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O governo prepara uma transfusão de recursos públicos para viabilizar a conclusão das obras do complexo industrial da Hemobras, em Goiana (PE). Segundo informações apuradas pelo RR, as discussões passam por um financiamento do BNDES para a estatal fabricante de hemoderivados. Estima-se que ainda seja necessário um investimento da ordem de R$ 1 bilhão não apenas para a construção do último dos 19 prédios, mas também para a compra de sofisticados equipamentos, quase todos importados.
Além da sua importância per si – a dependência brasileira dos hemoderivados importados chega a 70% da demanda -, a pressa do governo em colocar a Hemobras em pleno funcionamento tem como pano de fundo uma disputa sanguínea contra o lobby dos fabricantes internacionais dentro do Congresso. Há movimentos no Senado para que Rodrigo Pacheco leve a chamada PEC do Plasma à votação em plenário. Já aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça, a proposta de emenda constitucional prevê a quebra do monopólio estatal sobre a extração e comercialização do plasma sanguíneo e a produção de medicamentos hemoderivados, abrindo as veias e artérias dessa cobiçada atividade para a iniciativa privada. Ou seja: a PEC do Plasma pode destravar para grandes laboratórios internacionais um mercado de, no mínimo, R$ 1,5 bilhão por ano – considerando-se o atual gasto do governo com a importação de remédios provenientes do sangue humano.
Entre os principais interessados estariam a norte-americana CSL Plasma, uma das maiores fabricantes de hemoderivados do mundo, com 325 centros de coleta de plasma nos Estados Unidos, a Prothya Biosolutions Belgium B.V., com sede nos Países Baixos, e a suíça Octapharma AG. A Prothya tem entre seus investidores o laboratório farmacêutico brasileiro Blau. A Octapharma, por sua vez, está em uma posição privilegiada. Nenhuma outra multinacional do setor conhece tão bem as hemácias e leucócitos dos brasileiros.
A companhia é parceira da própria Hemobras na produção de 30% dos medicamentos hemoderivados consumidos no Brasil. A estatal envia plasma para os laboratórios da Octapharma AG, que vende ao país albumina, imunoglobulina, fator VIII e fator IX de coagulação.
A PEC do Plasma é controversa e encontra resistências dentro do governo. A ministra da Saúde, Nísia Trindade, já declarou algumas vezes que o sangue humano não pode virar “mercadoria” e que a PEC “coloca em risco a segurança do sangue no Brasil”. A objeção do governo à proposta pode ser ouvida, em viva-voz, na edição do “Conversa com o Presidente” do dia 26 de setembro do ano passado: “Que história é essa de que tem alguém querendo fazer projeto para que possa vender o sangue do povo brasileiro?”, perguntou Lula, levantando a bola para que a ministra da Saúde desfiasse suas preocupações e críticas em relação à PEC do Plasma.
Nesse contexto, a plena operação do complexo industrial da Hemobras tem um razoável valor político para esfriar o lobby dos laboratórios internacionais. O atraso na conclusão do empreendimento joga a favor da aprovação da PEC do Plasma. A ineficiência do governo em suprir a rede pública de hemoderivados é um dos principais argumentos usados pelos senadores que apoiam a quebra do monopólio estatal. Mesmo porque, até o momento, a trajetória da Hemobras acaba funcionando como uma propaganda contra a própria Hemobras.
A empresa foi criada no primeiro mandato de Lula, em 2004. O cronograma previa que o complexo de Goiana estaria 100% em funcionamento em 2016. Passou o governo Temer, passou a gestão Bolsonaro, Lula voltou ao Palácio do Planalto, e muitos dos canteiros de obra ainda estão no mesmo lugar. Nesse meio tempo, com o perdão do trocadilho, descobriu-se que a corrupção está no sangue do brasileiro. Literalmente. A Polícia Federal desbaratou um esquema de desvio de recursos na construção dos laboratórios da Hemobras em Pernambuco – dois funcionários da estatal foram condenados.
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