Lula é prisioneiro de seus próprios pesadelos

  • 3/12/2015
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  Não consta que Luiz Inácio Lula da Silva tenha lido Kafka. Mas, intuitivo como ele só, volta e meia sonha ser uma versão adaptada de Gregor Samsa, o homem que acordou barata. O inseto é a metáfora para as algemas. Lula, em seus pesadelos, é o homem que amanhece preso, agrilhoado sob os holofotes de toda a mídia. Esses tenebrosos sonhos se repetem em dois enredos alternados, viscosos, humilhantes, cada qual do seu modo. Em seu subconsciente, Lula é detido, e o script se bifurca na esquina de dois mundos paralelos. No primeiro desses universos, Luiz Inácio está encadeado como um meliante. A expectativa de uma reação da militância se esvazia em 24 horas. O povo se comporta abúlico. A presidente da República, Dilma Rousseff, assiste catatônica à degradante exposição. O Palácio do Planalto emite uma nota manifestando sua confiança na Justiça. Pilatos não faria melhor. Na cela, é instalado um aparelho de televisão com o objetivo sádico de que Lula assista ao maior aviltamento jornalístico nunca antes realizado na história desse país. Revistas e jornais promovem um linchamento moral estendido aos seus filhos, irmãos e à própria D. Marisa. O inferno se materializa sob a forma da dor descomunal do abandono absoluto. Lula, então, acorda. A gosma escorre pelas paredes do quarto. Ele tenta rezar a oração que Frei Beto lhe ensinou. Mas não chega à metade. Olha para o teto zonzo. Capota em um sono profundo.  A luzidia algema ressurge ofuscante. Lula está novamente encadeado. Ele é jogado no cárcere já ciente de que as redes sociais se sublevaram. Pouco mais de três horas após sua prisão, o povo se aglutina na porta da casa de detenção. São 500 populares transtornados. A polícia chega e desce a borracha. Dilma se anima e decide fazer um pronunciamento de apoio ao ex-presidente em pé na rampa do Palácio do Planalto. A agressão da polícia estimula a malta. Milhares e, depois, milhões marcham nas diversas capitais gritando o nome de Lula. A oposição reconhece que sua prisão foi uma imprudência. O PSDB acampa no Forte Apache, suplicando a intervenção dos militares. Seu pedido não ecoa. Os generais seguem legalistas, mas com uma pulga atrás da orelha com a denominada “República dos togados”, responsável pela jurisprudência de que “um suspeito pode ser acusado de suspeição”. A algema parece uma coroa. Lula sente que ressuscitou. Mas algo se quebrou para sempre. Ele acorda de sobressalto. O braço pegajoso, a sensação de que asas de inseto lhe nasciam das ancas. Murmurou a frase de Adoniran Barbosa: “A tristeza é um bichinho que pra roer tá sozinho”. Não existia algema inquebrantável, nem destino pré-determinado. Na volta à cama, vislumbrou a barata parada, olhando-o como se o desafiasse. Esmagou-a inclementemente. Voltou a dormir mais tranquilo, mesmo sabendo que os sonhos seriam os mesmos.

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