O córner do “rei louco” nas Forças Armadas

  • 11/06/2021
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Existem duas hipóteses plausíveis e razoavelmente consistentes para a postura das Forças Armadas diante do questionável comportamento de Jair Bolsonaro em relação à própria instituição. Uma delas é que os militares não querem uma queda de braço com um presidente da República descontrolado e inconsequente. Nesse contexto, a decisão do Exército de não punir o general Eduardo Pazuello poderia ser explicada não só pelo respeito hierárquico, mas também pelo receio de um confronto com um “rei louco”, capaz de ter as mais imprevisíveis reações quando contrariado. A segunda possibilidade, que começa a ganhar força entre analistas habituados a interpretar os movimentos do generalato, é o velho ranço antilulista. Por essa lógica, a preocupação com o possível retorno de Lula ao Poder justificaria a benevolência dos militares com o uso político das Forças Armadas por Jair Bolsonaro. Nesse caso, o adversário de um também seria o adversário de outro.

O próprio caso Pazuello carrega elementos que endossam as duas teses. Certamente o Alto-Comando do Exército fez um cálculo do risco da reação de Bolsonaro diante de uma eventual sanção ao ex-ministro da Saúde. Não seria de todo improvável que o presidente desautorizasse publicamente o comandante do Exército, general Paulo Sergio Nogueira, e o demitisse – vide a recente troca simultânea dos chefes das três Forças -, criando uma nova crise de desdobramentos insondáveis. Como bem disse o ministro Luiz Eduardo Ramos, um general da reserva incrustado no Palácio do Planalto, “foi uma decisão bastante pensada”. Certamente, todos os cenários foram devidamente pesados pelo Alto-Comando do Exército. E, neste caso, por mais que o Regimento da Força tenha sido descumprido, o general Paulo Sergio pode usar a seu favor uma justificativa bastante sólida e honrosa para a absolvição de Pazuello: ao acatar uma determinação do comandante-em-chefe das Forças Armadas, ele estaria cumprindo sua missão constitucional. Ainda que essa decisão não tenha sido algo totalmente fechado dentro do próprio Alto-Comando e tenha contrariado até mesmo o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão – um “insubordinado” que não pode ser demitido do Palácio do Planalto. Mourão disse publicamente que Pazuello deveria ser punido.

Por outro lado, a ojeriza ao retorno de Lula ao Palácio do Planalto também explicaria o arquivamento do processo disciplinar contra Pazuello. Uma punição ao general seria uma derrota política de Bolsonaro. Os militares não vão entregar de bandeja nada que enfraqueça o presidente, possa ser explorado pela esquerda e eventualmente facilite o seu retorno ao Poder. Isso ajudaria a entender por que as Forças Armadas têm tolerado também a falta de limites de Bolsonaro e as suas exageradas demonstrações de instrumentalização dos militares. Ou seja: a corporação está, sim, politizada e tem uma posição clara, mesmo que não dita. Não quer a esquerda de volta. A paranoia da guerra fria e o fantasma do comunismo ainda persistem.

Qualquer um destes cenários leva as Forças Armadas a uma situação de risco. Por mais que o senso hierárquico seja um valor inegociável para a corporação, ao aceitar ordens de um comandante-em-chefe insano, os militares vêm sofrendo, por tabela, duras humilhações – ver RR edição de 25 de maio. Os desmandos de Bolsonaro têm sido aviltantes à reputação do Exército, da Aeronáutica e da Marinha. Por outro lado, a politização dos militares, como forma de evitar o regresso do PT ao Poder, também representa um dano à imagem institucional da corporação, para não falar do risco dela virar um joguete nas mãos do presidente da República. O ideal seria que o estamento militar seguisse independente. Cabe às Forças Armadas zelar pela ordem e ser uma instituição de Estado e não de governo.

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