Marcos Tanner - Relatório Reservado

Artigos: Marcos Tanner

COE: o produto que (às vezes) protege o capital, mas esconde o risco

15/10/2025
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Por trás da promessa de sofisticação, os COEs são um lembrete de que, se você trata o mercado financeiro como um cassino, a casa vai sempre ganhar de você.

Você compraria um investimento “sem risco” que pode te deixar preso por anos e ainda te pagar menos que o CDI? Pois é exatamente isso que muitos investidores têm feito — embalados pelo discurso sedutor dos COEs, os Certificados de Operações Estruturadas.

Criados para oferecer acesso a estratégias sofisticadas — normalmente restritas a investidores institucionais —, os COEs se tornaram o produto da moda nos bancões de varejo. A promessa é simples: combinar segurança com rentabilidade potencial. Mas, como em qualquer cassino bem montado, é preciso entender que a casa nunca joga para perder.

 

A anatomia de um COE

Na essência, o COE é a soma de dois mundos:

  • Uma parte em renda fixa, que funciona como “colchão de segurança”, garantindo a devolução do capital investido no vencimento (nos COEs com capital protegido).
  • E uma parte em derivativos, usada para tentar capturar ganhos de algum ativo — uma ação, índice, moeda ou cesta de ativos.

Se o ativo se movimentar dentro do cenário previsto, o investidor ganha.

Se não, leva de volta o principal — e, muitas vezes, leva junto o arrependimento de ter ficado travado por anos sem liquidez.

 

A falsa sensação de proteção

O marketing é poderoso: “capital protegido”.

Mas o termo engana. O COE pode até devolver o valor nominal, mas não protege contra inflação, perda de tempo nem custo de oportunidade.

Na prática, é como ter que pagar para entrar em um cassino — algo em torno de pelo menos 5% do valor que você vai apostar —, escolher entre o vermelho e o preto, e descobrir que a roleta só vai parar daqui a dez anos.

E mesmo que você acerte e ganhe, a casa já faturou o dela lá na entrada.

Nos COEs sem proteção de capital, o jogo é ainda mais arriscado: o investidor assume todo o risco de perda, mas continua acreditando que está em uma aposta controlada.

E, como em todo cassino, quem opera a roleta já lucrou antes da primeira jogada.

 

Quando o mercado mostra as cartas

Essa semana, o jogo ficou mais claro. COEs atrelados às ações da Ambipar e da Braskem — estruturados e distribuídos por grandes bancos e corretoras — foram desmontados após o disparo de eventos de crédito, deixando investidores num prejuízo total. Esses produtos eram COEs de crédito — certificados lastreados em títulos de dívida internacionais (credit linked notes), sem qualquer garantia de capital.

O mecanismo era simples — e cruel: se a empresa entrasse em processo de reestruturação, falência ou deixasse de honrar compromissos, o COE seria liquidado antecipadamente e o investidor receberia apenas o chamado “valor de recuperação”, calculado por leilão da ISDA (International Swaps and Derivatives Association) — uma entidade internacional que define padrões e procedimentos para contratos de derivativos e eventos de crédito no mercado global. Na prática, isso significou recuperar quase nada.

Foi exatamente o que ocorreu agora em outubro de 2025. Com a deterioração financeira da Ambipar Lux Sarl e os passivos emergentes da Braskem, ambos os papéis dispararam o gatilho de “evento de crédito” e os COEs colapsaram. Os investidores perderam praticamente 100% do capital, enquanto bancos e assessores já haviam embolsado suas comissões lá atrás, no momento da emissão.

Enquanto o investidor assistia ao prejuízo no placar, a casa já estava contando as fichas.

 

A engenharia do interesse

Os bancos e assessores amam COEs. E há um motivo simples: as comissões são generosas. Enquanto um CDB ou fundo DI gera retorno quase simbólico para o distribuidor, o COE pode render de 5% a 10% do valor aplicado só em remuneração comercial.

E como o custo não aparece no extrato, o investidor tem a impressão de que é um produto “sem taxa”. Mas, no mercado, quando o preço é invisível, o custo está embutido na estrutura. E no COE, ele costuma ser alto.

 

A assimetria disfarçada

O grande problema dos COEs é a assimetria entre risco e retorno.

O investidor participa de uma fração dos ganhos possíveis, mas assume todas as limitações contratuais. É o jogo do cassino financeiro: o cliente pode até ganhar algumas rodadas, mas a casa sempre ganha no final.

 

O que precisa ser dito

O COE é o exemplo moderno da velha aposta travestida de investimento.

Ele promete exclusividade, mas entrega complexidade. Promete segurança, mas embute risco travado. E, acima de tudo, promete potencial — mas quem colhe o ganho garantido é quem o vende.

O investidor que aprende a ler as entrelinhas entende que o mercado não é um cassino — mas quem age como apostador acaba sendo tratado como um.

Marcos Tanner é Engenheiro de Produção com MBA em Investimentos Financeiros e Private Banking pelo IBMEC, atua como consultor financeiro e investidor, colaborador especial do Relatório Reservado.

#Certificados de Operações Estruturadas #COE

Dividendos sintéticos: a estratégia de opções que transforma volatilidade em fluxo de caixa recorrente

2/10/2025
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E se eu dissesse que você não precisa esperar a boa vontade das empresas para receber dividendos? Que é possível criar seu próprio fluxo de renda recorrente, mês a mês, usando apenas as ferramentas que a própria bolsa já oferece?

Não se trata de um atalho miraculoso. É o que muitos chamam de “dividendos sintéticos”: a estratégia de vender opções de compra (calls) e vender opções de venda (puts) para receber os valores das vendas (prêmios) como uma renda periódica.

Mas, afinal, o que são opções?

As opções são contratos derivativos que dão ao comprador o direito (mas não a obrigação) de comprar ou vender um ativo por um preço de exercício previamente acordado (chamado de strike), em uma data futura.

A palavra call vem do inglês “chamar” — ou seja, o direito de chamar o ativo para si, comprando-o. Já put vem de “colocar” — ou seja, o direito de colocar o ativo na mão de alguém, vendendo-o.

Independentemente do resultado da estratégia, quem compra opções paga um prêmio por esse direito. E quem vende opções recebe imediatamente esse prêmio em troca de assumir a obrigação.

O maior ponto cego do investidor tradicional é dirigir olhando apenas pelo retrovisor — acreditando que dividendos só podem vir das empresas, baseados em resultados já passados. Já o investidor que domina o mercado de opções amplia o campo de visão: olha para todos os lados — e também para frente — percebendo que pode transformar a volatilidade em fluxo de caixa imediato, capturando os prêmios que o mercado está disposto a pagar hoje, sem depender do calendário de dividendos.

Essa diferença muda tudo: no modelo tradicional, o investidor é passivo, refém da decisão da empresa. Com os dividendos sintéticos, ele se torna protagonista, capaz de desenhar o próprio fluxo de caixa.

Na prática, a mecânica é relativamente simples:
Venda de calls cobertas: o investidor já possui a ação e vende o direito de outro investidor comprá-la de você por um preço maior do que o atual. Se na data do vencimento a ação não chegar a esse preço, o investidor continua com o papel e o prêmio. Se chegar, vende mais caro do que venderia hoje — e ainda fica com o prêmio.

Venda de puts lastreadas em caixa: o investidor reserva dinheiro e vende o direito de outro investidor lhe “empurrar” a ação por um preço menor do que o atual. Se, na data do vencimento a ação não cair até esse preço, nada acontece e o investidor fica com o prêmio. Se cair, ele compra a ação desejada mais barata do que compraria hoje — com o prêmio já recebido funcionando como desconto.

Olhando pelo lado positivo, o pior que pode acontecer é:

• Na call, o investidor vender uma ação que já tinha em carteira por um preço maior do que venderia hoje.

• Na put, o investidor comprar uma ação que gostaria de ter, usando um caixa já reservado, por um preço menor do que pagaria hoje.

Por isso, a regra de ouro é clara: só venda calls de ações que você já tem em carteira e só venda puts de ações que você gostaria de ter — e para as quais já dispõe de caixa para comprar.

O discurso fácil seria dizer que isso garante uma renda passiva previsível. Mas o investidor sofisticado sabe: não existe almoço grátis.

• Na venda de calls, se o preço da ação disparar e a opção for exercida, você terá de vendê-la pelo valor previamente combinado. Isso significa abrir mão de parte da valorização extra acima desse preço — mas ainda assim venderá por um valor maior do que o de hoje, além de ficar com o prêmio recebido.

• Na venda de puts, se o preço da ação cair abaixo do valor combinado e a opção for exercida, você será obrigado a comprar pelo preço acordado, mesmo que ela esteja valendo menos no mercado. A diferença é que você já recebeu o prêmio, o que reduz o custo efetivo da compra.

É por isso que os dividendos sintéticos não são para qualquer perfil. Eles exigem disciplina, capital de margem e, sobretudo, consciência de risco. Mas, quando bem aplicados, permitem algo raro: extrair retorno do tempo, e não apenas do preço.

O que precisa ser dito?

Dividendos sintéticos não são simplesmente um espelho maior: são a prova de que, no mercado, quem enxerga além do retrovisor dirige com mais liberdade.

Enquanto a maioria fica parada esperando o próximo anúncio de dividendos, o investidor que entende de opções produz o próprio dividendo.

Ele transforma volatilidade em fluxo de caixa.

Ele transforma risco em prêmio.

Ele transforma tempo em renda.

O verdadeiro diferencial não está em encontrar a ação mais promissora ou esperar o dividendo mais generoso. Está em enxergar além do ponto cego: perceber que a sua renda não precisa ser decidida apenas pelas empresas. Quem domina os dividendos sintéticos descobre que o mercado paga prêmios todos os meses — e que a escolha de capturá-los está só nas suas mãos.

Marcos Tanner é Engenheiro de Produção com MBA em Investimentos Financeiros e Private Banking pelo IBMEC, atua como consultor financeiro e investidor, colaborador especial do Relatório Reservado.

Investidor darwiniano, carteira líquida: a liberdade financeira começa pela capacidade de adaptação

8/08/2025
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A liquidez — frequentemente tratada como um detalhe técnico ou um atributo de curto prazo — tem sido subestimada no debate sobre investimentos de longo prazo. Em nome da disciplina, muitos investidores estão criando carteiras rígidas, excessivamente travadas, com ativos que não podem ser movimentados sem custos ou carências severas.

Durante anos, o discurso foi sedutor: “pense no longo prazo, trave agora, colha depois”. E assim nasceu uma geração de investidores que confundiu disciplina com rigidez, e acabou construindo carteiras que funcionam bem no Excel, mas travam a vida real.

COEs (Certificados de Operações Estruturadas), fundos ilíquidos, produtos com carência, ativos sem mercado secundário — todos prometem retornos sofisticados, mas impõem uma limitação silenciosa: a incapacidade de reação. O que parecia segurança virou clausura. O que era para libertar, passou a engessar.

Ao longo dos últimos anos, popularizou-se a ideia de que “travar o capital” é sinônimo de responsabilidade. Mas a verdade é que visão de longo prazo não se constrói com rigidez, e sim com capacidade de adaptação. A liquidez, quando bem utilizada, não representa fragilidade — representa margem de manobra.

Um portfólio que não permite reação é uma armadilha travada no tempo. E o tempo muda. Sempre.

A mudança pode vir de muitas frentes: ciclos econômicos, choques fiscais, alterações geopolíticas, eventos sanitários extremos ou transformações ambientais inesperadas. Investidores que operam com liquidez estruturada conseguem tomar decisões com agilidade, proteger o capital ou até reposicionar estratégias em momentos decisivos.

Adaptação, mudança e liquidez como forma de sobrevivência financeira.

O investidor Darwiniano sabe que o objetivo da liquidez não é sair correndo de um ativo — é seguir andando para ativos mais adequados.

A verdadeira visão de longo prazo não está em travar o presente. Está em construir flexibilidade estratégica. Liquidez não é inimiga da disciplina. Pelo contrário: é o que mantém você no jogo quando o jogo muda.

Porque o mundo muda. O cenário fiscal muda. Sua vida muda. E quando muda, quem tem liquidez responde. Quem não tem reage — ou pior: se paralisa.

Pare por um momento e olhe para a sua carteira de investimentos.

Em um cenário de mudança abrupta — seja política, econômica, sanitária ou ambiental — você teria capacidade de manobra? A sua carteira é um trampolim ou uma camisa de força?

É claro que há espaço — e importância — para ativos de longo prazo. Investimentos com horizonte estendido e compromissos com o tempo têm seu papel, especialmente em estratégias previdenciárias e sucessórias. Mas eles não podem ser o núcleo operacional da sua estratégia.

E isso não significa pular de um investimento para outro a todo momento — significa apenas garantir que você não esteja amarrado quando o contexto exigir movimento.

O que precisa ser dito?

Se tudo mudasse amanhã, quanto da sua carteira conseguiria se mover com você?

Você não precisa da carteira mais arrojada, nem da mais defensiva.

Você precisa da carteira mais adaptável.

Porque liberdade financeira não é só sobre ter tudo.

É também sobre poder mudar quando tudo muda.

No jogo do longo prazo, vence quem se adapta. Porque no mercado — como ensinou Darwin sobre a evolução — não sobrevive o mais forte, mas o que melhor responde às mudanças do ambiente.

Marcos Tanner é um colaborador especial do Relatório Reservado.

#Finanças #investimentos

Ouro na B3: um passo pequeno para o mercado, um ajuste profundo na lógica de portfólio

24/07/2025
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Enquanto a maioria persegue a próxima grande alta da Bolsa, um movimento silencioso traz o que realmente importa para o investidor sofisticado: descorrelação, proteção e equilíbrio intertemporal.

A estreia dos contratos futuros de ouro na B3 pode parecer, à primeira vista, apenas mais uma adição ao cardápio de derivativos. Mas por trás dessa inclusão técnica está um convite sutil — e necessário — a repensarmos o conceito de diversificação de portfólio no Brasil.

Por aqui, ainda se confunde “diversificação” com pulverização entre ativos nacionais. Troca-se ações por fundos imobiliários, pré-fixados por pós, mas tudo segue atrelado a um mesmo denominador comum: a maré da economia brasileira. O que falta, de fato, é descorrelação real.

Foi Harry Markowitz, o pai da Teoria Moderna do Portfólio, quem nos ensinou que o risco relevante não é o risco isolado dos ativos, mas o risco do portfólio como um todo, e que este pode ser reduzido pela combinação de ativos com comportamentos distintos em diferentes cenários. Não é sobre “o que sobe mais”, mas sobre o que se comporta de forma independente.

Nesse sentido, o ouro cumpre um papel fundamental — e historicamente comprovado — como ativo de baixa correlação com ações, renda fixa tradicional e moedas fiduciárias. Em momentos de estresse sistêmico, ele tende a preservar valor. Em ciclos inflacionários, pode funcionar como defesa. E em ambientes de juros negativos reais, como reserva de valor intergeracional. Mais do que uma proteção de crise, ele pode funcionar como um contraponto estrutural à volatilidade e aos ciclos econômicos dominados por política monetária. Não é uma aposta; é uma precaução inteligente.

Não se trata de fetichizar o metal. Trata-se de compreender sua função como componente racional de portfólios resilientes. Países com mercado de capitais maduros entendem isso há décadas. O Brasil está apenas começando a dispor dos instrumentos necessários para internalizar essa lógica.

O investidor local já contava com o ETF GOLD11, negociado na B3 desde 2020, que oferece uma forma prática de se expor ao ouro. O GOLD11 replica, de maneira passiva, a variação do preço do metal no mercado internacional — principalmente via contratos futuros listados nos EUA. Trata-se de uma alternativa simples, líquida e acessível para investidores de varejo.

O contrato GLD, por outro lado, introduz um grau de complexidade e sofisticação. Como todo derivativo, ele envolve ajuste diário de posições, alavancagem, margem de garantia e vencimentos mensais. Ele não é para todos, mas é valioso para quem precisa de hedge dinâmico, gestão ativa de risco ou estratégias táticas de curto prazo.

 

GOLD11 ou GLD: qual é o seu ouro?

A escolha entre GOLD11 e GLD depende menos do preço do ouro e mais do perfil e da intenção do investidor. Eis o resumo:

 

Característica Contrato Futuro (GLD) ETF GOLD11
Tipo Derivativo Fundo de índice (ETF)
Perfil do investidor Profissional / Trader Varejo / Estratégico
Objetivo Hedge / Especulação Exposição passiva / Diversificação
Tributação 15% sobre lucro 15% sobre lucro
Liquidez Moderada (depende do vencimento) Alta (negociação em Bolsa)
Risco Alto (alavancado) Moderado (não alavancado)
Custódia física de ouro Não Não

 

O que precisa ser dito?

O contrato futuro de ouro na B3 não é, por si só, revolucionário. Mas é uma peça relevante no quebra-cabeça da maturação do mercado local. Quando bem utilizado, o ouro não é um ativo de emergência — é um ativo de inteligência. E sua real utilidade aparece não quando tudo está desmoronando, mas quando o investidor está pensando em anos, e não em meses.

 

Marcos Tanner é um colaborador especial do Relatório Reservado

#Bolsa de Valores #Investimento #Ouro

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