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O instituto da golden share está prestes a levar uma cutelada casuística do governo brasileiro. Trata-se de medida complexa, encomendada pelo ex-ministro da Fazenda e candidato do próprio ego à presidência Henrique Meirelles. A reunião do TCU sobre a venda das ações de classe especial, inicialmente marcada para hoje, foi adiada para semana que vem. Mas como negociar as golden share sem exterminar com a primazia do Estado e os direitos excepcionais carimbados no título? O assunto está quebrando a cabeça dos técnicos.
Até prova em contrário, a Lei no 8.031, de 1990, continua validando as ações especiais. Na dúvida, diriam confrades acacianos, liquide-se a Lei. Mas há outras interrogações. A regra será para todas as velhas golden share (Vale, IRB e Embraer) ou contemplará uma regulação exclusiva para as novas? Nesta última hipótese, as ações de controle da União passariam a ter um estatuto próprio, híbrido, caso a caso? Com relação à Embraer, imagina-se que o propósito seria negociar em mercado os títulos de classe especial referentes à “Embraer USA” (parte adquirida pela Boeing), pagando adicionalmente um capilé ao governo. Em tempo, não há modelo de precificação de golden share, até porque elas não existem para serem negociadas no mercado.
Do split da atual companhia surgiria a “Embraer do B”, que assumiria as áreas de defesa e aviação executiva. Esta nova empresa estaria submetida ao regime de golden share, mas não se sabe se seria mantido o estatuto da antiga Embraer, um novo com as exigências recauchutadas, ou criada uma geração de ações de classe especial, com licença para morrer desde o seu nascedouro. Qualquer que seja a solução, já existem duas certezas: a decisão é oportunista, pois atende às exigências do acordo de venda da Embraer, e traz contida uma posição de renúncia do Estado em relação à influência no destino dos ativos privatizados.
No novo ambiente institucional e jurídico, o conceito de empresa estratégica passa a constar do dicionário de letras mortas da República. Não só a Embraer, mas a Vale em especial será atingida com a medida. A mineradora tem restrições para a tomada de uma série de decisões, tais como a mudança do seu nome e a transferência da sede para outro país. A Vale, por sinal, foi o berço da discussão sobre a golden share no Brasil. Em pleno programa de privatizações do governo FHC, mesmo sendo candidato à compra da empresa, Antônio Ermírio de Moraes perfilava-se entre os favoráveis à causa.
A ideia de bater bumbo a favor das golden share junto aos setores que resistiam a uma possível desnacionalização da companhia nasceu de uma inusitada reunião, em discreto apartamento no início da Praia do Flamengo, entre o então presidente da mineradora, Eliezer Batista, e o prefeito Cesar Maia, ambos contrários à venda da empresa. A tentativa anterior de Eliezer para brecar ou pelo menos alterar a privatização tinha sido vazar na mídia – no Estado de S. Paulo – o patrimônio mineral da Docegeo, subsidiária da Vale do Rio Doce, um verdadeiro segredo de Estado, onde estavam pendurados os valiosos alvarás de pesquisa e lavra da companhia. Essa montanha de jazidas e áreas de pesquisa mineralógicas não foi inclusa no preço de venda da então chamada CVRD. O inimigo de primeira hora de Eliezer foi o BNDES privatista da gestão FHC, que identificou no silencioso tecnocrata um perigoso adversário.
Por outro lado, as Forças Armadas se tornariam imediatamente simpáticas àquela proposta, de certo modo intervencionista, de certo modo liberal – foi Margaret Thatcher quem criou as golden share como ações preferenciais resgatáveis, em 1979, para viabilizar o programa de privatização arrasa-quarteirão do Reino Unido. Se ontem fosse hoje, a Vale seria esquartejada, a exemplo da Embraer, e teria a sede do seu filé mignon transferida para a Austrália. A julgar pelo andamento da carruagem, a licença para morrer das golden share de última geração poderá ser utilizada logo mais à frente na privatização da Eletrobras, e muito mais. Tudo se tornou radicalmente possível.
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