O quintal privativo dos donos da transparência

  • 11/06/2015
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O homem é o lobo do homem, já dizia o romano Plauto, em frase popularizada por Hobbes. E as empresas, filosofa o RR, são os cordeiros das grandes auditoras independentes, um oligopólio com demanda obrigatória. PwC, KPMG, Deloitte e E&Y são as big four que sobraram -já foram big six. Embaixo delas sobrevivem centenas de pequenos auditores microbacteriológicos. Estes só sobem um andar se os quatro de cima deixarem ou recusarem o serviço. Puro gigantismo, que pode ser mais bem traduzido como abuso de poder econômico. As auditoras chefonas mandam também no Instituto Brasileiro de Contabilidade (Ibracon), um apêndice acadêmico do setor, que, na realidade, serve para fazer o lobby das manda-chuvas em assuntos regulatórios e ditar a norma culta em “contabilês”. Alguém lembra qual foi a posição do Ibracon por ocasião das discussões com a CVM para instituir o rodízio de clientes nas auditoras? Ganha um terno cinza, o preferido dos auditores, quem respondeu que os universitários do Instituto entregaram cérebro e alma a serviço do seu patronato. A verdade é que, colocada as devidas diferenças, as mega-auditoras são iguais a s superempreiteiras como estrutura de organização: gigantes pela própria natureza, vendedores de serviço únicos, indispensáveis. As empreiteiras tomam whisky com o dono da empresa; as auditoras, cafezinho com o terceiro escalão. Ainda recentemente, as auditoras menores e o governo desperdiçaram uma rara oportunidade de quebrar o monólito. A ideia era instituir uma coauditoria, que funcionaria como a segunda opinião funciona na medicina. Assim, o serviço dos chefões estaria condicionado a  contratação de uma empresa de porte menor para passar o seu trabalho a limpo. O trabalho ganharia uma chancela de qualidade. Seria lido e relido. Pois bem, a medida foi implementada compulsoriamente na França. Veio para cá ser objeto de estudo. Adivinhem onde foi parar? No Ibracon. Entrou para morrer. E a CVM sequer tomou conhecimento do cadáver. A francesa Mazars, uma das dez maiores auditoras europeias, mas uma empresa fora do clube das bambambãs no Brasil, também tentou defender a coauditoria. Nem chegou a balbuciar a tese, e o discurso foi engolido. Moral da história: auditor prefere que não se corrija o seu trabalho, mesmo correndo o risco de que o resultado seja um escândalo de dimensões internacionais. Os auditores são fundamentais para a democracia do país, fiadores que são da transparência, tanto quanto os empreiteiros são relevantes para a construção pesada. Mas os últimos acontecimentos revelam que há algo apodrecido no sistema de coordenação, funcionamento e comercialização dessas organizações. A questão é como extrair o quisto do sistema que é, ao mesmo tempo, parturiente e nutriente dessas empresas, sem necessariamente ferir com gravidade as lendárias dominadoras do setor. Sugestões a  redação.

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