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“Brasil em 2035” divide Forças Armadas em 2022

24/05/2022
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Engana-se quem pensa que o documento “Projeto de Nação – o Brasil em 2035”, divulgado na última quinta-feira, dia 19, representa um ideário uníssono nas Forças Armadas. Pelo contrário. Sua publicação teve uma repercussão divisionista dentro do meio castrense, de acordo com dois oficiais de alta patente da ativa ouvidos pelo RR. O paper revela fissuras na visão dos militares em relação ao futuro do Brasil. O estudo – elaborado pelo Instituto General Villas Bôas (IGVB), do ex-comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, pelo Instituto Sagres, leia-se o general Luiz Eduardo Rocha Paiva, e pelo Instituto Federalista, do ativista de direita Thomas Korontai – caminha na contramão do pensamento de uma parcela expressiva das Forças Armadas. Olhando-se para o regime militar, o projeto divulgado na semana passada aproxima-se mais do modelo econômico do governo Castello Branco.

Por outro lado, o “Villasboísmo” é a antítese do “Geiselismo”. Se o governo do general Ernesto Geisel defendia um forte papel estatizante e uma intervenção permanente do Estado na economia, o documento apresentado na semana passada tem nítidos contornos neoliberais. O antagonismo entre ambos se reflete também nos segmentos econômicos tidos como ponta de lança de um projeto de desenvolvimento nacional. Se o II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), elaborado na gestão Geisel, tinha como objetivo estimular a indústria, notadamente de bens de capital, o “Projeto de Nação – o Brasil em 2035” tem um caráter “agrocêntrico”, propondo uma espécie de “colonialismo rural”. Mesmo que, em sua apresentação, o “Projeto de Nação – o Brasil em 2035” se coloque como uma mistura entre cenários fictícios e reais – um hedge para dentro das próprias Forças Armadas -, o conteúdo do documento e o peso de seus signatários são relevantes demais para que o estudo seja tratado como um mero passatempo intelectual de oficiais da reserva.

Não se pode desprezar o fato de que o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, esteve presente ao evento de lançamento. Ou seja: o estudo não vocaliza apenas o pensamento de um grupo de militares que ganhou proeminência a partir do governo Temer – pontificado pelo próprio general Villas Bôas e pelo ex-ministro do GSI general Sergio Etchegoyen, muito próximo ao ex- comandante do Exército. “Projeto de Nação – o Brasil em 2035” encontra eco em um recorte significativo das Forças Armadas. Nesse sentido, há um ponto fundamental, ressaltado pelas fontes ouvidas pelo RR. Antes que alguém faça ilações mais radicais, o documento não deve ser interpretado como a manifestação de uma disposição golpista.

Trata-se, sim, de um instrumento de pressão de oficiais majoritariamente da reserva, com o objetivo de influenciar o programa de governo do presidente Jair Bolsonaro. De certa forma, Bolsonaro e Paulo Guedes já representam parte desse projeto de caráter fundamentalmente ideológico. Ressalte-se que nem tudo é divisão dentro das Forças Armadas. Segundo um dos integrantes do corpo permanente da ESG, se há um ponto compartilhado pelos militares é o anti-comunismo e o anti-lulismo. Essa aversão não está no documento – ao menos de maneira expressa. Mas há outros “inimigos” citados nominalmente. O estudo ataca  pauta ambientalista, ONGs, ativismo judicial político partidário etc. E arrola algumas instituições como atores ideológicos desse complexo ativista, tais como o Ministério Público e a Defensoria Pública. Há ainda uma estranha geleia que o documento chama de “globalismo internacional”, uma zona cinzenta que separa o capitalismo mundial do sistema financeiro nacional. Das 93 páginas de “Projeto de Nação – o Brasil em 2035” emerge uma pergunta que não quer calar: a quem esse documento interessa nas Forças Armadas? Pelo que o RR ouviu, certamente não é àqueles que decidem.

#Eduardo Villas Bôas #Ernesto Geisel #Exército #Forças Armadas #Hamilton Mourão

A falta que o general Geisel faz à Petrobras

12/11/2021
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Se o tempo desse uma meia cambalhota para trás e voltasse, metade da laranja, para os idos de 1969, quando o general Ernesto Geisel era presidente da Petrobras, permanecendo a outra metade da laranja nos dias de hoje, com a barbárie de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes, teríamos, como diz o cantor Lobão, “sangue e porrada, na madrugada”. O “Alemão” considerava a Petrobras mais do que uma petrolífera; para ele, era um símbolo do Brasil. O escárnio que está sendo feito com a companhia não ia sair barato. Geisel achava que Bolsonaro “era um mau militar, que vivia pedindo golpe. Um caso completamente fora do normal”.

As declarações estão contidas em um longo depoimento dado ao CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas, em 1993. Quanto a Paulo Guedes, não consta que o velho general tenha lhe dado qualquer atenção. Talvez um pouquinho, quando Guedes faltou, sem avisar aos organizadores, a um evento no Centro de Estudos Antônio Carlos Magalhaes, em Salvador – criado para suprir o interregno entre as participações de ACM no Congresso e no governo da Bahia. O atual ministro da Economia seria um dos palestrantes. Mário Henrique Simonsen estava presente como um dos conferencistas, e Geisel, então presidente da Norquisa, como convidado especial.

Se, no passado, Guedes não era nem uma pulga para o “Alemão”, se encontrasse o ministro nesse tempo híbrido de duas eras, daria uns cascudos no “Chicago Boy”. Imagine só tratar a Petrobras como se fosse a “casa da mãe Joana”. Geisel se foi. A Petrobras ficou. Mas está sendo enxovalhada e se tornando um exemplo de uma época sem lei. Pelo menos no que diz respeito à decência em relação ao Estado brasileiro e suas empresas. Bolsonaro antecipou a correção dos preços dos combustíveis quando essa iniciativa deveria ter sido primeiro aprovada pelo Conselho de Administração da estatal. Não recebeu uma advertência da CVM por antecipar informação relevante ao mercado. Nem um comunicado da B3 estranhando o fato do presidente tratar a empresa como uma casa de maus costumes. Em tempo: se Geisel estivesse convivendo com o general Joaquim Silva e Luna, nesse tempo de encontros impossíveis, enquadraria o oficial devido a sua gestão leniente e submissa ao “mau militar”.

Bolsonaro disse diversas vezes que a estatal não seria privatizada. Agora, com a birutice que lhe é peculiar, disparou que encomendou um estudo a Guedes sobre a venda da empresa. O ministro confirmou, piorando a situação, uma vez que a estatal é uma sociedade de economia mista. A CVM, mesmo que timidamente, chamou o ministro às falas. Não adianta. Guedes disse que a empresa não valerá nada daqui há 30 anos. Afirmou que a estatal é lerda em tirar petróleo do fundo da terra ou do mar, quando, sabidamente, a Petrobras é considerada uma petroleira de indiscutível eficácia – com o avanço da exploração para as áreas offshore, então, virou referência no setor.

Paulo Guedes fala ainda que os preços elevados da gasolina não seriam os mesmos se o controle da estatal fosse privado. Falsidade. Guedes sabe como ninguém que o preço do combustível está fora do lugar devido ao câmbio, cuja disparada diz muito mais respeito aos seus insucessos fiscais, à crise hídrica e às diatribes do seu chefe destrambelhado. Se o governo quiser que subsidie os preços dos combustíveis com recursos fiscais. O pior é que Guedes sempre apoiou uma política de correção dos derivados do petróleo com base na paridade dos preços internacionais.

Para o ministro, vender a Petrobras traria investimentos, distribuição de riqueza para os pobres e um fundo de estabilização do preço dos combustíveis, reduziria a dívida bruta e conteria a inflação. Ficaria faltando somente arrumar um pouco de juízo na cabeça dos mandantes da República. Às vezes dá até uma tentação de torcer para que uma autoridade, dessas que impõem respeito, estilo Geisel, surgisse para colocar a pior representação que tivemos nessa República no seu devido lugar. Mas esse tempo bizarro de situações impossíveis não existe. Hoje temos Bolsonaro, Guedes e o general Silva e Luna dirigindo a Petrobras. Resta torcer pelo efeito higiênico da democracia. É o que temos.

#CVM #Ernesto Geisel #Jair Bolsonaro #Paulo Guedes #Petrobras

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