Anual de Taxa de Juros, divulgado anualmente pelo Procon-SP. 

Ao final de 2015 (à época, a Selic estava no patamar de 14,25%), a Taxa Média Mensal equivalente ao ano do empréstimo pessoal terminou em 110,29%.  Em dezembro de 2016, a Selic já havia recuado para 13,75%, enquanto a Taxa Média Mensal equivalente ao ano do empréstimo pessoal subiu para 113,07%.  Nos anos subsequentes, a taxa recuou, mas não proporcionalmente à Selic: em 2017, os juros equivalentes ao ano do empréstimo pessoal encerraram em 110,80%.  A Selic estava em 7,50%. Já em 2018, a taxa ficou em 107,73%, com a Selic no patamar de 6,50%. A taxa caiu uma migalha em relação a queda da Selic. 

Usando o período de julho de 2015 como referência, quando a taxa Selic estava no patamar de 13,75% e a Taxa Média Mensal equivalente ao ano do Empréstimo Pessoal em 106,42%, é possível comparar os índices e verificar na prática a dissociação entre eles. Quatro anos depois, em 01/07/2019, a taxa Selic estava em 6,00% e a Taxa Média Mensal do Empréstimo Pessoal, anualizada, ficou em 108,51%. Analisando os dados mais recentes, referentes a dezembro de 2022, quando a Selic estava no patamar de 13,75%, mesmo índice de julho de 2015, os juros anualizados do empréstimo pessoal eram de 139,73%. Um aumento de 33% na comparação entre os dois momentos. 

Não há uma norma ou lei que defina a cobrança dos juros no Brasil por parte das instituições que oferecem crédito pessoal. É assim que funciona. Só que no resto do mundo a dispersão é menor e a Selic impacta de forma expressiva as taxas das demais linhas de crédito. O órgão regulador do mercado de crédito (incluindo o Cheque Especial) é o Conselho Monetário Nacional (CMN), composto pelo Ministro da Fazenda, que também é o presidente do Conselho, e a Ministra do Planejamento (atualmente, estes cargos são ocupados por Fernando Haddad e Simone Tebet, respectivamente); além do presidente do Banco Central. Roberto Campos Neto, atual dirigente do BC, afirmou recentemente que os juros altos do crédito pessoal são influenciados pelo parcelamento sem juros oferecido pelos cartões de crédito: o primeiro estaria “pagando” pelo juro do segundo, que não o possui. 

Argumentos, desculpas, justificativas existem aos montes. Fala-se que a imprevisibilidade da economia brasileira é um dos motivos dos empréstimos serem tão caros. Diz-se que o fator inadimplência pesa muito nessas bandas. Outros falam que é a alta tributação uma das variáveis responsáveis. Seja como for, as décadas se sucedem e os juros continuam lá, firmes nas alturas. 

A jabuticaba dessa história é que, em nenhum lugar do mundo, a Selic é tão descolada das demais linhas de crédito, o empréstimo pessoal especialmente. Há algo de muito diferente na política monetária brasileira, que produz, entre outras estranhezas, a maior taxa de juros reais do mundo. 

#Crédito Direto ao Consumidor #Juros #Selic

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