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O que precisa ser dito

Quando a recomendação pode virar manipulação de mercado?

14/05/2025
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O mercado de capitais não é imune a narrativas — ele é feito delas. Mas, quando a palavra de um influenciador vira o estopim de uma disputa judicial por manipulação, surge a pergunta incômoda: até onde vai a liberdade de opinar quando há dinheiro em jogo?

No caso explosivo entre a Hectare Capital e duas frentes distintas — a casa de análises Suno e agentes vinculados à XP — essa pergunta saiu das redes e invadiu os autos. O que começou como uma crítica a um fundo imobiliário se transformou em mandados de busca e apreensão, ações judiciais e uma investigação da CVM. Tudo porque uma opinião — com ou sem conflito de interesse — teria impactado o preço de mercado de um ativo.

Mas o problema não é novo. Em um ambiente saturado de vozes, ser pago para opinar é inevitável. Se um analista critica um produto concorrente enquanto recomenda outro — ainda que remunerado para isso — devemos julgar a origem da fala ou a substância do argumento?

Pense no dentista contratado para promover um novo flúor. Ao desaconselhar a marca antiga e recomendar a patrocinada, ele está manipulando? Ou está apenas emitindo uma opinião incentivada — mas tecnicamente defensável?

Se um influenciador é pago para criticar e, ainda assim, apresenta dados, fundamentos e uma tese coerente — estamos diante de um crime, de um conflito, ou apenas de um mercado onde, nas palavras de Guimarães Rosa, pãos ou pães sempre foram questão de “opiniães”?

Este artigo começa aqui — no limite tênue entre liberdade de expressão, transparência e o risco de transformar recomendação sobre um papel em arma.

 

Entenda o Caso Hectare x Suno e XP — e o cerne da discussão sobre a legítima influência sobre o preço exercida por uma casa de análise

 

Em fevereiro de 2022, o mercado financeiro brasileiro testemunhou o início de uma disputa emblemática entre a gestora Hectare Capital e a casa de análises Suno. A Hectare acusou a XP e a Suno de promover uma campanha orquestrada para desvalorizar seu fundo imobiliário HCTR11, com o objetivo de favorecer o SNCI11 — fundo gerido pela própria Suno e lançado no mesmo período.

A tensão escalou até culminar, em 14 de fevereiro de 2023, numa operação de busca e apreensão que mobilizou oficiais de justiça em três cidades — São Paulo, Porto Alegre e Goiânia. Computadores e celulares de sócios e funcionários foram apreendidos. O mandado, expedido em segredo de justiça, foi obtido a partir de uma ação de produção antecipada de provas movida pela Hectare.

  1. A disputa com a Suno

Segundo a Hectare, a Suno e seus agentes teriam usado suas plataformas, entre os dias 12 e 16 de abril de 2022, para desferir críticas sistemáticas ao HCTR11 em um momento sensível: a 13ª emissão de cotas do fundo estava em andamento.

O impacto foi imediato: as cotas, que variavam entre R$ 103,70 e R$ 105, recuaram para R$ 90,39 — menor valor desde o IPO. A captação, naturalmente, fracassou. A Hectare argumenta que as ações se enquadrariam no conceito de boiler room — um ambiente de pressão mercadológica deliberadamente criado com base em informações sabidamente enganosas, com o objetivo de induzir movimentos artificiais de mercado.

Mensagens atribuídas a um agente reforçaria a acusação, no qual ele teria consultado um advogado sobre “algum ângulo para explorar negativamente” o HCTR11. Para a gestora, a crítica não era apenas técnica — era estratégica e orientada por interesses comerciais diretos: uma campanha de publicidade negativa meticulosamente orquestrada.

A Suno se defendeu, alegando que jamais negociou, negocia ou pretende negociar cotas do HCTR11, e que suas análises seguem controles internos rigorosos e respeito à legislação aplicável.

A complexidade do caso lança luz sobre a estrutura dual da Suno — que opera simultaneamente como casa de análise e gestora de ativos. A legislação admite essa coexistência, mas exige barreiras internas sólidas, as chamadas Chinese Walls, para impedir a contaminação entre análise e interesse comercial.

De fato, a própria Suno já havia, em relatório de fevereiro de 2022, apontado falhas de transparência na gestão do HCTR11, como sobreposição de operações e ausência de relatórios de risco. Na época, preferiu não emitir recomendação formal de compra ou venda — um alerta técnico que, meses depois, se intensificaria no auge da nova emissão.

Além da disputa judicial, a Hectare apresentou uma denúncia à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) contra a Suno e uma notícia-crime à Polícia Federal, que resultaram na abertura de inquérito — ambos em tramitação sob sigilo.

Segundo apuração do jornalista Diego Felix, publicada na Folha de S.Paulo em 5 de fevereiro de 2024, documentos internos da investigação da CVM apontam evidências de que a Suno teria agido para prejudicar a Hectare.

A Suno, em nota à imprensa, afirmou que sempre prestou todos os esclarecimentos solicitados pelas autoridades e reafirmou seu compromisso com a transparência e com o investidor pessoa física. Ainda, a Suno alega que as críticas ao HCTR11 não surgiram no calor da disputa, mas vinham sendo construídas de forma contínua ao longo de meses, com base em riscos reais identificados na estrutura jurídica e na governança dos ativos sob gestão da Hectare.

Um exemplo central citado pela defesa da Suno e um de seus analistas diz respeito ao ativo Circuito de Compras São Paulo SPE Ltda., cuja estrutura teria levantado sérias dúvidas sobre a transparência dos fluxos financeiros, os critérios de precificação e a governança das operações incorporadas ao portfólio do HCTR11.

Segundo a Suno, o histórico de críticas à Hectare remonta a um período anterior a qualquer confronto direto ou lançamento de fundo concorrente. A ausência de resposta da gestora a reiterados pedidos de esclarecimento teria, inclusive, motivado comunicações formais à CVM, apontando riscos de governança e potenciais conflitos de interesse associados à administração do fundo.

Esse ponto é crucial porque desafia diretamente a tese da Hectare de que a Suno teria “inventado” uma narrativa crítica com o único propósito de sabotar sua captação. Ao contrário: o que se delineia nos autos da defesa é uma sequência consistente de manifestações públicas e técnicas, com fundamento pré-existente, sobre temas como a concentração de ativos em SPEs com baixa transparência, a ausência de relatórios de risco e a adoção de métodos questionáveis para a rentabilização do fundo.

Nos agravos apresentados, os advogados de defesa reforçam ainda que o processo movido pela Hectare configuraria uma tentativa de instrumentalizar o Judiciário como mecanismo de silenciamento — uma retaliação travestida de tutela cautelar, dirigida contra vozes que exerciam uma função legítima de crítica técnica no mercado.

Dessa forma, o litígio transcende o embate entre players e se projeta como um debate institucional mais amplo: até que ponto uma crítica técnica pode ser considerada incômoda — e quando o incômodo se transforma, indevidamente, em litígio?

 

  1. A disputa com a XP: a alegação de uma campanha subterrânea visando a desmoralização da Hectare

O segundo eixo do conflito jurídico se voltou contra a XP Investimentos e agentes autônomos a ela vinculados, incluindo os escritórios Rio Capital e Criteria Investimentos. A Hectare alegou que esses agentes, a partir de abril de 2022, passaram a disseminar, por canais internos e contatos com investidores, informações infundadas e alarmistas sobre a suposta insolvência do fundo HCTR11.

Segundo informações obtidas, assessores financeiros teriam alertado cotistas para “zerar posição” no fundo “antes que o dinheiro virasse pó”. Em supostos diálogos registrados, os agentes citavam como base para suas recomendações materiais internos, atribuídos à própria XP, embora nunca tenham fornecido cópias ou evidências concretas.

De acordo com a inicial da ação de produção antecipada de provas, juntada como anexo público em agravos posteriores, há o relato de um investidor que teria sido aconselhado por agentes da Rio Capital a sair imediatamente do HCTR11, sob a justificativa de que parte dos ativos do fundo estaria vinculada a um esquema de luvas — “quase uma propina” conforme escrito na petição — e em vias de inadimplência. Quando pressionados, os assessores afirmaram que as informações tinham sido repassadas pela XP, mas se recusaram a apresentar qualquer documentação de suporte, alegando tratar-se de material confidencial.

Além dessas conversas, o documento menciona um informe de 12 páginas, elaborado pela Criteria Investimentos e compartilhado via WhatsApp, que apontava uma série de operações supostamente arriscadas, descrevendo o fluxo de capital do HCTR11 como “comprometido” e sugerindo que o fundo “manipulava seu capital para evitar um default”.

Para a Hectare, esse conjunto de medidas implementadas pelos réus configuraria uma campanha orquestrada para induzir pânico de mercado e direcionar investidores a fundos concorrentes — inclusive o VGHF11 e o MCHF, coordenados pela própria XP, e indicados pelos mesmos agentes como alternativas mais seguras no mesmo período.

A XP, por sua vez, negou qualquer envolvimento institucional, afirmou que não produziu relatórios com esse conteúdo e declarou que jamais sugeriu inadimplência do HCTR11. Também reforçou que não foi formalmente intimada na ação e se desvinculou das iniciativas dos escritórios autônomos.

 

  1. TJSP extingue processo e o mercado continua: Suno, Hectare e o alerta estrutural para fundos imobiliários

No dia 5 de junho de 2024, a 1ª Câmara Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu pela extinção da ação de produção antecipada de provas movida pela Hectare Capital contra a Suno. A decisão parece querer extinguir a etapa mais visível do litígio civil que, no ano anterior, havia culminado em mandados de busca e apreensão nos escritórios da Suno em São Paulo, Goiânia e Porto Alegre.

Mas a disputa está longe de terminar. A Hectare declarou que pretende recorrer da decisão e afirmou que outras frentes do conflito permanecem ativas — em especial, o inquérito em sigilo na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e uma notícia-crime protocolada na Polícia Federal. Segundo revelou reportagem da Folha de S.Paulo, a gestora sustenta que a operação judicial era necessária para apurar indícios de condutas que extrapolariam o direito de crítica e configurariam manipulação deliberada de mercado.

Do outro lado, a Suno manteve sua linha narrativa. Em nota, reafirmou a legitimidade de sua atuação como casa de análise independente, reforçou seu compromisso com os investidores individuais e declarou que sempre operou dentro dos limites legais e regulatórios.

O pano de fundo dessa batalha, no entanto, vai além do embate jurídico. O caso trouxe à tona fragilidades estruturais de uma fatia significativa do mercado de fundos imobiliários — especialmente os chamados “fundos de papel” high yield, que operam com Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) de maior risco em troca da promessa de dividendos elevados.

O HCTR11, foco da controvérsia, é símbolo desse modelo. Em setembro de 2023, surpreendeu seus mais de 200 mil cotistas com um corte de 66% no valor dos rendimentos distribuídos — o maior desde o IPO do fundo. O impacto foi imediato. Além da frustração financeira, o episódio reacendeu questionamentos sobre a real sustentabilidade dos proventos gerados por estruturas de maior alavancagem.

Como apontou reportagem do Valor Investe, publicada em 21 de setembro de 2023, o episódio escancarou a fragilidade da tomada de decisão baseada exclusivamente em dividendos passados. Muitos investidores continuam escolhendo produtos pela promessa de retorno mensal, sem considerar a qualidade dos ativos, a robustez das garantias ou a resiliência do fluxo financeiro.

Especialistas ouvidos pela publicação do Valor Investe alertaram que fundos como o HCTR11 são mais expostos a inadimplência, atrasos de pagamento e deterioração de garantias — riscos que permanecem invisíveis até o momento em que se concretizam. A materialização desses riscos mostrou que, em determinados segmentos, o apetite por yield pode engolir a análise de fundamento.

 

Autópsia Conclusiva: entre o limiar do abuso e da liberdade de expressão

 

Os conflitos jurídicos em torno da disputa entre Hectare e Suno — e, em paralelo, com a XP — iluminam um ponto de tensão estrutural no mercado de capitais: o limite entre crítica fundamentada e manipulação de preços.

Mais do que um embate reputacional, o caso exige retorno ao núcleo duro da regulação — em especial ao art. 27-C da Lei nº 6.385/76, à Resolução CVM nº 20/2021 e, de forma complementar, à Resolução CVM nº 179/2023, que atualizou os padrões de transparência exigidos de analistas, distribuidores e intermediários quanto à remuneração e aos potenciais conflitos.

A Lei do Mercado de Capitais (Lei nº 6.385/76), que instituiu a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em seu artigo 27-C, exige materialidade concreta para que se configure o crime de manipulação de mercado. Não basta uma crítica ruidosa ou um movimento brusco no preço de um ativo. Para que haja manipulação, é necessário comprovar a existência de intenção deliberada, meio apto e efeito artificial sobre o preço ou volume negociado de um valor mobiliário, com o objetivo de obter vantagem indevida ou causar prejuízo a terceiros.

Manipulação não se presume — ela precisa ser demonstrada com densidade probatória. O simples fato de um analista ser remunerado, ou de haver um conflito de interesses declarado, não basta para configurar manipulação de mercado. Para ser considerada manipuladora, a recomendação precisa ser dolosa, dissimulada e descolada de qualquer base técnica legítima.

A Resolução CVM nº 20/2021 aprofunda esse filtro. O art. 12 exige que o analista atue com probidade, boa-fé e ética profissional; o art. 8º impõe a adoção de código de conduta com compromisso ativo com a veracidade das informações. Ou seja: não é a identidade do analista que define a licitude da crítica — é a substância da análise.

E a Resolução CVM nº 179/2023 fortalece esse arcabouço ao exigir disclosure expresso, estruturado e acessível sobre formas de remuneração e potenciais conflitos de interesse — inclusive em plataformas digitais. O art. 26-A impõe que intermediários informem, de forma clara e ostensiva, qualquer remuneração associada à recomendação de valores mobiliários. Já o art. 26-E exige que o cliente seja alertado, no exato momento da ordem de investimento, sobre o impacto econômico daquele vínculo.

Esse novo arcabouço reforça uma lógica essencial: o mercado não exige neutralidade — exige transparência. E, com ela, impõe-se juízo técnico sobre o conteúdo.

Casas de análise não operam num vácuo. O mercado é um ecossistema de incentivos — e não há problema nisso. Quando um analista critica um produto concorrente enquanto recomenda outro, é necessário examinar dois eixos: (i) se houve disclosure claro e tempestivo; (ii) se a crítica possui fundamento técnico verificável.

O primeiro é uma questão de forma; o segundo, de substância.

Em outras palavras: a análise deve ser julgada pelo conteúdo — não pela remuneração de quem a profere. Assim como se distingue conflito formal de material, também é necessário separar opinião vendida de opinião inválida. A primeira pode ser antiética se mal revelada. A segunda, só será ilícita se dolosa, manipuladora, desprovida de base.

O mercado está repleto de “hired guns” — analistas pagos para opinar, influenciadores patrocinados, consultores bancados por fundos. Isso, por si, não contamina a mensagem. O que importa é: o conteúdo se sustenta? Tem lógica, dados, método? Ou é apenas espuma performática travestida de análise?

A informação patrocinada, quando revelada e sólida, pode contribuir legitimamente para a descoberta de preço. Pode alertar para riscos ignorados. Pode até corrigir disfunções assimétricas. O que o mercado — e a regulação — não tolera é o uso dissimulado da credencial técnica como arma de guerra competitiva.

Para além dessas discussões sobre limite de opinião, o caso lança luz a uma questão secundária: a fragilidade estrutural do investidor de varejo frente a produtos complexos. A queda de 66% nos proventos do HCTR11 em 2023 mostrou que o problema vai além do jurídico — há um descompasso brutal entre o apetite por dividendos e a real capacidade de avaliar risco de crédito.

Em um ambiente onde os proventos pingam com facilidade, e os relatórios nem sempre são lidos até o fim, a lição é clara: nem tudo que reluz é dividend yield.

A liberdade de análise e expressão é ativo vital para a eficiência informacional do mercado. Silenciar críticas tecnicamente estruturadas com base apenas em interesses concorrenciais cria um precedente perigoso. A descoberta de preços depende de embate entre visões conflitantes — mesmo quando incômodas.

Por isso, a crítica — ainda que ácida, ainda que patrocinada — deve ser testada em sua robustez, não em sua origem. Se for rasa, que seja exposta. Se for sólida, que seja absorvida. Manipulação exige mais que desconforto: exige dolo, artifício, distorção. E isso — ao menos por enquanto — ainda precisa ser provado.

Nesse cenário, a estratégia adotada pela Hectare se torna objeto legítimo de escrutínio. Não se teve acesso às provas que embasaram os pedidos cautelares — e abusos, se houver, devem ser investigados. Mas a resposta via litígio, sem engajamento técnico público, não passou incólume. Ao evitar o debate transparente, a gestora se deixou à mercê do mesmo tipo de crítica que tentou judicializar.

A Hectare tem, sim, o direito de acionar o Judiciário para fazer sua defesa institucional. Mas esse direito traz consigo ônus reputacional: quando a resposta à crítica é silêncio técnico e judicialização seletiva, o mercado percebe. E, como sempre, precifica.

Matheus Ramalho é colaborador especial do Relatório Reservado

#Investimento #Mercado

O que precisa ser dito

O mercado de capitais está pronto. Falta o ambiente de negócios

11/04/2025
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Eduardo Lucano da Ponte, colaborador especial

Não há economia forte sem um mercado de capitais pulsante. Países que experimentaram ciclos longos e sustentados de crescimento contaram, invariavelmente, com um sistema financeiro desenvolvido, ancorado por instrumentos eficazes de mobilização da poupança privada e canalização de recursos para o setor produtivo. Os Estados Unidos talvez sejam o exemplo mais eloquente dessa dinâmica: o mercado de capitais não apenas financia empresas como molda a estrutura da economia real. A força extraordinária que a economia norte-americana demonstrou nos últimos anos se deve, em larga medida, a uma rede robusta de investidores, à fluidez na alocação de capital e à diversidade de seus mecanismos de captação.

O Brasil construiu desde a reforma iniciada pela Lei 4728/65, há exatamente 60 anos, um mercado de capitais avançado, capaz de sustentar um crescimento bem maior do que temos experimentado. No entanto, faltam as condições macro para isso.

O Brasil tem enormes atributos: uma lei que disciplina a atuação das companhias abertas que captam recursos pela emissão e venda de suas ações; um órgão regulador e fiscalizador – a Comissão de Valores Mobiliários – que tem cumprido eficazmente sua missão; e uma sofisticada indústria de fundos de investimentos para aglutinar as poupanças individuais e aplicá-las no financiamento das empresas. Ao longo do tempo, os fundos de pensão passaram a aplicar no mercado de capitais, conferindo maior estabilidade à demanda pelos títulos. Surgiram novos segmentos como venture capital, private equity, crowdfunding e iniciativas de mercado de acesso para atender às empresas emergentes, assim como uma indústria de gestão de investimento independente das grandes instituições financeiras. Em determinado momento, todos esses avanços se refletiram em cifras.

Na última janela de oportunidade, entre 2019 e 2021, o mercado de capitais brasileiro foi o instrumento para as companhias captarem mais de R$ 500 bilhões por meio da emissão de títulos privados, valor mais de três vezes superior ao que o BNDES liberou no mesmo período (cerca de R$ 140 bilhões). O movimento refletiu um ambiente de juros baixos, maior apetite de risco por parte dos investidores e o fortalecimento de canais privados de financiamento — especialmente via fundos e family offices. Foi um momento em que o Brasil ensaiou uma mudança de paradigma: menos dependência do Estado, mais protagonismo do mercado. Ressalte-se que mesmo os números citados acima, referentes à virada da década, não fizeram jus ao potencial do mercado de capitais no país. Com um ambiente de negócios menos hostil e maior segurança e previsibilidade econômica, o mercado brasileiro pode, sem qualquer exagero, decuplicar de tamanho.

Há bom tempo, entretanto, praticamente não ocorrem emissões expressivas de novas ações para financiar a expansão das companhias. O investimento real que gera mais produto, crescimento, emprego e arrecadação tributária saudável está inibido pela falta de atividade no mercado de capitais. A causa é um ambiente de incerteza sobre a evolução das variáveis macroeconômicas no Brasil que trava o funcionamento desse mercado. Forma-se, então, um ciclo vicioso e nefasto. Sem novas emissões, o mercado de capitais perde sua principal função: alocar recursos privados em projetos de longo prazo com potencial de retorno econômico e social. O impacto é direto sobre o PIB potencial: sem investimento, sem ganhos de produtividade expressivos ou geração sustentada de arrecadação.

São muitas as incertezas. Há dúvidas sobre a evolução da inflação, cuja aceleração é altamente desorganizadora da atividade econômica. O mesmo se aplica à permanência dos juros reais em patamares muito maiores do que a taxa interna de retorno dos negócios, o que inviabiliza a alavancagem financeira das empresas. Outro fator de instabilidade é a sustentação da demanda, que, em algum momento, terá de ser contida para controlar a alta de preços. O mercado precifica incertezas e posterga decisões de investimento diante de sinais fiscais ambíguos e ruídos regulatórios. Além disso, a ausência de reformas estruturais e a judicialização de políticas públicas agravam o quadro de insegurança. A soma desses fatores mantém o custo de capital elevado —

e afasta empresas do mercado de ações como alternativa de financiamento.

O potencial dinâmico do setor privado está sendo desperdiçado e precisa ser destravado por uma reformulação das políticas públicas que dê tranquilidade aos empreendedores e investidores. A paralisação do mercado de capitais é apenas uma evidência disso.

É necessária uma reconfiguração da atuação do papel do Estado, menos como agente direto de investimento produtivo e mais como indutor e catalisador do capital privado. O mercado de capitais brasileiro está preparado para dar conta do desafio de financiar o desenvolvimento das empresas e do país. Sem um mercado de capitais pujante será praticamente impossível superar os últimos 50 anos de estagnação da renda per capita, em que fomos largamente ultrapassados por várias nações em desenvolvimento.

#Mercado #negócios

Energia

Os cenários possíveis para a reestruturação da 2W Ecobank

18/10/2024
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A transferência de 85% do capital aos credores não é a única proposta em estudo na 2W Ecobank. O que se diz no setor é que as discussões internas contemplam também outros cenários. Um deles é a venda do controle da companhia a um novo investidor. Outra hipótese seria a alienação de ativos separadamente. Não são muitos. A 2W Ecobank tem um braço de comercialização de energia, com uma carteira de aproximadamente R$ 300 milhões. É dona também do parque eólico Anemus, no Rio Grande do Norte, já em operação. Para fechar, há ainda o projeto de outro complexo eólico, Kairós II, no Ceará. Até agosto, havia também um Kairós I, mas a companhia se viu forçada a entregar o empreendimento ao Darby International Capital, como pagamento de uma dívida de US$ 64 milhões.

Conforme informou o Pipeline, do Valor, ontem, a 2W Ecobank deverá pedir recuperação extrajudicial. Com um passivo de R$ 2 bilhões, o empresário Ricardo Delneri, fundador da empresa, tem sofrido uma forte pressão dos credores. No mês passado, detentores de debêntures emitidas pela companhia para financiar o projeto Anemus executaram uma dívida de R$ 620 milhões, exercendo, assim, a fiança bancária dada pelo BTG Pactual e pelo Banco Sumitomo. Em maio, Delneri esteve perto de vender a 2W para a Matrix Energia, do fundo de investimentos Prisma e do grupo Duferco. No entanto, a Matrix desistiu do negócio.

#Energia Eólica #Mercado #recuperação judicial

Finanças

Fintech mexicana sobrevoa o mercado brasileiro

22/08/2024
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Direto do mercado: desde a manhã de hoje circula a informação de que a fintech mexicana Kapital prepara seu desembarque no Brasil. Depois do Peru e da Colômbia, seria a terceira e mais importante parada no seu plano de internacionalização. A startup desenvolve soluções de gestão financeira para empresas de pequeno e médio porte. No fim do ano passado, a Kapital levantou US$ 40 milhões em sua Série B, além de US$ 125 milhões em debt.

#Fintech #Mercado #México

Economia

Projeções econômicas previam tudo, menos o nó de Lula no mercado

4/07/2024
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O RR sempre achou que as projeções econômicas, principalmente as da área fiscal, partiam do princípio de que deveriam desprezar a velha e boa economia política. Esta última teria uma influência irrelevante nas previsões e, portanto, no seu tempo de alcance. Nos modelos em questão, as projeções sempre são irmanadas, quase unânimes – vide o boletim Focus – e em raras situações  apresentam  considerações  e números de cenários alternativos. As mudanças podem existir ou não, a partir do que está acontecendo naquele exato momento. “Analistas financeiros não jogam pôquer”, é o que se diz no mercado. Correto?
Em grande parte, os cenários realmente independentes da numeralha que os caracteriza, da matemática que determina o porvir, deveriam incluir a ponderação das variáveis da economia política. Cenários são para isso, imagina-se. Alguns exemplos: a flexibilidade das decisões de quem comanda, da avaliação do seu pragmatismo no tempo, do poder concedido aos seus colaboradores, da sua capacidade de ceder, compreender a força dos adversários, fazer o improvável (avaliação do comportamento histórico). Não há nada de errado em dar prioridade aos modelos econométricos e análises gráficas. As projeções têm de partir de algum ponto e, então, derivar, tendo em vista a conjuntura do momento e suas alternativas mais prováveis com base no presente, que é de onde emana o futuro.
A virada de mesa de Lula em relação à política fiscal deveria constar dos diversos modelos que predizem o futuro, como se nada pudesse ser feito, trazendo o amanhã longínquo para as decisões do  presentes. Há algo de estática nessas modelagens. É mais ou menos o que temos na análise macroeconômica hegemônica. Como diz a letra de Arnaldo Antunes: “Que não é, o que não pode ser, que não é o que não pode ser, que não é” . No caso atual, ninguém colocou em algum cenário que Lula é contraditório, capaz de se desdizer e deu a maior prova disso ao assinar a Carra ao Povo Brasileiro, no seu primeiro mandato, voltando atrás em tudo o que ele e seu partido pregavam historicamente. Talvez não haja maior lição para aqueles que consideram o fiscal inamovível – o RR nunca entrou nessa – e não sujeito às condições históricas.
O Presidente da República sempre foi um “populista pragmático”. Lula diz e se desdiz. E agora jantou o mercado, com sua campanha contra Campos Neto, os juros e o corte de gastos. O que vai dizer Gleisi Hoffmann dessa meia volta? Nada. Ela conhece o chefe. E deve saber quando ele fala para os seus e quando ele recuará. Se os analistas previram, nos quesitos não divulgados, que ele está velho, frágil e incapaz de ler a economia com base nos seus fundamentos, a resposta foi dada ontem com as decisões sobre a redução de gastos e o compromisso com o arcabouço fiscal. Lula continua lúcido. E é a maior raposa política do país.

#Lula #Mercado #projeções econômicas

Mercado

Será o ato final do Casino no Pão de Açúcar?

26/04/2024
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Desde ontem, no fim da tarde, há um zunzunzum no mercado de que o Casino estaria prestes a anunciar a venda de uma nova tranche de ações do Pão de Açúcar ou até mesmo sua saída em definitivo do Brasil. O rebuliço na bolsa se retroalimenta com pesadas ordens de aquisição do papel. Um dos players mais frenéticos na ponta compradora seria a SPX Capital, gestora de Rogério Xavier.

#Casino #Mercado #Pão de Açúcar

Destaque

Contratos em aberto ameaçam o setor cafeeiro no Brasil

13/02/2023
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A ameaça de safras com “inconsistências contábeis” em cadeia paira sobre o setor cafeeiro no Brasil. O risco em questão vem da crescente exposição dos players centrais – produtores, tradings e bancos – a contratos mercantis de entrega futura em aberto. Segundo uma fonte do setor, o estoque atual soma cerca de 10 milhões de sacas ou aproximadamente US$ 1 bilhão – o equivalente a pouco mais de 25% das exportações brasileiras do produto no ano passado. Essa cifra tem causado apreensão no mercado, especialmente nas instituições financeiras, a ponta final onde está pendurada toda a estrutura de crédito que faz a roda girar. Como o nome sugere, essa modalidade de contrato prevê a entrega física do café a futuro com base em projeções de produção e preço para os anos subsequentes. Esse tipo de operação, existente apenas no Brasil e na Colômbia, carrega riscos consideráveis e coloca toda a indústria sobre o fio da navalha. Hoje há um razoável grau de alavancagem, que deixa o setor à mercê do imponderável. Uma eventual repetição das condições climáticas adversas registradas no país em safras recentes pode afetar consideravelmente a capacidade de entrega do café e cumprimento do contrato, criando um efeito dominó nos balanços das tradings e, sobretudo, dos bancos.   

O compliance das grandes trading companies não permite que elas trabalhem com um risco excessivo. Essas multinacionais são obrigadas a fazer operações de hedge para o risco de preço e do não recebimento do produto. Ainda assim, não deixa de ser uma potencial bomba relógio: as tradings carregam o hedge para a frente e vão lançando sucessivamente em seus balanços a entrega do café a futuro. Com isso, a ameaça maior recai sobre as instituições financeiras. Não por acaso, diante do excessivo volume de contratos em aberto no país, já circulam rumores no setor de que bancos poderão brecar o crédito a tradings.   

A preocupação dos agentes do mercado cafeeiro no Brasil tem sido alimentada pelo alerta que vem da Colômbia. A modalidade dos contratos mercantis de entrega a futuro criou um rombo no setor no país vizinho. Neste momento, há algo em torno de US$ 200 milhões em acordos não honrados. Essa cifra tende a ser ainda maior. O volume em questão corresponde apenas a exportações firmadas no âmbito da Federação de Cafeicultores da Colômbia, uma espécie de “grêmio cafeeiro” com vinculações paragovernamentais. A Federação responde por aproximadamente um terço das vendas internacionais de café da Colômbia ou algo como US$ 1,2 bilhão. Significa dizer que os contratos mercantis em aberto representam cerca de 18% das vendas feitas pelos membros da instituição. Em tese, a Colômbia tem um hedge natural. Em razão da ligação da Federação com o governo, muito provavelmente o Tesouro colombiano entrará em ação para cobrir as perdas. No Brasil, esse colchão estatal não existe.   

O contrato mercantil para entrega física de café a futuro é um “produto” made in Brazil. A modalidade foi copiada do mercado de petróleo. Só que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Na indústria petrolífera, a imprevisibilidade é muito menor. Cada produtor tem suas reservas quantificadas e auditadas, com a garantia de que terá óleo para entregar. Além disso, um ponto fundamental: não tem seca ou geada a dois ou três mil metros de profundidade.    

#bancos #Brasil #Café #Colômbia #condições climáticas #exportações brasileiras #Mercado #sacas #setor cafeeiro

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