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Análise
Há dois vetores correndo em direção contrária quando se trata da onipresente questão fiscal do país. De um lado, a vitória esmagadora da direita nas eleições deveria reduzir a percepção de um risco ultra expansionista nos gastos públicos por parte do governo – as eleições para as presidências da Câmara e do Senado, Congresso, governos de estado e Presidência da República estão ali na esquina. Tradicionalmente, esses períodos são de aumento da distribuição de recursos públicos. Portanto, com menor pressão da esquerda sobre os gastos do governo, o fiscal deveria estar menos tensionado, os juros futuros, em queda, e o dólar, mais bem-comportado.
Essa é uma tese. Ou um dos vetores. O outro é que a vitória esmagadora da direita, na política de uma forma geral, projeta, desde já, a consagração da não alternância do Congresso nas eleições de 2026. O domínio do Centrão – ou seja lá o nome que se dê ao cárcere do presidencialismo de coalizão – fez do Executivo refém de um Legislativo pantagruélico. Um parlamento que joga contra o fiscal e troca passes com a grande parcela do mercado que defende o controle dos gastos da boca para fora. Desde 2015, o Congresso vem ampliando seu domínio sobre o orçamento da União. Na LOA de 2024 foram dirigidos cerca de R$ 50 bilhões em emendas. Há 10 anos, em 2014, esse valor era de R$ 6 bilhões. Ora, não há verba discricionária do orçamento que resista à gula dessa saúva. Aliás, não custa lembrar que o velho Antônio Carlos Magalhães está por trás desse formigueiro. Foi uma PEC de autoria de ACM (22/2020) que transformou o Orçamento Geral da União em impositivo, e não mais apenas autorizativo. Após 15 anos de tramitação, a medida iria a ser aprovada e promulgada (Emenda Constitucional 86) em março de 2015, quase oito anos após a morte de “Toninho Malvadeza”.
Existiria um terceiro vetor, invariavelmente aludido: são os juros norte-americanos. É evidente que eles têm algum impacto no câmbio, mas, no caso brasileiro, completam o maior aniversário de responsabilidade sobre a desvalorização da moeda – poucos países são reféns ou fazem o discurso de aprisionamento do câmbio há tanto tempo. É como se o Brasil sofresse uma espécie de “Síndrome de Paul Volker”, o presidente do Federal Reserve que praticou o maior choque de juros norte-americanos. Parece que a Selic estará eternamente atada, no mau sentido, aos movimentos dos Treasuries americanos. Seríamos um dos primeiros camelos da fila de dromedários que seguem ou parecem com a política de juros dos EUA. O terceiro vetor, portanto, parece mais uma justificativa crônica para um vício crescente de atribuir ao humor do FED a valorização ou desvalorização do câmbio brasileiro.
O mundo inteiro sofre quando o Federal Reserve move sua taxa para cima. Mas, parece que o Brasil sofre mais. No passado, o argumento era o alto endividamento externo. Agora é o infindável desequilíbrio das contas fiscais. Mais correto seria reduzir o excesso de influência atribuído as simples expectativas dos preços dos títulos públicos dos EUA na volatilidade do câmbio no Brasil, o q que levaria ao aumento da inflação, que, por sua vez, levaria ao aumento dos juros, que levaria a um déficit nominal maior, que exigiria um corte de gastos maior para que um superávit primário abatesse a conta da dívida pública interna. Simples assim. Ou não.
Por essa lógica, o argumento da esquerda de que o país sofre um ataque especulativo não cola, pois a onipresença do fiscal no tempo e sua associação com a taxa de juros altos pressuporia que o Brasil sofre uma captura especulativa permanente. Não faz sentido. Até porque o país não tem dívida em moeda forte. Pelo contrário. Dispõe de reservas cambiais elevadas, que. estão “estáveis no alto” – sua cifra gira entre US$ 360 bilhões e US$ 370 bilhões. É muito mais provável que o “desajuste fiscal” seja proveniente de disputa longa entre poderes dominantes. O fiscal seria o melhor eixo narrativo para distribuição de recursos de um lado para outro. Nesse contexto, mesmo não estando tão mal das pernas, as contas públicas permaneceriam em constante desajuste, para perpetuar seu objetivo implícito: distribuir recursos orçamentários para os grupos que capturam o Estado. Para resolver essa doença crônica do fiscal, talvez somente uma nova Assembleia Constituinte. Mas e o mercado nessa geringonça? Ele não é um vetor? Não ganha com juros altos? Essa é uma outra história, matusalêmica por sinal.
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