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Santa Quitéria é a Margem Equatorial em sua versão atômica

  • 4/06/2024
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Guardadas as devidas proporções, a construção da usina de beneficiamento de urânio de Santa Quitéria (CE) se tornou uma espécie de “Margem Equatorial” do programa nuclear brasileiro. O projeto está provocando um processo de fissão dentro do governo por conta dos seus impactos socioambientais. Há cerca de dez dias, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) concedeu a chamada licença de localização para a instalação da unidade. A CNEN e a Indústrias Nucleares do Brasil (INB) são as duas grandes entusiastas do empreendimento. No entanto, a decisão da Comissão foi mal-recebida em outros órgãos do aparelho de Estado.

Há informações de que o Ministério Público Federal pretende entrar com um recurso na Justiça para suspender o licenciamento. O MPF apura uma série de denúncias apresentadas pela Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH), outra instância do governo contrária à instalação da usina. Há suspeitas de irradiação de componentes químicos prejudiciais à saúde a partir de três galerias abertas para testes geológicos. O MPF investiga também o aumento do número de casos de câncer na região de Santa Quitéria.

Ao todo, o empreendimento pode afetar 156 comunidades rurais, além de 30 territórios de povos tradicionais e cinco etnias indígenas localizadas nas proximidades da jazida. Consultado, o MPF informou que “acompanha o processo de licenciamento, tanto pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) quanto pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), incluindo a atuação da área pericial da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, desde 2019.”

O projeto também enfrenta forte resistência do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente. Segundo o RR apurou, a tecnocracia do Instituto já recomendou que o pedido de licenciamento ambiental seja recusado – seria a quarta negativa. O Ibama impôs uma série de exigências, a maioria não atendidas até o momento.

Uma das maiores preocupações de ordem ambiental são os riscos de contaminação da água, notadamente do açude Edson Queiroz, a principal fonte de abastecimento da região. Assim como o MPF, publicamente o Ibama também adota um tom cauteloso, protocolar. Em contato com o RR, o órgão informou que sua equipe técnica “atualmente avalia a conformidade do Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) do Projeto com os termos de referência estabelecidos para a realização do estudo ambiental.”.

Ainda segundo o Instituto, “esta análise está em andamento independentemente da emissão da licença pela CNEN para o Projeto Santa Quitéria. Assim que o estudo ambiental for recebido, o Ibama iniciará a análise do mérito do EIA/Rima, seguindo o procedimento de licenciamento conforme estabelecido para a fase de análise da Licença Prévia.”

Santa Quitéria é um dois em um. Engloba um dos mais importantes projetos do programa nuclear brasileiro e um dos principais empreendimentos da área de fertilizantes do país. De um lado, está a INB, responsável pela extração do urânio da mina local e pela construção da usina de beneficiamento; do outro, a Galvani, a quem caberá a produção de fosfato – a jazida tem reservas estimadas de 80 mil toneladas de urânio e quase nove milhões de toneladas de fosfato. Os entraves para a execução do projeto de Santa Quitéria têm um impacto radioativo sobre os planos da INB. A estatal trabalha para aumentar gradativamente as exportações de urânio. Em março, a INB anunciou a primeira venda de yellow cake (concentrado de urânio) para o exterior em cinco anos.

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