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O que precisa ser dito
É inegável que, quando se soube que Donald Trump antecipara a decretação do tarifaço a ser aplicado ao Brasil, houve um imenso suspiro coletivo de alívio ao se verificar que, num mero anexo, centenas de produtos haviam sido isentados da taxa adicional de 40%. E eram boas as razões para essa sensação de desafogo: caso não houvesse exceções, estaríamos efetivamente confrontados com um embargo comercial jamais visto que geraria pesados ônus para a economia nacional em termos de renda e de emprego.
Como a Casa Branca havia impedido qualquer tratativa tarifária com nossas autoridades apesar dos reiterados esforços de Geraldo Alckmin, felizmente os grandes lobbies norte-americanos trabalharam em silêncio e tiveram êxito em evitar os prejuízos significativos que eles também sofreriam como resultado da punição aplicada ao Brasil. Para tanto, se valeram do conhecimento da personalidade do seu presidente e de seu comportamento habitual nessa área: Trump canta de galo, proclama uma vitória arrasadora e depois volta atrás ou mitiga o efeito das medidas anunciadas. Trata-se do já famoso TACO (Trump Always Chickens Out), só que dessa vez embutido no decreto original que nenhum dos seus eleitores vai ler.
Evidente também, mais uma vez, o uso de leis de exceção em que Trump invoca autocraticamente uma “emergência nacional” a fim de driblar a Constituição que o obrigaria a submeter ao Congresso essas medidas tarifárias. Daí que o decreto afirma, ridiculamente, que “políticas, práticas e ações recentes do Governo do Brasil ameaçam a segurança nacional, a política externa e a economia dos Estados Unidos.” E só assim ficamos sabendo que possuíamos um arsenal de bombas atômicas…
Mas o fato é que ainda estão gravemente ameaçados vários produtos de grande importância no intercâmbio com os Estados Unidos, tais como café, carne bovina, pescados, frutas, armas, móveis de madeira, etc. Para alguns deles a solução poderia vir no bojo de um decreto de alcance geral, abrangendo todos os fornecedores mundiais, em particular o café e as frutas em que não há produção local (como, por exemplo, a manga e o açaí). Os demais, incluindo bens industriais diversificados, exigirão providências próprias que devem ser buscadas através da negociação entre governos – se possível – e por démarches conduzidas pelas empresas interessadas daqui e de lá. Nesse sentido, são relevantes as declarações de Alckmin e de Haddad de que as negociações começam agora – desde que encontrem interlocutores capazes de tratar das questões substantivas de comércio, inclusive no tocante às atividades das big techs.
Cumpre assinalar outro ponto positivo que, a meu juízo, não foi devidamente avaliado pela mídia: o chanceler Mauro Vieira foi recebido em Washington pelo Secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio. A circunstância de que o encontro se deu na própria quarta-feira, depois de anunciadas as sanções contra Alexandre de Moraes e o tarifaço, não me parece mera coincidência, pois representaria o desejo de Rubio de demonstrar que aquelas medidas tinham sido tomadas sem consulta prévia com o governo brasileiro. No entanto, sendo ele um dos auxiliares mais próximos de Trump e para muitos o formulador da nova Doutrina Monroe de submissão da América Latina à hegemonia dos Estados Unidos, o encontro em si significa que não ocorreu (ainda?) um rompimento total dos laços diplomáticos entre as duas nações. Pelo que declarou posteriormente Mauro Vieira, na reunião ele pôde confirmar que o Brasil não admite negociar sua soberania, mas não sabemos o que lhe foi dito pelo Secretário de Estado norte-americano.
Seja como for, de nossa parte o momento agora é de circunspecção uma vez que constituiu surpresa positiva a extensão limitada do tarifaço e que há outros setores necessitados de tratamento menos severo. Não é hora de retaliações apressadas nem de declarações retumbantes porque devemos deixar a Trump o monopólio da bazófia. Salvaguardado corretamente nosso repúdio à capitulação por motivos e pretextos políticos, devemos buscar os caminhos do entendimento possível e, se preciso, amparar os segmentos da economia por ventura ainda prejudicados.
Jorio Dauster é um colaborador especial do Relatório Reservado.
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