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Análise
Haddad fala mais do que devia e desancora a expectativa de inflação
23/05/2024A performance de Fernando Haddad na audiência pública na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados foi considerada de ruim à péssima. O ministro da Fazenda, que prima pela contenção e palavras estudadas, desandou a dar sinais de mudança na política monetária, fiscal e até na Constituição. Haddad começou seu solo com a afirmação de que meta de 3% de inflação é “inimaginável”. Como ninguém mais falava em mudança da meta, até porque fazer isso agora seria dar um tiro na política monetária com uma espingarda de calibre 12, o ministro não só recolocou o assunto na pauta, com sinalizou para uma inflação mais alta do que 4,5%, portanto fora da margem mais alta do sistema de metas. O curioso é que o ministro expurgou do seu vocabulário a adoção da meta ampliada, que somente seria conferida em 24 ou 36 meses, aumentando a folga para que o governo perseguisse o centro da meta de inflação e se livrando do jugo do mercado em relação ao ano calendário.
Haddad caiu também na tentação de atribuir o desajuste fiscal ao governo anterior, que realizou uma espécie de moratória dos precatórios. Mas insistiu que o resultado primário está sob controle. É verdade que o atraso com parcelamento dos precatórios foi uma bomba de efeito retardado. No entanto, ele ignorou o fato quando criou uma meta de tolerância zero para o resultado primário, que não seria e nem será cumprida. Mas o Brasil já se especializou em furar tetos e metas. O governo Bolsonaro conseguiu a proeza de furar o teto cinco vezes em quatro anos, e a meta do primário estourou em 57% das vezes desde que foi aprovada em 2000. Não é só precaução, portanto, o fato do ministro já ter pedido e obtido a aprovação de crédito extraordinário ao Congresso. E olha que não se tem ideia da conta da reconstrução de Porto Alegre. O resultado primário, por sua vez, sofre das indexações estruturais em quase todo orçamento federal e provavelmente o governo fará algum arranjo heterodoxo com o Legislativo para acomodar alguns gastos imprevistos. Serão os “precatórios” de Fernando Haddad. Na verdade, ninguém do mercado acredita em um resultado primário neutro nem na meta de inflação de 3%. Mas, como diz o ex-ministro Delfim Neto, “meta é para ser anunciada, perseguida, não cumprida, mas jamais desacreditada por quem anunciou”. A visão no mercado após o pronunciamento é que Haddad entregou de bandeja ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, a manutenção da taxa de inflação. Ou seja: o abacaxi de aumentar os juros acima desse patamar cairia no colo do futuro chefe da autoridade monetária, Gabriel Galipolo – o mercado aposta todas as fichas no atual diretor de política monetária – e do Copom “amigo” (em breve, a diretoria terá sua maioria indicada por Lula, leia-se Fernando Haddad).
Em outro trecho da sua fala, o ministro enfatizou a necessidade de mudar o piso constitucional em saúde e educação. Uma bandeira também de Simone Tebet, comprada por Haddad contra a vontade do Palácio Planalto, que considera a discussão fora de hora devido às eleições desse ano. O ministro parece ter compreendido que o orçamento não fechará, em 2026, sem a medida. A alternativa seria alguma heterodoxia ou o inaceitável shutdown, ou seja, o governo deixar de pagar suas despesas devido à inexistência de espaço para os gastos discricionários. Haddad só não deu uma facada em Lula, porque evitou falar da terceira alternativa: a mudança na regra do salário mínimo. Hoje 60% do orçamento estão indexados ao mínimo, que os técnicos da Fazenda ironizam ao dizer que “ele está na rota de tornar-se um salário médio”. O motivo do sarcasmo é a regra de correção, que inclui a inflação plena do período e a variação do crescimento do PIB dos dois últimos anos. Quando o PIB é positivo, sua variação é repassada ao mínimo, ou seja, é o aumento real do salário. Quando o PIB é negativo, a conta não leva em consideração o desempenho negativo da atividade produtiva. No final, há um descolamento: o mínimo, indexador da Previdência e demais outros benefícios sociais, come todo o orçamento. Há mais um detalhe nessa equação que não fecha: nos últimos nove anos a expectativa de vida aumentou 5%. É mais gente para ser custeada pela Previdência.
No Planejamento, Tebet defende a volta da regra de uma média móvel, conforme no passado, em que a correção real dos salários levava em consideração o PIB negativo. O que saísse da média com o índice de crescimento positivo era o indexador. Se o PIB fosse só negativo no período, não era repassado para o mínimo, é claro. Tebet defende que esse seja o ponto de partida para encontrar algum modelo mais razoável – na gestão Paulo Guedes, os salários somente eram ajustados pela correção monetária, “podendo, inclusive, ter algum ganho real”. Haddad até concorda que é preciso mudar a regra do mínimo. Mas, como conhece Lula muito bem, não proporia isso jamais.