COE: o produto que (às vezes) protege o capital, mas esconde o risco - Relatório Reservado

O que precisa ser dito

COE: o produto que (às vezes) protege o capital, mas esconde o risco

  • 15/10/2025
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Por trás da promessa de sofisticação, os COEs são um lembrete de que, se você trata o mercado financeiro como um cassino, a casa vai sempre ganhar de você.

Você compraria um investimento “sem risco” que pode te deixar preso por anos e ainda te pagar menos que o CDI? Pois é exatamente isso que muitos investidores têm feito — embalados pelo discurso sedutor dos COEs, os Certificados de Operações Estruturadas.

Criados para oferecer acesso a estratégias sofisticadas — normalmente restritas a investidores institucionais —, os COEs se tornaram o produto da moda nos bancões de varejo. A promessa é simples: combinar segurança com rentabilidade potencial. Mas, como em qualquer cassino bem montado, é preciso entender que a casa nunca joga para perder.

 

A anatomia de um COE

Na essência, o COE é a soma de dois mundos:

  • Uma parte em renda fixa, que funciona como “colchão de segurança”, garantindo a devolução do capital investido no vencimento (nos COEs com capital protegido).
  • E uma parte em derivativos, usada para tentar capturar ganhos de algum ativo — uma ação, índice, moeda ou cesta de ativos.

Se o ativo se movimentar dentro do cenário previsto, o investidor ganha.

Se não, leva de volta o principal — e, muitas vezes, leva junto o arrependimento de ter ficado travado por anos sem liquidez.

 

A falsa sensação de proteção

O marketing é poderoso: “capital protegido”.

Mas o termo engana. O COE pode até devolver o valor nominal, mas não protege contra inflação, perda de tempo nem custo de oportunidade.

Na prática, é como ter que pagar para entrar em um cassino — algo em torno de pelo menos 5% do valor que você vai apostar —, escolher entre o vermelho e o preto, e descobrir que a roleta só vai parar daqui a dez anos.

E mesmo que você acerte e ganhe, a casa já faturou o dela lá na entrada.

Nos COEs sem proteção de capital, o jogo é ainda mais arriscado: o investidor assume todo o risco de perda, mas continua acreditando que está em uma aposta controlada.

E, como em todo cassino, quem opera a roleta já lucrou antes da primeira jogada.

 

Quando o mercado mostra as cartas

Essa semana, o jogo ficou mais claro. COEs atrelados às ações da Ambipar e da Braskem — estruturados e distribuídos por grandes bancos e corretoras — foram desmontados após o disparo de eventos de crédito, deixando investidores num prejuízo total. Esses produtos eram COEs de crédito — certificados lastreados em títulos de dívida internacionais (credit linked notes), sem qualquer garantia de capital.

O mecanismo era simples — e cruel: se a empresa entrasse em processo de reestruturação, falência ou deixasse de honrar compromissos, o COE seria liquidado antecipadamente e o investidor receberia apenas o chamado “valor de recuperação”, calculado por leilão da ISDA (International Swaps and Derivatives Association) — uma entidade internacional que define padrões e procedimentos para contratos de derivativos e eventos de crédito no mercado global. Na prática, isso significou recuperar quase nada.

Foi exatamente o que ocorreu agora em outubro de 2025. Com a deterioração financeira da Ambipar Lux Sarl e os passivos emergentes da Braskem, ambos os papéis dispararam o gatilho de “evento de crédito” e os COEs colapsaram. Os investidores perderam praticamente 100% do capital, enquanto bancos e assessores já haviam embolsado suas comissões lá atrás, no momento da emissão.

Enquanto o investidor assistia ao prejuízo no placar, a casa já estava contando as fichas.

 

A engenharia do interesse

Os bancos e assessores amam COEs. E há um motivo simples: as comissões são generosas. Enquanto um CDB ou fundo DI gera retorno quase simbólico para o distribuidor, o COE pode render de 5% a 10% do valor aplicado só em remuneração comercial.

E como o custo não aparece no extrato, o investidor tem a impressão de que é um produto “sem taxa”. Mas, no mercado, quando o preço é invisível, o custo está embutido na estrutura. E no COE, ele costuma ser alto.

 

A assimetria disfarçada

O grande problema dos COEs é a assimetria entre risco e retorno.

O investidor participa de uma fração dos ganhos possíveis, mas assume todas as limitações contratuais. É o jogo do cassino financeiro: o cliente pode até ganhar algumas rodadas, mas a casa sempre ganha no final.

 

O que precisa ser dito

O COE é o exemplo moderno da velha aposta travestida de investimento.

Ele promete exclusividade, mas entrega complexidade. Promete segurança, mas embute risco travado. E, acima de tudo, promete potencial — mas quem colhe o ganho garantido é quem o vende.

O investidor que aprende a ler as entrelinhas entende que o mercado não é um cassino — mas quem age como apostador acaba sendo tratado como um.

Marcos Tanner é Engenheiro de Produção com MBA em Investimentos Financeiros e Private Banking pelo IBMEC, atua como consultor financeiro e investidor, colaborador especial do Relatório Reservado.

#Certificados de Operações Estruturadas #COE

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