Jair Bolsonaro é um ex-presidente em exercício

  • 31/03/2021
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A data de 29 de março de 2021 marca a maior derrota de Jair Bolsonaro desde a sua chegada ao Palácio do Planalto. Em um único dia, três episódios reforçaram a ideia de que Bolsonaro é um chefe de governo de festim. A imposição de um Orçamento repleto de gambiarras e absolutamente inexequível e a demissão de Ernesto Araújo do Ministério das Relações Exteriores, ambas por pressão do Congresso, mostram um presidente acuado e feito de refém pelo Centrão. O terceiro e mais agudo sinal da fragilidade de Bolsonaro veio com a saída do general Fernando Azevedo e Silva do Ministério da Defesa, seguida, um dia depois, da decisão conjunta dos três Comandantes militares de entregarem seus cargos.

Com a renúncia em bloco, as Forças Armadas deram uma mensagem contundente de que não irão aonde o presidente da República almeja ou fantasia que elas possam ir. Bolsonaro foi derrotado pelo próprio fetiche que criou. Em meio a essa desidratação institucional, o maior risco do governo Bolsonaro neste momento é a geração de boatos autorrealizáveis e desestabilizadores. Ontem, por exemplo, surgiram rumores de que os Altos-Comandos das Forças Armadas não indicariam nomes de substitutos para o general Edson Pujol, o almirante Ilques Barbosa e o tenente-brigadeiro do ar Antonio Carlos Bermudez, deixando a decisão por conta exclusivamente de Bolsonaro.

Caso essa decisão se confirme, os comandantes abririam uma perigosa exceção, como abriram ontem: foi a primeira vez desde a redemocratização, em 1985, que os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica deixaram seus cargos simultaneamente sem se tratar de uma troca de governo. Também ontem circulava o boato de que a renúncia coletiva já havia sido cogitada antes mesmo do afastamento de Azevedo da Defesa e da pressão pela saída do general Pujol do comando do Exército. Como se sabe, os Altos-Comandos trabalham com cenários traçados com razoável antecedência. Em uma dessas conjecturas, um pronunciamento conjunto chegou a ser discutido como reação ao uso do nome das Forças Armadas, notadamente do Exército, pelo presidente Bolsonaro para justificar ações de governo.

A prioridade das lideranças militares neste momento é esfriar o ambiente, dentro e fora das Forças Armadas. O general Pujol fez questão de acalmar seus pares, afirmando que no Alto Comando todos eram iguais, tinham o mesmo voto nas decisões da Força – Pujol tinha o voto de minerva – e, portanto, estavam todos capacitados para assumir a liderança do Exército, com louvor. O tenente brigadeiro Bermudez, um dos oficiais mais respeitados pela Aeronáutica, teria dito aos seus que não existe possibilidade da Força participar de aventuras que firam a Constituição. Segundo as declarações atribuídas a Bermudez, não há condições para qualquer tentativa de subverter a democracia. A Aeronáutica não permitirá. Por sua vez, a decisão do general Pujol de não se sujeitar a eventuais pressões do presidente Bolsonaro por uma postura pró-governo também representa uma posição coesa do Exército como fiador do regime democrático.

Pujol sai do cargo, mas deixa um legado. O alerta já tinha sido dado pelo próprio general em novembro do ano passado: “Não temos partido, independentemente de mudanças ou permanências de de- terminado governo por um período longo. Não mudamos a cada quatro anos a nossa maneira de pensar”. A escolha de Braga Netto para a Defesa foi criteriosa. Ele é reconhecidamente um debelador de incêndios.

Esse atributo pode ser muito bem verificado ontem, em sua primeira ordem do dia como ministro da Defesa, na qual o general fez um texto eminentemente dirigido à pacificação. De toda a forma, por uma lógica torta e imprevisível, Bolsonaro conseguiu uma proeza: diante de um presidente mercurial e instável como ele, a candidatura Lula pode ter se tornado até palatável aos militares. O petista jamais tentou cruzar a linha que demarca as relações de respeito do comandante em chefe em relação a seus oficiais superiores. Os generais, portanto, já sabem o que o ex-presidente fez em oito anos de governo, mas não sabem o que Bolsonaro poderá fazer nos dois anos que lhe restam. Imagine se forem mais seis anos.

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