A gestão de Magda Chambriard, eleita na manhã de hoje para a presidência da Petrobras, começa sob muitas dúvidas e poucas certezas. A forma como o acionista controlador da vez enxerga a estatal é sabida. Os planos do governo Lula para a empresa são cantados e decantados desde a campanha eleitoral. No entanto, em um ano e meio de mandato, muito pouco ou quase nada andou, por questões variadas e complexas que vão além deste ou daquele presidente. Nesse contexto, o que esperar da Petrobras de Magda Chambriard? O RR realizou uma sondagem junto a oito especialistas da área de petróleo, sendo dois deles da própria companhia, com o objetivo de aferir os caminhos mais ou menos exequíveis para a estatal até o fim do governo Lula em temas-chave. A partir da análise, foi possível classificar cada tópico pela sua probabilidade (Muito provável, provável, pouco provável e improvável).
- Retorno ao setor de fertilizantes (Pouco provável)
É público e notório que o governo Lula quer a volta da Petrobras à produção de fertilizantes. A ideia, dita desde a campanha eleitoral, sempre foi usar a empresa para enfrentar um enorme paradoxo: o Brasil é uma potência agrícola que não produz adubo e depende das importações para atender a quase 90% da demanda. Até o momento, no entanto, a Petrobras sequer conseguiu decidir o que fazer com antigos projetos paralisados – como a fábrica de nitrogenados de Três Lagoas (MS), a UFN3 -, quanto mais avançar sobre novos investimentos. Da vontade manifesta do governo à realidade, vai uma grande distância. Entre os especialistas ouvidos pelo RR, há uma descrença de que a Petrobras conseguirá empreender nessa área. A primeira pergunta feita é “Quem será o agente financiador?”. A empresa não conta mais com um orçamento “infinito” como no passado. Construir uma fábrica de fertilizantes é muito caro. A título de exemplo: a UFN3 já consumiu mais de R$ 3 bilhões para a execução de 80% das obras. “Fertilizantes ou refino?”, pergunta um dos consultados, como que já sabendo a resposta. Não cabe tudo no caixa da empresa. Na hora H, a gestão de Magda Chambriard terá de eleger prioridades, e renunciar a projetos, ainda que a contragosto. Os fertilizantes deverão estar nessa segunda categoria.
- Margem Equatorial – (Improvável)
Alguns dos especialistas até dizem ser possível a Petrobras avançar com a Margem Equatorial. Mais do que possível, necessário. Para além das campanhas de exploração em curso, não há outro ativo com tamanho potencial. A “Petrobras fóssil” terá de correr para lá. Mas trata-se de um projeto para médio prazo. O ambientalismo é o protagonista do momento e a companhia terá de cumprir muitas exigências do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente para avançar no projeto. Nomes como Carlos Nobre, o mais respeitado climatologista brasileiro, clamam para que o país não fure novos poços de petróleo. Ou seja, atropelar o Ibama significaria um enorme dano reputacional para o governo Lula. Seria quase que a segunda “Belo Monte”, em referência à desgastante discussão que levou Marina Silva a deixar o governo no segundo mandato do petista. Para completar, há uma COP30 logo ali na frente, em novembro do ano que vem. Nesse contexto, esperar é preciso. Entre os consultados pelo RR, há quem veja que o governo vai tentar ganhar tempo, sem jamais descartar o investimento. Pelo contrário. A Margem Equatorial é um ativo. A ser realizado somente em um tempo futuro qualquer.
- Aumento dos dividendos – (Improvável)
Jean Paul Prates não caiu em vão. O mercado vai espernear, os investidores vão se distanciar da estatal, a companhia muito possivelmente será castigada na bolsa. Paciência! Os analistas ouvidos pelo RR, inclusive os dois nomes da própria Petrobras, praticamente afiançam que a retenção de dividendos veio para ficar. A ordem é gerar caixa para aumentar investimentos. Segundo um estudo do próprio BNDES, entre 2000 e 2021, a Petrobras teve uma participação média de 7% na formação bruta de capita fixo (FBCF). O número, no entanto, esconde uma ladeira, por onde o próprio Brasil rolou. Esse índice chegou ao pico em 2009 (11,1%) até despencar para 2,8% em 2021. A intenção do governo é que a Petrobras volte a ser uma indutora de investimentos. Até porque há um PAC de R$ 1,7 trilhão pela frente.
- Mudança na política de preços (Improvável)
“Qual política de preços?”, pergunta um dos entrevistados, entre o chiste e a provocação. No ano passado, Jean Paul Prates chegou a afirmar que a métrica de precificação dos combustíveis adotada pela empresa tinha 40 mil variáveis. O mercado já se contentaria se Prates tivesse conseguido explicar com clareza umazinha delas, pelo menos. A percepção que se tem é que hoje a política de preços da Petrobras é não ter política. E que esse “modelo” vai permanecer com Magda Chambiard. O mais esperado é que o governo pouco fale sobre o assunto. E a nova CEO, também. E o que tiver de ser feito, será feito. Ou melhor, continuará sendo feito. Os preços permanecerão ligeiramente descalibrados para baixo. Quando e se o petróleo tiver uma queda mais significativa, a estatal reduzirá mais um pouquinho. Quando e se o petróleo tiver uma alta mais expressiva, aí a Petrobras vai matar no peito e assumir as perdas, sem repasse ao consumidor. O governo sabe que tem um canhão nas mãos para conter a inflação. E vai usá-lo.
- Retorno à distribuição de combustíveis (Provável)
“Vamos ter surpresas”, foi a frase dita por Jean Paul Prates em outubro do ano passado, ao ser perguntado sobre o retorno da Petrobras à distribuição de combustíveis. A tal surpresa ainda não veio, mas os especialistas são quase unânimes em afirmar que Magda Chambiard terá como uma de suas principais missões pavimentar o caminho de volta da estatal ao segmento. Basicamente, há duas opções. Uma delas é a aquisição de um player do setor. Nesse caso, todos os caminhos levam ao passado, ao reimplante de uma costela que saiu da Petrobras. A ideia de recompra da Vibra, a antiga BR, vai e volta, volta e vai desde o início do terceiro mandato de Lula. Há alguns meses, surgiram notícias sobre estudos na Petrobras para a aquisição de uma fatia entre 20% e 40% da empresa. Não seria uma “brincadeira” lá muito barata. O estatuto da Vibra prevê uma poison pill, obrigando qualquer investidor que atingir 25% de participação a lançar uma oferta para comprar o restante das ações e fechar o capital da companhia. Para isso, teria de pagar a cotação máxima do papel nos 18 meses anteriores, atualizada pela taxa DI mais um prêmio de 15%. Apenas a título de ilustração: se uma oferta fosse realizada hoje, o preço-referência seria R$ 26,60, o pico do papel no último um ano e meio. Pela regra, a aquisição da totalidade das ações da Vibra exigiria algo como R$ 41 bilhões. Uma alternativa levantada por alguns dos analistas que conversaram com o RR seria a compra da Ipiranga, junto ao Grupo Ultra, hipótese que também foi objeto de especulação algumas vezes. A outra possibilidade para o retorno da Petrobras ao setor seria começar uma operação do zero, montando uma rede de postos. Ressalte-se que a estatal tem um ativo, quase que certamente o melhor ativo para regressar ao segmento de distribuição: a marca BR. A estatal já divulgou que não tem interesse de renovar o contrato de cessão do brand para a Vibra, que vence em 2029. Talvez não tenha dito tudo. Há quem acredite na disposição da nova gestão em buscar mecanismos jurídicos para antecipar o fim do acordo e a retomada do direito de uso da bandeira BR.
- Investimentos em transição energética (Muito provável)
Se a estratégia da Petrobras fosse uma moeda, a Margem Equatorial estaria de um lado, e a geração renovável de outro. Ambas não são necessariamente excludentes. Mas a eventual inviabilidade ou mesmo a demora nos planos da Petrobras de explorar a nova fronteira petrolífera reforçam um modelo de negócio em que a energia renovável ganhe relevância. Mesmo porque os motivos que brecam um caminho são os mesmos que empurram na direção do outro: a questão ambiental e a crescente anatematização dos combustíveis fósseis – para não falar da sua finitude. Praticamente tudo que a Petrobras tinha em nova energias – notadamente biocombustíveis – foi desmontado nos governos Temer e Bolsonaro. Os especialistas apontam que o futuro da Petrobras, como de qualquer grande petroleira, é se transformar em um conglomerado energético lato sensu. Um dos consultados da própria Petrobras fez referência ao slogan da gestão de Graça Foster, antes da queda dos preços com a produção de shale gas nos Estados Unidos e a deflagração da Lava Jato: “O desafio é a nossa energia”, um mote que remetia aos planos de diversificação da empresa. O entendimento é que esta será uma das missões entregues pelo governo a Magda Chambriard. O atual plano estratégico da empresa prevê, para o período entre 2024 e 2028, US$ 11,5 bilhões para a descarbonização das operações. É pouco? É muito. “Qualquer coisa já será mais do que a Petrobras fez até agora no atual governo”, diz um dos “árbitros” consultados pelo RR.
- Aumento das operações de refino (muito provável)
Um dos raros pontos unânimes entre os analistas com os quais o RR conversou. A Petrobras vai aumentar consideravelmente os investimentos em refino. Nada mais sintomático do que a renegociação dos Termos de Compromisso de Cessação (TCC) com o Cade, aprovada pelo órgão antitruste exatamente nessa semana. Com isso, a estatal não tem mais qualquer obrigação de vender ativos na área de refino, um compromisso costurado na gestão de Pedro Parente, no governo Temer, e firmado posteriormente, no governo Bolsonaro. A decisão já alimenta especulações sobre o interesse da companhia em recomprar refinarias privatizadas nos últimos anos, como RLAM, Reman e SIX. Pode ser. Mas, por ora, a prioridade da nova gestão será concluir as obras da refinaria Abreu Lima, em Pernambuco. Na lista de possibilidades de novos investimentos foi citada também a retomada mais grandiosa do Comperj e a revisitação dos empreendimentos de refino Premium, no Nordeste.
- Fomento à indústria naval (Provável)
Este foi um dos temas que mais provocou divisão entre os entrevistados no survey. Ninguém duvida do desejo do governo em usar a Petrobras como um instrumento de retomada da construção naval no país. Mas os investimentos no setor têm de estar obrigatoriamente indexados à projetos de exploração e produção de petróleo. E, quase que por osmose, vinculados à estatal. A estimativa é que até 2028 serão investidos cerca de R$ 514 bilhões em E&P no Brasil. Mais de 70% desse valor sairão da Petrobras. Encomendas de embarcações são feitas, na média, com uma antecedência de cinco anos. Ou seja: é possível que pedidos atrelados à expansão das atividades em E&P até 2028 já tenham sido realizados ou estejam na iminência de serem fechados. Em março, a estatal informou que contratará cerca de 200 embarcações de apoio no período, tanto para a substituição de contratos vigentes quanto para o incremento da frota. A empresa estima que “haverá oportunidades de construção de até 38 novas embarcações”. A previsão é de uma demanda por 14 novos navios-plataformas, “com oportunidades para a indústria offshore brasileira.” Seria um ponto de partida para a recuperação do setor de construção naval no Brasil. Outra hipótese levantada na sondagem foi a possibilidade de deslocamento de pedidos que já estivessem sendo negociados com estaleiros internacionais.
- Maior influência política (Muito provável)
O “muito provável” é até pouco para expressar as considerações colhidas na sondagem. Entre os entrevistados houve um consenso, pode se dizer enfático, de que haverá uma maior interferência do acionista controlador na gestão da Petrobras. O alinhamento de ideias e propostas com a gestão Lula foi o critério que mais pesou para a nomeação de Magda Chambriard. Há, inclusive, quem diga que ela está mais para uma “ministra da Petrobras” do que para CEO, diante da expectativa de uma maior observância a políticas de governo. Mas existe também quem faça uma ressalva: o fato de a Petrobras ser controlada pela União não é garantia de uma captura ampla, geral e irrestrita pelo governo. Por premissa, todos os presidentes da República e grupos políticos no poder têm influência sobre a estatal. A questão é o quanto o presidente tem de força para realmente interferir em questões estratégicas e o alcance dessa ingerência. Houve grande evolução na governança da empresa após os escândalos de corrupção e os processos judiciais dentro e fora do Brasil. Por mais incrível que possa soar, Jair Bolsonaro trocou CEO da Petrobras como quem troca de roupa – foram quatro durante o seu mandato – e não conseguir intervir, ao menos não na medida desejada, nas diretrizes da estatal.