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Eduardo Lucano da Ponte, colaborador especial
Não há economia forte sem um mercado de capitais pulsante. Países que experimentaram ciclos longos e sustentados de crescimento contaram, invariavelmente, com um sistema financeiro desenvolvido, ancorado por instrumentos eficazes de mobilização da poupança privada e canalização de recursos para o setor produtivo. Os Estados Unidos talvez sejam o exemplo mais eloquente dessa dinâmica: o mercado de capitais não apenas financia empresas como molda a estrutura da economia real. A força extraordinária que a economia norte-americana demonstrou nos últimos anos se deve, em larga medida, a uma rede robusta de investidores, à fluidez na alocação de capital e à diversidade de seus mecanismos de captação.
O Brasil construiu desde a reforma iniciada pela Lei 4728/65, há exatamente 60 anos, um mercado de capitais avançado, capaz de sustentar um crescimento bem maior do que temos experimentado. No entanto, faltam as condições macro para isso.
O Brasil tem enormes atributos: uma lei que disciplina a atuação das companhias abertas que captam recursos pela emissão e venda de suas ações; um órgão regulador e fiscalizador – a Comissão de Valores Mobiliários – que tem cumprido eficazmente sua missão; e uma sofisticada indústria de fundos de investimentos para aglutinar as poupanças individuais e aplicá-las no financiamento das empresas. Ao longo do tempo, os fundos de pensão passaram a aplicar no mercado de capitais, conferindo maior estabilidade à demanda pelos títulos. Surgiram novos segmentos como venture capital, private equity, crowdfunding e iniciativas de mercado de acesso para atender às empresas emergentes, assim como uma indústria de gestão de investimento independente das grandes instituições financeiras. Em determinado momento, todos esses avanços se refletiram em cifras.
Na última janela de oportunidade, entre 2019 e 2021, o mercado de capitais brasileiro foi o instrumento para as companhias captarem mais de R$ 500 bilhões por meio da emissão de títulos privados, valor mais de três vezes superior ao que o BNDES liberou no mesmo período (cerca de R$ 140 bilhões). O movimento refletiu um ambiente de juros baixos, maior apetite de risco por parte dos investidores e o fortalecimento de canais privados de financiamento — especialmente via fundos e family offices. Foi um momento em que o Brasil ensaiou uma mudança de paradigma: menos dependência do Estado, mais protagonismo do mercado. Ressalte-se que mesmo os números citados acima, referentes à virada da década, não fizeram jus ao potencial do mercado de capitais no país. Com um ambiente de negócios menos hostil e maior segurança e previsibilidade econômica, o mercado brasileiro pode, sem qualquer exagero, decuplicar de tamanho.
Há bom tempo, entretanto, praticamente não ocorrem emissões expressivas de novas ações para financiar a expansão das companhias. O investimento real que gera mais produto, crescimento, emprego e arrecadação tributária saudável está inibido pela falta de atividade no mercado de capitais. A causa é um ambiente de incerteza sobre a evolução das variáveis macroeconômicas no Brasil que trava o funcionamento desse mercado. Forma-se, então, um ciclo vicioso e nefasto. Sem novas emissões, o mercado de capitais perde sua principal função: alocar recursos privados em projetos de longo prazo com potencial de retorno econômico e social. O impacto é direto sobre o PIB potencial: sem investimento, sem ganhos de produtividade expressivos ou geração sustentada de arrecadação.
São muitas as incertezas. Há dúvidas sobre a evolução da inflação, cuja aceleração é altamente desorganizadora da atividade econômica. O mesmo se aplica à permanência dos juros reais em patamares muito maiores do que a taxa interna de retorno dos negócios, o que inviabiliza a alavancagem financeira das empresas. Outro fator de instabilidade é a sustentação da demanda, que, em algum momento, terá de ser contida para controlar a alta de preços. O mercado precifica incertezas e posterga decisões de investimento diante de sinais fiscais ambíguos e ruídos regulatórios. Além disso, a ausência de reformas estruturais e a judicialização de políticas públicas agravam o quadro de insegurança. A soma desses fatores mantém o custo de capital elevado —
e afasta empresas do mercado de ações como alternativa de financiamento.
O potencial dinâmico do setor privado está sendo desperdiçado e precisa ser destravado por uma reformulação das políticas públicas que dê tranquilidade aos empreendedores e investidores. A paralisação do mercado de capitais é apenas uma evidência disso.
É necessária uma reconfiguração da atuação do papel do Estado, menos como agente direto de investimento produtivo e mais como indutor e catalisador do capital privado. O mercado de capitais brasileiro está preparado para dar conta do desafio de financiar o desenvolvimento das empresas e do país. Sem um mercado de capitais pujante será praticamente impossível superar os últimos 50 anos de estagnação da renda per capita, em que fomos largamente ultrapassados por várias nações em desenvolvimento.
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