Crônica do adeus ao “lobisomem” brasileiro

  • 11/02/2019
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Morreu aos 96 anos, um velho amigo do RR, Jorge Serpa, provavelmente o mais culto e longevo lobista e advogado de negócios do Brasil. Serpa não operava congressistas ou parlamentares, mas, sim, os donos da mídia e os presidentes da República. Verdade seja dita, tinha também uma queda pelos fundos de pensão e pela Petrobras. Foi a sombra de JK, Jango, todos os generais de 64 e Fernando Henrique Cardoso. “Parei no Lula”, dizia. Recebia os clientes e amigos em um escritório com grossas paredes à prova de som e sem móveis, que ficava em cima do restaurante Mosteiro, nas cercanias da Praça Mauá, Centro do Rio.

Era a toca do “lobisomem”, apelido do nosso parceiro licantropo. O único cômodo mobiliado dos três quartos era o do seu escritório, soturno como um velório na madrugada. Em qualquer conversa Serpa dizia: “Você quer saber isso? Já entendi, meu bem. Deixe comigo, vou falar com ele. Deixa que eu te volto”. E falava mesmo, e voltava mesmo. Tinha talento nato para se fazer despercebido, um personagem muitas léguas aquém do seu folclore. Quase fez Antônio Ermírio de Moraes presidente da República em conspiração com Roberto Marinho, na sucessão de José Sarney.

No início do governo militar, na gestão do general Costa Silva, o ex-vice governador da Guanabara Raphael de Almeida Magalhães foi avisado que Jorge Serpa estava tiritando de frio em uma banheira cheia de gelo, sendo torturado nas instalações da Aeronáutica. Raphael já ia sair correndo quando chegou Walther Moreira Salles ao escritório e estranhou, dizendo que tinha passado no local havia pouco e Serpa estava rindo muito e conversando com três oficiais. Quase ato contínuo entrou um empresário do setor de engenharia de projetos gritando esbaforido: “O Serpa está no pau de arara, está no pau de arara!” Moral da historia: três é o mínimo de versões sobre qualquer episódio envolvendo o lobisomem.

Jorge Serpa terminou ghost writer de todos os presidentes, o que todos suspeitavam, mas ninguém tinha certeza. O que se tinha absoluta certeza era que escrevia os editoriais de Roberto Marinho. Serpa fez muito bem a quem serviu. Pouco mal a quem atravessou o seu caminho. Daria umas das mais apetitosas biografias da República de todos os tempos. Em seu apartamento na Zona Sul mantinha um garrafão cheio de notas e moedas de dólar. Colocava ali para enfeitar.

Mas alguns amigos de passagem, partindo para o exterior, se acostumaram a pegar algum dinheiro para despesas rápidas na chegada da viagem. Outros viam a cena e achavam que era uma brincadeira do dono da casa. Pegavam também uma nota, criando um hábito. Virou um patuá. No que o lobisomem falava: “Veja só… Agora eu ainda tenho que ficar repondo dólares para os outros pegarem.” Jorge Serpa morreu pobre. Foi amigo do RR até o fim.

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