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O processo de venda da Avibras tornou-se uma mesa de pôquer, com poucas cartas à mostra e uma boa dose de blefes. A chinesa Norinco, que já era dada como um jogador fora da disputa, está tentando voltar ao game por um caminho curioso. Os asiáticos têm feito gestões junto ao BNDES. No último dia 9 de outubro, dois diretores da Norinco no Brasil, Dagoberto Porto e Walter Haddad, estiveram reunidos com o próprio presidente do banco, Aloizio Mercadante.
A princípio, a investida dos chineses soa como um contrassenso, uma vez que o BNDES recebeu do governo a missão de costurar a negociação da Avibras para uma empresa brasileira. No entanto, os representantes da Norinco sinalizaram que o grupo aceitaria ter uma participação minoritária em um consórcio liderado por capital nacional. Seria uma forma de quebrar a resistência de vários setores do governo, a começar pelas Forças Armadas, à transferência do centro de decisões de uma Empresa Estratégica de Defesa (EED) para o exterior.
No entanto, a boa vontade da Norinco – um mega conglomerado industrial que, além de equipamentos de defesa (sistemas de ataque de precisão, armas anfíbias, armas de supressão de longo alcance, sistemas antiaéreo e antimísseis etc.), fabrica automóveis, caminhões, máquinas, produtos químicos – é vista com reservas no governo. Não parece fazer sentido que o grupo entre no negócio e coloque dinheiro na Avibras para ficar com uma posição subalterna. De boas intenções, Pequim está cheia.
Segundo uma fonte, há um receio em determinados segmentos das Forças Armadas de que um eventual sócio brasileiro, ainda que formalmente majoritário, na prática não passe de um mero figurante, cabendo aos chineses dar as cartas na Avibras. Trata-se de uma preocupação pertinente, até porque a negociação de venda da companhia brasileira virou um estranho jogo de esconde-esconde.
Nas últimas semanas, surgiu um candidato “mascarado” à compra da Avibras. Em tese um grupo brasileiro até agora sem nome e com um rosto só: o de Carlos Fortner, que presidiu os Correios no governo Temer.
Na última terça-feira, Fortner se reuniu com o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, que representa os trabalhadores da empresa. Foi a sua segunda visita à entidade em duas semanas. Em ambas, promessas de que a compra da Avibras está perto de ser fechada e que todos os débitos trabalhistas serão quitados.
Tudo pelas mãos do tal investidor “brasileiro”. Pode ser. A questão é que nacionalidade se tornou uma variável difusa na venda da Avibras. O investidor representado por Fortner tanto pode ser efetivamente nacional quanto ter outras colorações com uma leve camada de verde e amarelo por cima. Além da Norinco, nas últimas semanas surgiram notícias do interesse do fundo soberano da Arábia Saudita de comprar a fabricante brasileira de equipamentos de defesa.
Outro candidato citado é a australiana DefendTex. Em nota à imprensa, divulgada após a reunião de terça-feira entre Fortner e o Sindicato, a Avibras confirma as tratativas com “investidor brasileiro”, sem citar qualquer nome. Afirma que ambos “estão plenamente empenhados e confiantes na conclusão da transação, que poderá marcar o fim do processo de recuperação e o início de uma nova fase de crescimento para a companhia”.
Em contato com o RR, quando perguntada especificamente sobre as negociações com outros investidores, nacionais e estrangeiros, a Avibras não se manifestou.
A solução ideal para o governo Lula e o estamento militar ainda é a fusão da Avibras com outra empresa nacional do setor. A principal candidata é a Akaer, especializada no desenvolvimento de tecnologias e equipamentos para a área de defesa, especialmente o setor aeroespacial.
Há uma peculiaridade que conta ainda mais a favor da empresa. Em 2023, a Akaer voltou a ser uma companhia 100% brasileira. Por meio da Connectus Gestão e Participações, o acionista controlador Cesar Augusto Teixeira Andrade e Silva recomprou os 42,21% que estavam nas mãos da sueca Saab. A Akaer tem interesse em incorporar a Avibras, mas seu apetite estaria condicionado a um apoio financeiro do BNDES.
Entre cartas viradas de cabeça para baixo e blefes, a Avibras definha à espera de um novo investidor. Os funcionários não recebem salários há 19 meses. Em estado de greve desde setembro de 2022, os próprios trabalhadores chegaram a propor que o governo assumisse a empresa. Não colou. Em recuperação judicial, a companhia, controlada por João Brasil Carvalho Leite, filho do fundador, João Verdi Carvalho Leite, carrega um passivo de mais de R$ 600 milhões.
Quase metade corresponde a dívidas com o próprio governo, de débitos tributários a financiamentos contraídos junto a BNDES, Finep e Banco do Brasil. A erosão da Avibras se manifesta ainda em outros pontos. Fontes que visitaram a fábrica de Jacareí ficaram alarmadas com a obsolescência e a degradação do parque industrial.
Além disso, nos últimos anos, a empresa perdeu muito do seu capital humano, notadamente engenheiros de ponta, para outras companhias da área de defesa, especialmente a Mac Jee, que iniciou um programa espacial em parceria com a Força Aérea.
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