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Crise entre varejo e bancos se espalha um Dia após o outro

  • 29/04/2024
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A varejista espanhola Dia está se revelando uma “mini-Americanas”, guardadas as devidas proporções. A comparação, ressalte-se, nem de longe passa pelas irregularidades contábeis da empresa de Jorge Paulo Lemann, mas, sim, pelo nível de tensão entre a rede de supermercados e seus credores, deflagrado com o seu pedido de recuperação judicial. Segundo uma fonte próxima ao Daycoval, o banco avalia medidas, notadamente de ordem jurídica, para assegurar o direito ao bloqueio de recursos da companhia aplicados na própria instituição financeira. Mais do que isso: o banco estaria em busca de mecanismos para “carimbar” esse dinheiro, usando-o para cobrir os créditos contra o Dia. É chumbo trocado.

Trata-se de um contra-ataque ao pedido feito pela rede de supermercados à 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo não apenas para garantir o desbloqueio e o resgate dos seus investimentos no Daycoval, mas também para a aplicação de punição financeira ao banco no caso de eventual descumprimento da medida. Em conversa com o RR, o Daycoval esclarece que “não procurou a Justiça”, mas “está se defendendo das acusações feitas pela rede Dia no contexto da recuperação judicial, especialmente em relação às aplicações financeiras associadas à operação de crédito”. O Dia, por sua vez, disse que “não comenta o assunto.”

Além da contenda jurídica, há também uma batalha de narrativas. Vozes ligadas ao Daycoval dizem que o Dia não estaria dando a devida transparência a suas informações contábeis e aos dados relativos à recuperação judicial. A própria polêmica em torno do real valor da dívida da rede varejista alimenta críticas dessa natureza. Segundo o próprio banco disse ao RR, “a informação inicialmente divulgada durante o processo em relação ao saldo devedor da empresa ao Daycoval foi considerada improcedente e já foi corrigida pela própria varejista, sendo atualizado para R$ 15 milhões.”

Do lado oposto, ou seja, das trincheiras do Dia, sobram insinuações de “má-fé” contra o banco. Ressalte-se que a ofensiva do Daycoval não se limitaria a si próprio. De acordo com a mesma fonte, o banco estaria conversando com outras instituições financeiras em situação similar – ou seja, com um duplo chapéu de credor e de depositário de recursos do Dia – sobre a possibilidade de medidas coletivas contra a rede varejista. Perguntado especificamente sobre essa interlocução em grupo, a instituição não se manifestou.

A queda de braço guarda um paralelo com a Americanas: o Daycoval tenta um expediente similar ao que fizeram Safra, BV (antigo Banco Votorantim) e BTG. Cerca de R$ 295 milhões em contas e aplicações da Americanas foram retidos pelos bancos da família Safra e dos Ermírio de Moraes. No caso da instituição financeira de André Esteves, o bloqueio foi ainda maior: R$ 1,2 bilhão.

Posteriormente, a Justiça viria a liberar todos esses recursos. Em tempo: a título de curiosidade, há ainda outro ponto de interseção entre o Dia e a Americanas. Segundo maior credor da varejista de Jorge Paulo Lemann, o Santander subiu ao degrau mais alto desse indesejável ranking no caso da rede de supermercados. O Dia deve ao banco espanhol, seu compatriota, cerca de R$ 175 milhões, o maior passivo junto a instituições financeiras.

Em meio a esse estado de fricção, o Dia busca soluções para equacionar sua crise financeira no Brasil, a começar pelo passivo de R$ 1,1 bilhão. A empresa requisitou à Justiça autorização para a venda de 343 lojas, no melhor estilo “Passo o ponto”. Os espanhóis não são proprietários dos imóveis; apenas transfeririam frente os contratos de locação. Sobrariam pouco mais de 240 lojas no país. O que fazer com elas? É a pergunta que o Dia terá de responder a si próprio. As opções sobre a mesa vão da busca de um sócio investidor à venda de toda a operação brasileira.

#Daycoval #Jorge Paulo Lemann

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