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A compulsão de André Esteves por precatórios e créditos podres chega a ser intrigante. Nenhum outro banco no Brasil tem demonstrado tanto apetite pela compra desses papéis quanto o BTG. A instituição financeira não abre seus números no chamado segmento de “special situations”.
Mas a Enforce, seu braço de recuperação de crédito, diz ter R$ 100 bilhões sob gestão nas mais diversas classes de ativos. O que Esteves está enxergando nesse “junk money”? Que sussurros chegam aos seus ouvidos? Há algumas peças se mexendo no tabuleiro, notadamente no que diz respeito aos precatórios.
Existe, por exemplo, um lobby de fora para dentro do governo pelo uso desses títulos para pagamentos de concessões. Os defensores da medida alegam que seria uma forma de deslanchar o programa de concessões e consequentemente os investimentos em infraestrutura. Trata-se de uma pauta de crescente interesse do BTG.
O banco vem participando seguidamente de licitações rodoviárias. Recentemente, disputou – e perdeu – as licitações da Rota dos Cristais (BR-040/MG-GO), da Rota do Zebu (BR-262/MG) e da Rota Verde (BR-060 e BR-452). O assunto, no entanto, é repleto de ziguezagues. Em maio de 2023, a Advocacia Geral da União (AGU) suspendeu a possibilidade de quitação de outorgas por meio de precatórios.
Em abril deste ano, após o julgamento de uma matéria correlata no STF, a mesma AGU recomendou aos ministérios e agências que aguardem por uma nova regulamentação para definir se esses títulos podem ou não ser aceitos na compra de concessões. O tema está em análise na Fazenda. E o mais provável é que por lá derreta.
Julio Bozano é uma boa, talvez a melhor, inspiração para André Esteves. Em 1994, Bozano comprou a Embraer usando uma bolada de moedas podres – títulos da Sunamam e da Siderbrás. Quase três décadas depois, o então ministro Paulo Guedes chegou a pensar na ressurreição da proposta de criar um fundo de precatórios, que poderiam ser usados pelo seu valor de face para a compra de estatais – parte dos recursos ainda seria destinada a programas sociais.
A ideia não andou. E, agora, ao menos no curto prazo, não será em privatizações que Esteves poderá usar sua montanha de créditos embolorados. Pelo simples fato de que o governo Lula não vai fazer privatização alguma. Ainda assim, há outras possibilidades no horizonte. Uma delas seria o uso de precatórios para a compra de terras improdutivas.
A União é dona de um sem-fim de áreas devolutas ou desapropriadas. Outra hipótese eventualmente tateada pelo BTG seria a aquisição de imóveis da União. Existe um grande número de propriedades passíveis de serem vendidas – ressalte-se nada perto da cifra onírica de R$ 1 trilhão que um dia chegou a ser propalada pelo ministro Paulo Guedes.
Projeções lunáticas à parte, o próprio governo Bolsonaro mapeou uma relação de ativos imobiliários avaliados em US$ 89 bilhões. A gestão Lula pouco ou nada andou nessa seara – como em tantas outras. No ano passado, levantou míseros R$ 5,7 milhões com a venda de imóveis e terrenos da União.
O BTG é um intenso comprador de precatórios. Em seu site, tem uma página dedicada à aquisição desses papéis. Aos interessados, garante a quitação do pagamento em até cinco dias. Além de outras serventias que possam ter futuramente, os títulos públicos judiciais podem ser usados para o pagamento de dívidas ativas com a União mediante programas especiais de renegociação de débitos tributários lançados pela União, estados e municípios.
É o caso do governo de São Paulo. No fim do ano passado, a gestão Tarcísio de Freitas passou a aceitar precatórios para a quitação de tributos em aberto. Procurado pelo RR, o BTG não se pronunciou.
Cabe ressaltar que, além dos precatórios, o BTG tem também um caldeirão de moedas podres. Trata-se de um sopão que vem sendo misturado e fervido há mais de uma década. Começou em 2013, quando o banco comprou os despojos do antigo Bamerindus. Depois, foi engolindo créditos inadimplidos em sequência, como os do BVA e do Banco Econômico.
Em 2021, adquiriu uma carteira de crédito do Banco do Brasil no valor de R$ 2,9 bilhão, pagando apenas 10% desse valor. No ano seguinte, incorporou os ativos e passivos do finado Banco Econômico. No mercado, o BTG é apontado como forte candidato a ficar também com o espólio do Banco Santos.
A Enforce é uma empresa de recuperação de crédito. Ou seja: compra carteiras de empréstimos com elevados deságios e depois vai bater na porta do devedor para cobrá-lo. Qualquer cifra que receber a mais do que pagou, já está no lucro. Esse é o ganho, digamos assim, direto.
Mas existem outras possibilidades de o BTG tirar proveito da compra das carteiras de ativos e passivos de bancos quebrados. Uma delas é usar prejuízos fiscais para abater seu próprio custo tributário. Outra é extrair valor de disputas judiciais, precatórios ou títulos e valores mobiliários que vêm junto no mesmo bolo. Se bem espremidos, são frutos que ainda dão suco.
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