Tag: Constituição Federal
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Editorial
E se Artigo 192 da Constituição voltasse tabelando a Selic?
25/10/2024Se a Assembleia Constituinte estivesse em curso, as condições históricas fossem as mesmas da época e, principalmente, o deputado Fernando Gasparian estivesse vivo, talvez fosse o caso de retrofitar o polêmico artigo 192 da Constituição, que instituiu o tabelamento dos juros reais em 12%. E também de trazê-lo à baila. Voltemos no tempo, a 1988. Do lado de Gasparian estava o senador Fernando Henrique Cardoso; do lado da banca, por sua vez, se destacava o próprio presidente da República, José Sarney, com o aconselhamento do consultor geral da República, Saulo Ramos. A trava de 12% foi aprovada, só que estendida a todas as operações de crédito bancário, o que significa dizer que o spread de todas as instituições financeiras privadas não poderia, constitucionalmente, subir acima desse patamar. A medida não era autoaplicável e exigia uma regulamentação complementar. Como era sem pé nem cabeça, a lei nunca saiu.
Nesse ponto vale a pena rememorar uma conversa que ocorreu na véspera do nascimento da nova Carta Magna e está publicada na Revista Direito GV (V. 17 N. 2). Com a palavra, Saulo Ramos:
“Dia 4 de outubro, fim de tarde. No dia seguinte, seria promulgada a Constituição de 1988 […] O Presidente Sarney me chamou. Reunião no gabinete […]. Assunto: o art. 192 da Constituição […], que, segundo alguns, entraria em vigor ‘na data da promulgação’, e, segundo outros, dependia de lei complementar. A ameaça maior era o § 3º, que fixava os juros reais em 12% ao ano, coisa do Fernando Gasparian, que […] teve a ideia de fixar os juros no texto constitucional, único na história da humanidade e do dinheiro. Mas nem um nem outro sabia o que era juro real, nem a diferença de juro nominal. Muita discussão no gabinete. ‘O sistema vai quebrar!’; ‘Como não cuidaram disso antes?!’; ‘O texto era um inciso do artigo e, de repente, virou parágrafo!’; ‘Vai entrar em vigor?’; ‘Houve sabotagem!’. Resumindo: sobrou para mim. Sugeri elaborar um parecer jurídico que, aprovado pelo Presidente, vincularia o Banco Central, e esse baixaria ato, obrigando o mercado a esperar a lei complementar prevista naquele artigo. As pessoas ficaram aliviadas e se foram. (RAMOS, 2007, p. 277-278)
Pouco depois dessa reunião, Saulo Ramos encontrou Fernando Henrique Cardoso, então senador, em um restaurante de Brasília. Cheio de si, ele afirmou que seu parecer suspendera a Constituição:
Mais um aspecto curioso da discussão sobre o que entraria ou não em vigor deu-se na semana seguinte, no Piantella, restaurante de Brasília, onde fui almoçar e encontrei o então Senador Fernando Henrique Cardoso. Ele me questionou:
— Você pensa que vai impedir a vigência da Constituição com um simples parecer jurídico?
— Penso. E já está suspensa.
E o Supremo Tribunal pensou a mesma coisa. Quando atacaram meu simples parecer jurídico com uma Adin […], acabou a festa. Além de dizer que não entrava em vigor, o STF ainda declarou que a regulamentação legal de todos os comandos do art. 192 teria que ser feita por meio de uma única lei complementar. Uma só.
[…]
Somente em 2004, já no Governo Lula, o artigo 192 da Constituição foi reformado, e aqueles 12% de teto para os juros foram revogados (RAMOS, 2007, p. 278-279)”.
O curioso é que nem o Superior Tribunal sabia exatamente distinguir, nessa pendência, o que era juro real e nominal, tamanha a complexidade que foi dada à questão. Nesse momento caiu o tabelamento dos juros de morte morrida. Agora, se o tabelamento nominal da Selic, e não do setor bancário lato sensu, fosse de 12% ou qualquer outro percentual razoável a ser perseguido, daria o que pensar. Primeiro, forçaria um resultado primário capaz de mantê-la nesse patamar. Com a Selic controlada, ela deixaria de ser o maior vetor do aumento da dívida pública interna. E passaria a ser o pivô da política fiscal. O governo teria de buscar nas suas contas o resultado primário necessário para segurar a taxa básica no índice tabelado.
A medida daria um peso maior à Lei da Responsabilidade Fiscal – que cá entre nós, ficou meio sem sentido. Os 12% poderiam ser reconstitucionalizados. Em vez do teto de gasto de Michel Temer, depois apropriado por Paulo Guedes e politicamente incumprível, o teto de juros teria dois caminhos para ser realizado: por meio do fiscal ou da redução direta dos juros, portanto do déficit nominal. Fora que teria um apelo de comunicação muito mais fácil. Na verdade, esse mesmo caminho poderia ser feito ao contrário, com uma meta de dívida pública interna, que exigiria juros baixos e superavit primário, acrescidos, last but not least, de PIBs vitaminados. Os dois trajetos, ou seja, o tabelamento da Selic e a meta da dívida interna bruta, levariam aos mesmos resultados.
Se os Poderes quisessem contribuir para tornar a medida politicamente mais viável, responsabilizariam o Legislativo pelo corte no primário necessário para segurar os juros em 12%. Certamente ajudaria se fosse aprovada uma meta de inflação mais razoável para mitigar a pressão sobre a Selic. Hoje, com as previsões mais recentes, a dívida bruta interna voltou a se tornar uma ameaça. A Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão de monitoramento das contas públicas, estima que, em 2026, a dívida vai subir para 84% do PIB. A OCDE é mais modesta e projeta um aumento menos acelerado no tempo. A dívida interna bruta cresceria com menos velocidade, alcançando o marco de 100% do PIB em 2037. Isso, sendo mantidas as metas de política fiscal que atualmente vigoram. Seja como for, a dívida bruta interna é o principal indicador de solvência de um país. No caso do Brasil, isso é ainda mais realçado na medida em que não temos passivo em moeda forte. Mas vai ser difícil, muito difícil, o governo enxergar uma tese que já atravessa décadas.
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STF e Congresso têm um novo confronto marcado
26/02/2021A PEC da Imunidade – ou da “Impunidade” – tem tudo para ser barrada pelo STF, em mais um confronto entre a Corte e o Congresso. O RR ouviu, ontem, três renomados constitucionalistas sobre o assunto. Nos pontos nevrálgicos, houve consenso nas considerações feitas à newsletter: o entendimento é que o Supremo vai declarar a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional ou, pelo menos, de partes da proposta em tramitação na Câmara. Um dos pontos em que houve unanimidade de entendimento é o que trata do alcance da imunidade parlamentar.
A PEC estabelece que, sobre o discurso ou a opinião de um parlamentar, cabe “exclusivamente” a responsabilização e, por consequência, eventuais punições no âmbito ético-disciplinar, ou seja, dentro do próprio Congresso. Na prática, seria uma camisa de força no Judiciário, blindando parlamentares de ações cíveis ou penais. Os juristas apontam que a proposta viola o artigo 5o, inciso 35, da Constituição Federal: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Significa dizer que a Justiça não pode ser impedida, por exemplo, de apreciar crimes de opinião, caso do deputado Daniel Silveira.
Da mesma forma, os juristas ouvidos ontem pelo RR entendem que o STF tende a declarar a inconstitucionalidade da vedação do afastamento temporário. A PEC estabelece que um parlamentar não poderá ter seu mandato suspenso durante uma determinada investigação, cabendo apenas a perda definitiva do cargo nos termos do artigo 55 da Constituição. Mais uma vez, o que está em jogo é uma disputa de poder entre o Judiciário e o Legislativo. No entendimento de juristas, essa proposta abre um precedente perigoso, blindando deputados e senadores até mesmo em casos de crimes hediondos.
Um exemplo: no limite, a Justiça não poderia afastar preventivamente do cargo um parlamentar como Hildebrando Pascoal, mais conhecido como o “deputado da motosserra”. Em 1999, ele foi preso – e posteriormente condenado – por chefiar um grupo de extermínio no Acre e por praticar crimes com requintes de crueldade, como cortar o corpo de suas vítimas ainda vivas. Ressalte-se que esta não seria a primeira vez que o Supremo rechaçaria uma PEC – ou partes dela – aprovada pelo Congresso. Em 1993, no governo FHC, o STF declarou a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional no 3, que tratava sobre a quebra da imunidade tributária recíproca entre os entes federativos. Em 1998, outro caso: a Suprema Corte rechaçou artigos da PEC 19, vinculada à reforma administrativa.