O capote puído do superávit primário

  • 28/07/2015
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O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, bem poderia ter sido uma versão esguia e bem talhada do funcionário público Akaki Akakievitch, personagem do conto “O Capote”, de Nikolai Gógol. O que teriam em comum um “semnada” e um engomado doutor pela Chicago University? Akakievitch e Levy parecem duas paralelas que se encontram no desejo obsessivo de conquistar seus feitos. O primeiro, trocar um casaco puído por um novo; o segundo, extrair um superávit primário de 1,2% com a atividade econômica violentada por taxas de juros reais da ordem de 9%, a arrecadação minguante e uma conflagração institucional envolvendo Executivo, Legislativo e Judiciário. Akakievitch consegue atingir o seu objetivo, mesmo atravessando severas restrições. Levy definitivamente não seria um personagem de Gógol. Ao contrário do que sopram as cassandras brasilienses, o ministro da Fazenda não perdeu “a parada” para o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, ou foi esvaziado por Dilma Rousseff. Levy perdeu para ele mesmo, para seu cansaço e suas fraturas no papel de articulador político do governo para assuntos econômicos. O homem de mármore trincou sozinho. Na quinta-feira, dia 15, setes dias antes, portanto, do anúncio da revisão para baixo do superávit primário, o RR teve acesso a emails de Levy para um interlocutor regular. Na correspondência, ele já deixava claro seu ceticismo fiscal e a vontade de não prosseguir tendo de lidar mais com os parlamentares do que com os números do Tesouro. Durante o processo, o entendimento com Nelson Barbosa foi realizado não em torno das célebres “bandas”, mas, sim, sobre um eufemismo que lança sobre o Congresso, o principal detonador do target fiscal, a responsabilidade pelo insucesso do ajuste. É a cláusula de abatimento da meta por frustação de receitas específicas. Um mecanismo parecido com o abatimento dos investimentos do PAC, mas com o dedo indicador apontado para o Legislativo. As convicções do ministro Chicago boy permaneceram intactas, mas a perseverança, sim, ficou esgarçada. Mesmo antecipando um vendaval nos mercados devido à  momentânea desconstrução da sua identidade de homem-âncora, não ousou a suave heterodoxia mais óbvia: a operação casada de suspensão da rolagem de swaps cambiais com a venda de reservas, o que permitiria um amortecedor sobre a curva de crescimento da dívida bruta em relação ao PIB – algo, aliás, que, mesmo tardio, ainda está por vir. Até porque Levy sabe que uma resposta à s agências de rating e a recomposição da sua imagem exigem fatos novos positivos. Akakievitch, com sua obsessão patológica, passaria as mais terríveis dificuldades, sem desistir da meta de superávit primário. Joaquim, porém, acha que trocar um velho casaco puído por um novo não vale tanto sacrifício. Ainda não está à  altura de um conto de Gógol.

#Joaquim Levy

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