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A comédia de Lula com o BC de comédia não tem nada
7/07/2023O presidente Lula, por desígnios do destino, mais fortuna do que virtù, pode faturar dobrado a mudança do horizonte de aferição da meta de inflação, a queda da taxa de juros e, finalmente, um IPCA mais comportado e dentro da margem de tolerância (4,75%), no final do ano. Os juros devem cair, mesmo que pouco. O Focus dessa semana prevê uma Selic de 12% em dezembro, mas já há instituições financeiras projetando uma taxa de 11%. É um índice extremamente alto, mas de serventia na arena política. O suficiente para o presidente provavelmente dizer que venceu o braço de ferro com Campos Neto. A guerra pelo aumento da meta de inflação Lula não ganhou, mas mudou a temporalidade, o que permite, com jeitinho, dizer que teve mais uma vitória contra o “BC do Bolsonaro”. Se der o samba que promete, o presidente vai tirar uma onda porque conseguiu o que seu antecessor tentou e não teve êxito – apesar dos méritos pelos atuais feitos, na maior parte, pertencerem à política monetária efetuada na gestão do ex-presidente.
O terceiro ato tem muito mais ressonância: é a inflação ficar dentro da meta em dezembro deste ano. A conquista é positiva por si só, mas ela soma em dobro, pois tem efeito simbólico de forte impacto político: a redução da carestia. Lula vai dizer que domou o monstro remarcador de preços. É uma inverdade, mas vai dizer. No quesito inflação, Bolsonaro e Campos Neto entrarão juntos na roda. Ambos receberão cocorotes em dosagem correspondente à importância que têm no jogo da política. O presidente do BC teve de assinar duas cartas de desculpas ao Congresso pelo não cumprimento da meta de inflação, todas, é claro, no governo Bolsonaro. Ou seja: precisou pedir arrego ao Parlamento nos atípicos anos de 2021 e 2022, período da pandemia. Mas Lula sempre poderá dizer que Bolsonaro somente cumpriu as outras duas metas, nos anos de 2019 e 2020, devido às margens de tolerância mais altas, respectivamente, 5,75% e 5,5%. E poderá dizer também que ele ficou com os ossos de bandas superiores das metas de 4,75%, neste ano, e 4,50%, em 2024.
Ainda existe a possibilidade de a fatura de Lula ser acrescida de um imprevisto crescimento do PIB de 3%, em 2023, conforme a expectativa do secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello. No início do ano, a previsão era de um aumento de apenas 0,8%. Depois a estimativa foi corrigida um pouquinho, para 1,2%. Agora o BC subiu o sarrafo para 2%. O diretor do FGV Ibre, Luiz Schymura, acha factível ser maior. Por que não? Ele lembra, conforme artigo publicado na última terça-feira no Valor Econômico, que, em 2022, a projeção inicial de elevação do PIB era de pífio 0,3%, e o crescimento verificado fechou em notáveis 2,9%. Previsão do PIB é um exercício de grande imprevisibilidade. Mas o show do agrobusiness e a gastança do governo ajudam a acreditar que os 3% do PIB estão na caçapa neste final de ano.
Se o crescimento da economia for nesse patamar, o que cada vez mais parece que vai acontecer, Lula fatura também em duas variáveis bastante vinculadas à política monetária: a dívida bruta pública interna e o resultado primário das contas públicas. Na lei orçamentária, o governo tinha previsto um déficit primário de 2,2% em relação a um PIB 2,5%. O que se dizia na ocasião é que seria no mínimo improvável alcançar essa projeção de crescimento da economia contida no PLOA. Hoje, no mercado se considera que chegar ao percentual de 2,5% não é nada demais. O Ministério da Fazenda já revisou sua projeção de déficit primário para 1% neste ano e não conta nessa alteração com os benefícios de uma reforma tributária e da aprovação do arcabouço fiscal. Se o PIB subir para 3% ou até um tiquinho mais, também, em grande parte, devido à sorte do presidente – e ao fato de Bolsonaro ter contribuído com a parte dura da tarefa – o déficit primário pode ficar próximo de zero, em dezembro. Fernando Haddad promete, formalmente, zerar o déficit só em 2024. Mas um número tão baixo, neste ano, não estava no radar do mercado.
A dívida bruta do Brasil vai subir para o equivalente a 73,63% do Produto Interno Bruto (PIB), conforme dados divulgados pelo Banco Central na última sexta-feira. Mas também deve ficar abaixo desta previsão. O crescimento do PIB estimado pelo BC é de 2%. Portanto, é razoavelmente provável que, com o PIB subindo mais, a relação dívida bruta/PIB caia mais neste ano, até porque terá ainda uma ajuda da redução da taxa de juros, que impacta diretamente o custo do passivo interno.
Neste ponto da história em que estamos, o ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, teve sua nomeação como diretor de Política Monetária aprovada na última terça-feira pelo Senado Federal, e além de manda chuva da área, já está sendo empoderado, informalmente, como substituto de Campos Neto em dezembro de 2024, quando termina o mandato do atual presidente do BC. Lula nomeou também o diretor de fiscalização, Ailton Aquino dos Santos. Em 2024, com as mudanças já acertadas e as quatro alterações programadas, o presidente não terá ainda a maioria absoluta da diretoria colegiada do BC, que somente será conquistada em 2025, mas conseguirá a maioria simples. Por mais que todos os diretores tenham sido indicados devido sua competência técnica, o BC independente ficará, no mínimo, levemente inclinado em favor do governo. A elevação da meta de inflação de 3% seria algo para 2025. Isso se o cenário não mudar muito. É muito provável até que daqui para frente o presidente alivie Campos Neto das suas bordoadas. Afinal, está tudo dominado, como se diz na linguagem do funk. Essa é a comédia por trás da política monetária, que de comédia não tem nada.
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Supermercados podem ganhar crédito tributário em troca de manutenção de preços da cesta básica
6/12/2022Há uma ideia que passou pelas intenções de Paulo Guedes e anda pipocando na cabeça dos economistas do PT. Trata-se de chamar os supermercados para contribuir na manutenção dos preços da cesta básica até a inflação retornar à meta, iniciativa que o RR antecipou.
A lógica da medida é a compreensão de que o maior componente da inflação vem de fora. A majoração dos preços dos alimentos, a guerra da Rússia com a Ucrânia, o impacto sobre a cotação do petróleo, o risco do dólar disparatar, a lenta recomposição das cadeias de produção, a carestia internacional, entre outros vetores externos, são responsáveis pela resiliência da inflação. Na nossa praia, permanece o temor de um desatino na gestão das contas públicas. Essa situação levaria o país a um cenário de dominância fiscal, ou seja, quando a elevação da taxa de juros torna-se sem efeito ou mesmo pressiona os preços em geral.
Desde 2018, os preços dos alimentos sobem mais do que a inflação medida pelo IPCA. No intervalo entre 2018 e 2021 eles cresceram 44% em média, quase o dobro da inflação de 24%. Já a cesta básica, no mesmo período, subiu 66%. Com essa velocidade de remarcação no preço dos alimentos, não há Bolsa Família que aguente. A carestia desidrata o valor do benefício social, que teria de ser corrigido recorrentemente, retroalimentando a espiral inflacionária.
Para conter esse processo, a futura gestão Lula adotaria uma política de preços da cesta básica com os supermercados, além de voltar a formar estoques reguladores de alimentos. Ajudaria a geringonça funcionar se o governo, por meio do Conselho Monetário Nacional (CMN), alterasse a meta de inflação de 2023, ampliando-a de 3,25% para 4% ou mesmo 4,25%, com bandas de 1,5% para cima e para baixo. Em 2024, a meta seria mantida – o governo Bolsonaro fixou um target inviável de 3% para esse período. Esse ajuste permitiria o acerto mais rápido com os supermercados, que passariam a ter no retorno da inflação à meta como sua baliza para a normalização da política de preços.
Meta de inflação para 2023 está caindo de madura
7/06/2022Está por um triz a mudança da meta de inflação para 2023. No BC se discute se ela ficaria em torno de 3,75% a 4%, mantidas as respectivas bandas de 1,5%. Hoje, a meta está em 3,5%. Para 2023, ela está fixada em 3,25%. As projeções de inflação do Boletim Focus, que voltou a ser publicado ontem, são de um IPCA de 7,89% neste ano, e de 4,1%, em 2023.
Como o viés é de alta, é razoável prever que o IPCA ultrapasse a banda superior da meta, de 4,75%. O RR consultou sete economistas de bancos: todos consideram impossível atingir a banda superior da meta neste ano. Em 2023, o cumprimento da meta dependeria de o BC elevar a taxa neste ano para um patamar superior a 14% (O Focus estima uma Selic de 13,25%, no final de 2022). O Banco Central mira 2023 com a política monetária.
Portanto, os juros deste ano visam abater a inflação de 2023. Lembre-se que esse esticão da Selic se daria em um ano eleitoral. Noves fora, os juros superiores a 14% serem um tiro de escopeta na atividade produtiva. Ou, então, sobraria ao governo conseguir decretar um novo estado de calamidade, medida, aliás, ao gosto do Ministério da Economia. Como se sabe, no saco do estado de calamidade cabem todos os gatos. O RR defende a mudança da meta desde o ano passado. Aliás, muito bem calçado pelo ex-diretor do BC e implementador do inflation target, Sérgio Werlang.
A independência e a independência do BC
30/07/2021A autonomia do Banco Central tem dois caminhos ainda a serem trilhados. Um é a independência de direito – como se sabe, o STF ainda julga a constitucionalidade ou não da lei que estabeleceu a autonomia do BC. A outra é a soberania de fato. Com algumas casas bancárias prevendo a resiliência da inflação – com estimativa de um IPCA de 8% em 2021 e de 5% em 2022 -, Roberto Campos Neto vai ter de caprichar na elevação da taxa de juros. Ocorre que a combinação juros elevados e campanha eleitoral é algo parecido com fogo e álcool. A ver se a independência do BC, que demorou 30 anos para ser sancionada, suportará a provável pressão de Jair Bolsonaro para que as taxas não atravessem 2022 prejudicando o ambiente de negócios e a geração de empregos. O RR torce para que a autonomia do BC não demore outras três décadas.
O indexador Gilmar
31/07/2020Gilmar Mendes provocou um nó na Justiça do Trabalho. O motivo é a liminar concedida por Gilmar, autorizando a aplicação tanto da TR quanto do IPCA-E na correção de dívidas trabalhistas. Segundo um ministro do TST ouvido pelo RR, há um acordo tácito na Justiça do Trabalho pela manutenção do uso do IPCA-E, que já vinha sendo utilizado e é mais favorável aos empregados. O receio é que a liminar de Gilmar abra uma brecha para que empregadores apresentem embargos contestando o índice. O mais curioso é que, há alguns anos, o próprio STF considerou inconstitucional o uso da TR em processos trabalhistas.