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Risco de “domínio do fato” ronda Michelle Bolsonaro

  • 5/12/2024
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A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, virtual vice-presidente em uma chapa bolsonarista nas eleições de 2026, vem sendo objeto de discussão jurídica, com finalidade política, sobre a sua participação na articulação do golpe de Estado que por pouco não ocorreu. Michelle não é alvo específico de investigação criminal, digamos assim, mas de interpretação sobre seu enquadramento na teoria do domínio do fato. Que a ex-primeira-dama sabia de alguma parte da armação há pouca dúvida, devido a sua posição privilegiada junto aos artífices da conspiração. Seu cônjuge está indiciado, e o relatório da Polícia Federal, calçado em extensa investigação, aponta para uma lista de envolvidos com indiscutível proximidade com Michelle.

É difícil imaginar que ela, frequentadora do Palácio do Planalto e moradora do Palácio da Alvorada, além de companheira do então presidente Jair Bolsonaro, não soubesse nada das ações em curso. Michelle fez política a gestão inteira de Bolsonaro, colaborando ao máximo para a popularidade do marido. Esteve sempre cotada para ocupar algum cargo político e, agora, é fortíssima candidata a compor uma chapa para a disputa eleitoral em 2026.

Por ser uma das beneficiadas, direta ou indiretamente, é pouco crível que estivesse apartada de todos os acontecimentos e não tivesse se omitido em nenhum momento. Mas até que ponto uma parceira, que até onde se sabe, não participa ou não participou de nenhuma organização da trama golpista, tem qualquer culpabilidade. A teoria do domínio do fato prevê diversas interpretações, podendo migrar tanto do restrito campo jurídico para o campo da política.

Dificilmente ingressa no desejável campo da cientificidade. Na verdade, fora os indiscutíveis participantes do delito, ninguém sabe com certeza quem tinha ciência dos acontecimentos, ainda que estivesse na tênue fronteira do “conhecimento por tabela” sem responsabilidade sobre os fatos.

A teoria do domínio do fato foi orginalmente criada, em 1939, pelo jurista alemão Hans Welzel. Nos anos 60, seria refundada por Claus Roxin, um dos mais renomados influentes doutrinadores do direito penal alemão.

O conceito tem seus contornos dogmáticos e muitas utilidades. O ex-ministro José Dirceu, por exemplo, foi um dos notórios atingidos pela ambígua tese, que lhe custou uma temporada no cárcere. Ressalvadas as devidas diferenças dos casos, a estadia de Michelle na prisão é um dos sonhos do PT. Mas, para se ter uma ideia da complexidade do assunto, a leitura dos juristas invariavelmente se debruça sobre a seminal monografia de Claus Roxin, “Autoria e domínio do fato”.

A obra de referência traz mais incertezas do que definições precisas. Para se ter uma mínima noção da dificuldade de interpretação, seu significado parte de uma premissa incompreensível, que divide os próprios juristas: “Nem uma teoria puramente objetiva nem outra puramente subjetiva são adequadas para fundamentar a essência da autoria e fazer, ao mesmo tempo, a delimitação correta entre autoria e participação.

A teoria do domínio do fato, partindo do conceito restritivo de autor, tem a pretensão de sintetizar os aspectos objetivos e subjetivos, impondo-se como uma teoria objetivo-subjetiva”. Para o jurista brasileiro Luis Greco, estudioso do assunto e crítico da sexagenária teoria e da interpretação de Roxin, ela é limitativa quanto ao alcance causal, ou seja, dificulta a configuração do nexo causal e não o contrário. Cabe tudo na goela desde sapo.

Mas há precedentes relevantes quando o assunto envolve as primeiras-damas. Dona Marisa, a falecida esposa de Lula, esteve ao seu lado durante todo o período em que o presidente “estaria cometendo malfeitorias” e nunca foi citada. É bem verdade que Dona Marisa não protagonizou ação política ativa e nunca foi alvo de suposta continuidade do presidente. Michelle Bolsonaro, por sua vez, tornou-se ainda mais vidraça depois das notícias vazadas, na semana passada, de que ela integraria a chapa bolsonarista como vice de Tarcísio Freitas, cada vez mais considerado o sucessor a ser indicado por Bolsonaro e seu ecossistema nas eleições de 2026.

O ex-presidente não voltaria ao cargo pela frente, mas pelos lados. Ao PT basta qualquer menção singela a Michelle Bolsonaro no contexto do inquérito da Polícia Federal para que o Carnaval do partido seja antecipado para o dia seguinte. Por enquanto são tudo ilações.

Mas há muita gente parruda debruçada na interpretação de que a mais próxima interlocutora do presidente sabia das coisas. Até que ponto isso vai dar em algo, é uma conclusão que pertence ao futuro. Até agora Michelle permanece longe dos fatos e fazendo política acirradamente. Nada está dominado

#Michelle Bolsonaro

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