Análise especial

Brasil pode ser um case do “Novo Consenso de Washington”

  • 19/07/2023
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Há um “Novo Consenso de Washington” pautando a economia com impacto nos ditames do Consenso anterior (câmbio flutuante, controle fiscal, metas de inflação , privatizações, abertura dos mercados e desregulação). No “Novo Consenso”, os subsídios passam a ser instrumentos centrais para a reciclagem da economia assim como a transversalidade da nova matriz energética, que inclui além dos combustíveis naturais o resgate das usinas nucleares, encarceradas como “vilãs eternas”; a reversão seletiva da globalização, que não somente está em curso, mas com tendência consistente de expansão; a apreciação da segurança, que será uma variável chave para a nova inserção competitiva estrutural no mundo; as privatizações que não serão mais um fim em si mesmas; a participação das estatais no processo econômico, que deixarão deixa de ser um anátema, devido a necessidade de “operadores do Estado” para levar à frente as grandes transformações; a virada do meio ambiente, que não mais será um entrave à construção da infraestrutura, mas, sim, um vetor integrado e valorizador da rentabilidade nos projetos do setor; a desconcentração de renda, além do fator justiça social, que passa a ser condição obrigatória para a inserção de um contingente maior de consumidores em um mercado de bens muito mais sofisticados e de alto valor adicionado, exigindo elevada escala de produção; a reinvenção do emprego com um viés de crescimento, mesmo com o advento do boom digital, uma vez que precisará incorporar as diversidades, atualmente no limbo da atividade produtiva; enfim, a volta do Estado ao seu papel de protagonista na atividade econômica.

Lula entendeu tudo isso. Simplesmente porque olhou para onde apontava a seta do mundo. Talvez por esses inesperados desígnios do destino, a caminhada do Brasil
em direção ao futuro tenha sido lubrificada por esse Novo Consenso. Lula tem um núcleo duro modernizante que o orienta e opera na direção do Novo Consenso: Fernando Haddad, Geraldo Alckmin, Aloizio Mercadante, Mauro Vieira, Marina Silva e Celso Amorim. São todos ministros – no caso de Amorim, um “ministro sem Pasta – alinhados com a nova visão. O núcleo político, constituído por Rui Costa, Flávio Dino, José Múcio, Alexandre Padilha e Wellington Dias toma conta da articulação, dos militares, da segurança e dos gastos sociais. O que está em curso é uma nova definição de paradigmas econômicos mundiais. Por exemplo: quais serão os critérios e o “ótimo” do equilíbrio fiscal? Há teses que defendem a separação dos investimentos do cálculo do resultado primário e que consideram que o PIB deveria ser o verdadeiro target da economia.

De uma certa forma, tanto o arcabouço fiscal quanto a reforma tributária têm a assinatura de um PIB com maior crescimento. Mas Lula, juntamente com seus escudeiros do núcleo duro, quer ir mais longe. Ele caminha “para fazer a América”. O discurso do Joe Biden e a promessa de bilhões de incentivos para fazer nascer e renascer uma indústria inserida na alta tecnologia, mas regida pelo meio ambiente – leia-se mudança da matriz energética de poluente para limpa -, publicado no jornal Valor Econômico hoje, já apontou o dedo indicador na direção do que vai ser. A China já tinha percebido em grande parte. Na Europa, continente um tanto quanto mofado, a Alemanha, como sempre, bateu continência na frente às grandes transformações.

Na algibeira, dos seus discursos mundo afora, Lula carrega a energia limpa, a segurança alimentar e uma floresta de valor imprecificável. Quando defende platitudes quase religiosas de bem-estar entre as nações, no fundo está falando dos seus ativos, e que o mundo lhe é devedor. Ao mesmo tempo quer juntar a América Latina “unificada” e a África, até bem pouco tempo desvalorizadas. Busca trazer ambas para o concerto da multilateralidade e representações próprias, dando para os dois blocos um lugar de voz. Esse movimento é pragmático na sua essência: tem por objetivo a defesa contra o avanço da China naquelas regiões. O gigante asiático se sentiu à vontade, na gestão Bolsonaro, para enfiar suas garras até em países africanos de língua portuguesa. Com todo esse pivotamento, Lula afirma o país nas relações externas, assume o papel internacional de pacificador – com ganhos intangíveis para o Brasil -, se coloca na posição de credor do mundo e busca os investimentos para proteção e beneficiamento dos seus ativos naturais, berço e insumo da indústria brasileira do futuro.

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