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O governo está quebrando a cabeça e fazendo conta atrás de conta para aumentar os subsídios ao prêmio do seguro rural. O entendimento é que, sem essa medida, será muito difícil conter a onda de inadimplência no agronegócio e a consequente disparada dos pedidos de recuperação judicial no setor – o número de casos cresceu 535% em 2023. A iniciativa exigirá um contorcionismo fiscal. O orçamento do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) para este ano é de aproximadamente R$ 1 bilhão. Cálculos preliminares do Ministério da Agricultura indicam a necessidade de, no mínimo, se triplicar esse valor. Um dos mecanismos em estudo, que tem o apoio do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, seria a transfusão de R$ 2 bilhões em recursos do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro). Outra ideia discutida é despir parte de um santo para cobrir o outro, tirando o dinheiro do Plano Safra 2024/2025, que deverá ser anunciado até junho.
O mundo caminha inexoravelmente nessa direção. Tanto a Europa quanto, sobretudo, os Estados Unidos têm ampliado significativamente a subvenção ao seguro rural, já prevendo uma maior recorrência de extremos climáticos e o aumento do impacto sobre a produção agrícola. No Brasil, o cenário é saárico. Os subsídios públicos são ínfimos, assim como o próprio mercado de seguro rural. Nos Estados Unidos, na média, mais de 90% da produção agrícola estão cobertos por algum instrumento de securitização. No Brasil, estima-se que apenas 18% da safra de soja – a commodity de maior peso na balança comercial do agro – tenham seguro rural. No setor cafeeiro, esse índice não chega a 1%. Ou seja: dos 55 milhões de sacas produzidas por safra, apenas 550 mil estão protegidas de secas, inundações, pragas ou qualquer outro fenômeno que impeça o cafeicultor de entregar a mercadoria contratada. Haja fé em São Pedro e nos herbicidas!
Há uma série de circunstâncias cruzadas que aumenta a preocupação do governo – e a pressão dos produtores rurais por recursos públicos. Na década passada, o setor saiu de uma crise circular para um período de opulência e de oferta quase desmedida de crédito privado. No ano passado, o patrimônio do Fiagro (Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais) atingiu a marca de R$ 21,3 bilhões, um salto de 103% em relação a 2022 – conforme o Valor Econômico informou na edição do último dia 2 de abril. Os mecanismos de financiamento correram em velocidade muito maior do que os de garantia e proteção. As mudanças climáticas e a frustração de safra, notadamente no Sul, pegaram o setor em um momento de elevada alavancagem. No governo, o temor é que o aumento da inadimplência nos contratos de financiamento tenha um efeito dominó na cadeia do agronegócio e leve a uma espiral de contenciosos no setor. Há uma preocupação específica com o tamanho da contaminação dos Fiagros. O sinal de alerta veio com os recentes pedidos de recuperação judicial do Grupo Elisa Agro e da Agropecuária Três Irmãos Begarmasco e com o consequente risco de as duas empresas não honrarem o pagamento de seus respectivos CRAs (Certificados de Recebíveis Agrícolas), títulos que compõem a carteira de Fiagros.
As discussões dentro do Ministério da Agricultura levam em consideração outras variáveis preocupantes. Existem sinais no mercado de que gestoras de investimento administradoras de Fiagro já se movimentam para executar os contratos de crédito. Muitos desses financiamentos têm como garantia primária a entrega de produto físico e/ou terras. Com a quebra de safras, o risco de instituições financeiras tomarem propriedades rurais em troca da quitação da dívida aumenta. Este é um campo extremamente sensível. A começar pelo impacto simbólico. O agro no Brasil sempre trabalhou com a tese de que não perderia terras em caso de inadimplência. Até porque boa parte do crédito agrícola sempre esteve pendurada no Banco do Brasil e não faria sentido um agente público sair executando garantias e tomando plantações de agricultores, muitos deles de pequeno porte. Com o Fiagro, essencialmente nas mãos de instituições financeiras privadas, esse tabu tende a cair por terra. Literalmente. O que o governo teme é um efeito cascata, com bancos e gestoras de recursos assumindo propriedades rurais. Essa pode ser a semente de uma safra de litígios, com agricultores entrando na Justiça para evitar a perda de suas terras. Haveria ainda outros desdobramentos jurídicos. Por exemplo: a quem caberia o pagamento de dívidas trabalhistas de uma fazenda? Outra consequência é a ameaça de depreciação desses ativos. O que as instituições financeiras fariam com hectares e mais hectares de terras em suas mãos? Essas propriedades teriam liquidez imediata? Uma fazenda abandonada vira pó, no máximo, em dois anos. No mercado, a proporção do valor de uma terra preparada (ou seja, pronta para o plantio) e de terra nua é de cinco para um.
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