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Troca de precatórios por dívida ativa é a solução heterodoxa para arcabouço não desabar

29/04/2025
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O governo estuda com afinco como se livrar dos precatórios, retirando-os do orçamento e evitando que eles comprometam irremediavelmente o arcabouço fiscal. A colunista do Valor Econômico Lu Aiko Otta revelou, na edição da última quarta-feira, que a equipe econômica analisa hipóteses diversas para suspender o pagamento dos precatórios ou diferi-los no tempo. Algumas são até desmoralizantes para a União, tais como novamente postergar ou parcelar a restituição do reembolso.

O governo pensa também em judicializar o pagamento dos créditos inadimplentes, pedindo ao STF mais tempo para honrar suas dívidas. Esse filme já foi visto. E não merece ser revisto.

O ex-secretário do Tesouro Jefferson Bittencourt lançou no ar um balão de ensaio: fazer um puxadinho de forma a ajustar o limite das despesas do arcabouço para acomodar os precatórios, evitando que o orçamento seja levado ao armagedon. Há precedentes de sobra para intranquilizar os credores da União. Recordar é viver.

A título de rememoração vale resgatar a decisão do STF que iniciou a temporada de dança de salão com as dívidas da União, avalizadas através de garantia jurídica da Suprema Corte: “Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou alterações implementadas em 2021 no regime constitucional de precatórios (Emendas Constitucionais 113 e 114), entre elas a que impunha um teto para o pagamento dessas despesas entre 2022 e 2026”. Tudo bem… A pandemia mudou a realidade dramaticamente. Segundo o ministro Luiz Fux, “prevaleceu o entendimento de que a imposição dos limites em 2021 se justificava na necessidade de ações de saúde e de assistência social em razão da pandemia da Covid-19 e na exigência do cumprimento dos gastos públicos”. Justo, justíssimo!

Só que a suspensão dos pagamentos devido à emergência de saúde pública abriu uma porta para inadimplência dos precatórios, que continua semiaberta até hoje. O governo parece procurar uma saída com um exercício de retórica. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, gostaria de continuar separando o pagamento em duas tranches. Denominaria uma delas como despesa primária e outra como a parte financeira, que ficaria fora das regras fiscais.

Cheira mais a arranjo do governo Lula, que não só implodiu o teto de gastos como conseguiu pagar somente metade dos precatórios a vencer no período de dois anos. O argumento foi o de que a herança fiscal de Bolsonaro era impossível de ser cumprida. Mais um precedente discutível, que considera judicialmente perfeita a inadimplência da União devido a equívocos cometidos pelo governo anterior. No mesmo pacote de perdão temporário dos precatórios entraram cobras e lagartos de irresponsabilidade dos gastos.

Com o governo Lula, o fim do flagelo na saúde e a comprovação contábil de que a herança fiscal da gestão Bolsonaro inviabilizaria o cumprimento das metas fiscais, o Executivo voltou ao STF para demonstrar a impossibilidade de honrar as regras. Em dezembro de 2023, por maioria de votos, o Supremo autorizou alterações implementadas em 2021 no regime constitucional de precatórios. Mas amaciou a pancada, permitindo que os precatórios não pagos durante o “período de exceção” fossem quitados sempre em três parcelas anuais a partir de sua expedição: 40% no primeiro ano; 30% no segundo; e 30% no terceiro.

Assim, o governo poderá pagar em mais parcelas até o fim do ano seguindo esses percentuais. Aqueles que venceram originalmente em 2022 seriam pagos em 2023 e 2024. O regime prossegue em vigor em 2025, ou seja, o governo difere o pagamento dos precatórios. Vale o mesmo para o comprometimento com o passivo da União, neste ano: parte é pago por fora das regras fiscais.  Mas, a partir de 2027, é incêndio na floresta.

O dispêndio com precatórios não poderá ser diferido e impactará diretamente o resultado primário, inviabilizando o arcabouço fiscal. Conforme as projeções atuais, as despesas seriam de mais R$ 124 bilhões em precatórios em 2027; R$ 132 bilhões, em 2028; e R$ 144 bilhões no final de 2029. O histórico do crescimento do inadimplemento do governo dá razão à legião de analistas que consideram impossível a manutenção do déficit fiscal.

Um trabalho realizado no âmbito do IPEA, com números não atualizados, mas que servem como uma bússola para o buraco dos precatórios, informa que de 2013 a 2018 o crescimento desses títulos foi de 783%, para uma inflação de 88%. A tendência é que os precatórios avancem mais, devido ao descontrole dos gastos do governo e ao próprio serviço da dívida. Bem, mesmo que a Justiça assegure que o governo vai honrar o inadimplemento, o “precatorista” não deve ficar tão seguro assim.

O governo federal tem a prerrogativa de tentar cancelar o precatório por meio de uma ação rescisória. Isso pode ocorrer, desde que dentro de dois anos de transitado em julgado, em caso de a União querer rever o valor acordado por alguma razão. Assim, se essa ação rescisória for julgada procedente, mesmo com o precatório expedido e assinado pelo presidente do STF, ele pode ser cancelado através de ofício requisitório.

Contudo, no jogo das contas da União a moeda tem duas faces: de um lado, a dívida contra o governo; do outro, a favor do governo, leia-se a dívida ativa, que de ativa não tem nada. Fica encostada como um lixão. Hoje seu valor alcança R$ 2,7 trilhões, entre débitos tributários e não tributários. É claro que no meio desse montante existem muitos detritos.

Um exemplo do que representa esse entulho: o passivo da velha Varig, que quebrou em 2006, inscrito na dívida ativa da União é da ordem de R$ 10 bilhões. São tantos trilhões que, no meio desses dejetos, sempre é possível extrair algumas pepitas. Alguns empecilhos ao uso da dívida ativa como instrumento de mitigação do resultado primário já foram devidamente desobstruídos.

É o caso da securitização, proibida até meados da década passada. Trata-se de um processo pelo qual o governo vende seus créditos de inadimplidos (débitos que pessoas físicas ou jurídicas têm junto ao governo e não foram pagos) para o setor privado, permitindo a antecipação de receitas. Já é um início. Ainda que pálido. Em 2027, o buraco do orçamento previsto é de R$ 10 bilhões. Não é à toa que há um lobby poderoso para desvincular os gastos constitucionais com saúde e educação e usar os recursos para a redução do déficit orçamentário.

A título de sarcasmo, uma parte também poderia ser utilizada em emendas parlamentares. Os recursos livres para o governo tocar os gastos com despesas discricionárias e investimentos cairão de R$ 208 bilhões para R$ 122 bilhões entre 2026 e 2027. É a crônica da morte anunciada do arcabouço.

Voltando à dívida ativa, no apagar das luzes do ano passado, o governo colaborou para valorizar alguma parcela dos débitos, anunciando uma espécie de anistia do serviço do passivo, permitindo a quitação dos débitos com descontos de até 100% dos juros, honorários e multas em até 14 prestações. Por enquanto, o tempo passa, e a recuperação da dívida é residual frente aos enormes desafios fiscais.

Até outubro de 2024, segundo dados da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, o governo recebeu R$ 49,2 bilhões de volta. Em 2023, recuperou quase a mesma coisa, ou seja, R$ 48,27 bilhões. O RR conversou com um ex-professor da PUC-RJ, dos mais criativos e presente nas mídias, que apresentou uma proposta diversa de tudo o que foi dito até agora: transformar os precatórios e a dívida ativa em uma quase moeda, securitizada e negociada sob a forma de um fundo ou fundos em um mercado de balcão as ser criado.

Ambos, passivos e ativos, teriam de sofrer uma varredura, de maneira que tanto um quanto o outro estivessem livres das baratas e aranhas contidas nos dois lados. O(s) fundo(s) seria(m) regulamentado(s) pela PGNF, com a participação do Ministério Público e de auditoria independente para a análise do valor da dívida ativa ou dos precatórios. O(s) fundo(s) seria(m) aberto(s) no mercado de balcão, com todas as exigências regulamentadas pela CVM – existe já uma legislação na autarquia que dá regramento ao mercado de balcão. Diversas variáveis seriam consideradas para formação do preço do(s) fundo(s) de dívida ativa e precatórios: condição jurídica do ativo ter sido transitado e julgado na Justiça, prazo de vencimento, parcelamentos, empresas quebradas, e tantos outros quesitos que limpassem os títulos dos restos impagáveis ou “irrecebíveis”. O que sobrasse, write off neles.

Os títulos da dívida somente valeriam para a aquisição de precatórios ou dos títulos decorrentes da sua securitização (fundos de precatórios). A perspectiva é que fosse criado um mercado secundário dos créditos e débitos da União. A ideia é original. E já há quem esteja pensando em algo que a tangencie. A Lei Complementar n°621, de 1° de fevereiro, autoriza o Poder Executivo do Rio Grande do Norte a instituir fundo orçamentário, denominado fundo especial de créditos inadimplidos e dívida ativa do estado, com a finalidade de facilitar a gestão de ativos e receitas do Rio Grande do Norte.

O chamada Fecidat/RN, conforme é denominado o fundo especial, “detém como ativo permanente todos os créditos inadimplidos, inscritos ou não na dívida ativa, de natureza tributária ou não, que estejam com parcelamento em vigor ou não, ou que não estejam com a exigibilidade suspensa, bem como as demais receitas decorrentes da sua atuação”. E os precatórios nisso? Trata-se de uma estrada paralela, cujas linhas se encontram infinitamente mais próximas do que o infinito. Se a ideia da securitização for pensada realmente como solução para os precatórios e a dívida ativa, mesmo assim ela não substituiria uma reforma estrutural dos gastos do governo. Mas já seria uma semente.

Outra vertente poderia ser a criação de um sistema de registro para os precatórios em uma modelagem do tipo blockchain, com a emissão de tokens representativos de certificados dos precatórios. É claro que teria de ser feita uma normalização de procedimentos para que precatórios de iguais classe e tipo estivessem na mesma cesta. De igual modo, poderiam ser criados fundos com lastro em débitos de dívida ativa e organizados por classe, permitindo que ocorresse a circularização entre direitos de detentores, securitizados, de precatórios com débitos de dívida ativa.

Esse mecanismo abriria caminho para realizar o que quase todo Refis estadual permite: o pagamento em parte ou do todo de uma dívida de uma pessoa física ou jurídica com créditos de precatórios, tudo em um mercado organizado e transparente. Essa engrenagem possibilitaria a ressurreição das empresas securitizadoras abertas por alguns estados. Mas aí é melhor descer à terra, pois já está virando um “Plano Real do Inadimplemento Fiscal”.    

#STF #União

Falta combinar com os militares

14/10/2020
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O secretario especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, Digo Mac Cord, tem falado insistentemente na venda de imóveis da União – diz, inclusive, que já foram mapeadas sete formas de monetização desse patrimônio. Até agora, no entanto, no que diz respeito especificamente à desmobilização de ativos imobiliários das Forças Armadas, são poucas as informações compartilhadas com o Ministério da Defesa. A Pasta não tem detalhes do quanto a medida atingirá instalações usadas pelas três Forças.

O Ministério da Economia, segundo o RR apurou, tem feito estudos que contemplam a venda de algumas das dezenas de ilhas pertencentes à União e historicamente administradas pela Marinha. Outra possibilidade cogitada é a negociação de áreas ociosas em terrenos ocupados por bases da Força Aérea – são seis no total (Canoas, Fortaleza, Natal, Recife, Santos e Campos dos Afonso, no Rio de Janeiro). A equipe econômica estaria levantando ainda outros ativos imobiliários, como depósitos e prédios usados pelas Forças Armadas.

Procurado, o Ministério da Defesa não se pronunciou. Paulo Guedes e sua equipe já sinalizaram algumas vezes a intenção de vender também a parte da União nos chamados terrenos de Marinha, ocupados pelo regime de aforamento – esses bens são divididos na proporção de 17% para o Estado e 83% para o seu proprietário privado. Estima-se que existam em todo o país cerca de 600 mil imóveis nessas condições. As projeções oficiais de arrecadação são esquizofrênicas: desde o início do mandato de Bolsonaro, integrantes da equipe econômica já sopraram publicamente estimativas que vão de R$ 3 bilhões a incríveis R$ 100 bilhões.

#Forças Armadas #Ministério da Economia #União

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